No habeas corpus, a defesa do executivo argumenta que não ficou clara na denúncia a relação entre a omissão de José Carlos Martins e o resultado: a ruptura da barragem. O documento alega que o Conselho só tomou ciência sobre os defeitos surgidos na barragem em reuniões posteriores à saída do ex-vice-presidente, em dezembro de 2013. Já o MPF defende que este tipo de recurso não é sequer um instrumento válido para as questões levantadas pela defesa.
“O habeas corpus não se presta a precipitar discussões dessa ordem, sob pena de supressão de instância e violação ao devido processo legal, inclusive. Nem se admite para substituir eventual recurso de Apelação […] tem uma finalidade jurídico-processual específica: a proteção da liberdade de locomoção seriamente ameaçada”, explica o procurador regional da República, Paulo Queiroz.
O levantamento do histórico da construção da barragem, estudos e laudos a que o MPF teve acesso apontam que, três anos antes do início da operação, já se sabia que a não adoção de medidas de prevenção poderia causar riscos catastróficos, como apontava o Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), elaborados em novembro de 2005 – dez anos antes da tragédia.
O projeto original foi alterado na fase de construção da barragem e durante o tempo em que o empreendimento funcionou, diversas intercorrências aconteceram, como paralisações dos reservatórios, entupimento dos drenos, falhas e obras não previstas. “A inconsequente desfiguração do projeto original foi levada a cabo ao longo de dez anos por meio de várias condutas que revelam um agir destinado a maximizar a produtividade com o incremento não permitido dos riscos, permeado pela indiferença em relação aos perigos do empreendimento,” acrescenta o procurador.
“José Carlos Martins, enquanto membro do conselho de administração da Samarco, tinha, além de conhecimento da situação de risco que aumentava ao longo dos anos, diversas obrigações estatutárias e legais de conduzir os negócios da companhia e evitar os atos lesivos e criminosos às pessoas e ao meio ambiente”, crava a peça, solicitando ao TRF1 que não conheça o habeas corpus e caso isso aconteça, o indefira.
Em novembro passado, a Justiça Federal de Minas Gerais recebeu a denúncia contra 22 pessoas, sendo que 21 são acusadas de inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se tem a intenção ou assume o risco de matar. Em caso de condenação, as penas podem chegar até 54 anos de prisão para cada um, além de multas e reparação dos danos causados às vítimas.
Entre os réus estão diversos funcionários da Samarco: além de Ricardo Vescovi, presidente afastado da companhia; Kleber Luiz Terra, diretor afastado de Operações e Infraestrutura; e três gerentes. Onze integrantes do Conselho de Administração, que incluem representantes da Vale e da BHP Billiton, controladoras da Samarco, também foram denunciados.
O episódio deixou 19 mortos, além da lama de rejeitos ter devastado comunidades, acabando com a vegetação nativa e poluindo o Rio Doce até a foz, no distrito de Regência, localizado no município capixaba de Linhares (região norte). Foram coletadas mais de 14 toneladas de peixes mortos, além da degradação de 240 hectares de Mata Atlântica e mais 45 hectares de plantações de eucalipto. O volume de rejeitos despejados em terrenos e corpos hídricos chegou a 40 milhões de metros cúbicos. Das 195 propriedades rurais atingidas em MG, 25 foram completamente devastadas.