Em ação contra Cesan, Estado, municípios e empresas, juíza fixou multa de R$ 3 milhões. TRF adiou julgamento
A Vale, o município de Cariacica, a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) são investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) a respeito do lançamento de grande volume de esgoto na baía de Vitória no último dia 22 de setembro.
A iniciativa atende à denúncia feita pela ONG Juntos SOS ES Ambiental e visa identificar as responsabilidades de cada um dos entes sobre o episódio, que causou grande degradação ambiental, fato notório de amplo conhecimento da sociedade.
Uma reunião sobre o assunto é aguardada para a primeira quinzena de novembro, quando o procurador Jorge Munhoz de Souza, da Procuradoria da Serra, espera receber informações dos quatro entes sobre “as medidas administrativas adotadas e o plano de ações para evitar novos acontecimentos semelhantes”.
Em seu despacho, o procurador afirma que, diante das informações que venham a ser prestadas, “será analisada a conveniência de realização de reuniões com os entes públicos envolvidos, a fim de se buscar mais informações sobre o serviço de saneamento do município de Cariacica e sua repercussão sobre os danos ambientais causados pelo despejo de esgoto na Baía de Vitória”.
Sobre o evento específico do dia 22 de setembro, Jorge Munhoz de Souza destaca que “há informações preliminares no sentido de que teria ocorrido de uma limpeza do sistema de águas pluviais localizado no interior da empresa Vale, que estaria contaminado pela disposição ilegal de esgotamento sanitário derivado de ligações clandestinas”.
A respeito do esgotamento sanitário de Cariacica, por sua vez, salienta que o município firmou Parceria Público Privada (PPP) em 2020 e que a atividade de regulação [do serviço de esgotamento sanitária concessionado à iniciativa privada foi transferida à Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP).
Assim, pondera, “há arcabouço institucional organizado para que o município desimcumba-se do dever legal de prestar adequadamente o serviço público, sem intercorrências que causem danos ambientais em bens da União tão impactantes como aquele no vídeo objeto da representação”.
No entanto, diante de outros fatos relacionados ao lançamento de esgoto na baía de Vitória, o procurador entende que “é preciso, num primeiro momento, aprofundar a busca de informações com os atores competentes para compreender as razões do evento” e que “tudo indica a necessidade de ampliação do objeto da representação para acompanhar como o serviço de saneamento de Cariacica tem avançado no sentido da prestação universalizada, não causando danos ambientais na Baía de Vitória e no ecossistema por ela alimentado”.
Em sua argumentação, ele cita a ação civil pública impetrada em 2017 – Processo nº 0009100-23.2017.4.02.5001 – pela mesma Juntos SOS ES Ambiental, juntamente com a Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), que já possui uma decisão judicial em primeira instância.
Indenização de R$ 3 milhões
Em sua sentença, publicada em 13 de dezembro passado, a juíza federal da 5ª Vara Federal Cível de Vitória, Maria Cláudia de Garcia Paula Allemand, condena todos os envolvidos ao pagamento de multa de R$ 3 milhões a título de danos morais à sociedade impactada pela poluição ambiental, bem como determinando “obrigações de fazer” a cada um dos entes requeridos.
O processo está no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2), aguardando julgamento. Inicialmente previsto para o dia nove de novembro em sessão virtual, o julgamento foi adiado para sessão presencial, a pedido das empresas Ambiental Serra Concessionária de Saneamento e Vila Velha Ambiental.
Recursos e apelações à decisão da magistrada foram sendo impetradas ao longo de 2022. Em fevereiro, a coautora da ação, Juntos SOS, pediu o deferimento de dois pedidos não contemplados na sentença: “a elaboração e execução de um Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD), com a efetiva reparação do dano e recuperação ambiental integral, em toda parte urbana de Vitória, dos manguezais, praias e rios contaminados por esgoto lançado sem tratamento”; e a “promoção de Campanha de Educação Ambiental visando à erradicação do dano ambiental debatido nos autos”.
Em maio, a Cesan tenta se eximir da responsabilidade sobre o caso, afirmando que a fiscalização dos imóveis que não se ligaram ainda à rede de coleta de esgoto é de responsabilidade dos municípios, a quem, com exclusividade, o “poder de polícia” para a tarefa. Alega ainda que “a responsabilidade da Cesan limita-se ao ponto de coleta – qualidade incontroversa da água fornecida pela Cesan dentro dos parâmetros de potabilidade”.
Em relação à multa, pede que caso o Tribunal não lhe isente totalmente, que os valores “sejam minorados dentro como parâmetro a regular conduta da Recorrente”
No mesmo mês, as duas concessionárias privadas, Ambiental Serra Concessionária de Saneamento e Vila Velha Ambiental – contratadas, respectivamente em 2014 e 2017 – argumentam que a ação não aponta “qualquer menção ou questionamento relacionado à eficiência técnica de Estações de Tratamento de Esgoto – ETEs nas localidades em que existe rede, não sendo esse o objeto da demanda, mas sim a falta de universalização do sistema e a falta de adesão dos usuários à rede”. Nesse sentido, prosseguem, as concessionárias que foram “contratadas para a ampliação do sistema de esgotamento sanitário, são parte da solução, e não do problema”.
Semelhante à Cesan, as empresas também pedem que, caso a multa lhes seja imputada ao final do julgamento da Corte, que o valor seja reduzido “em nome da proporcionalidade e razoabilidade, sugerindo-se o valor certo e determinado de R$ 50 mil”, o mesmo pleiteado na inicial da ação.
Em junho, a Procuradoria Municipal de Vitória seguiu em direção oposta à da Cesan, afirmando que “não há nenhum cabimento em obrigar o Município a fiscalizar as ligações”, pois isso “seria afetar o orçamento municipal para que os clientes da Cesan passem a consumir os serviços da Cesan”.
Sobre a indenização de R$ 3 milhões, pede que Vitória seja excluída do pagamento e que “o valor da condenação a ser pago pelos demais municípios da RMGV [Região Metropolitana da Grande Vitória], pelo Estado e Cesan, sejam depositados no Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Fundambiental), a fim de que o seu Conselho Gestor possa destinar à efetiva recuperação dos danos causados pela destinação inadequada do esgoto pelos verdadeiros causadores da poluição”.
Responsabilidades compartilhadas
Na decisão da juíza Maria Cláudia de Garcia Paula Allemand, a maior parte das “obrigações de fazer” recai sobre os municípios. Entre elas, que apurem as causas do despejo irregular do esgoto, identificando os motivos pelos quais as ligações ainda não foram realizadas, se por omissão do proprietário ou inércia da Cesan e concessionária conveniada. E que notifiquem os proprietários dos imóveis e a concessionária, para que a ligação correta à rede coletora de esgoto seja feita.
A sentença fala também na adoção de medidas coercitivas cabíveis para a regularização da ligação. Naqueles locais em que a ligação padrão à rede pública coletora for tecnicamente inviável, a determinação da Justiça é que uma outra solução técnica seja adotada, mediante aprovação da Secretaria de Meio Ambiente do município. As determinações são, sobretudo, para que os municípios garantam a implementação de políticas públicas de saneamento básico, atendendo à legislação em vigor.
Para as concessionárias que prestam serviços de saneamento básico na Grande Vitória, a determinação é que elas cumpram os termos dos contratos de concessão firmados, no que diz respeito ao tratamento do esgoto e distribuição da água.
Nos quatro municípios, Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, já ocorreram diversos episódios de contaminação dos recursos hídricos por esgoto in natura, antes e depois da abertura da ACP, em 2017. Havendo inclusive processos legislativos de investigação, conduzidos, por exemplo, pela Câmara de Vereadores da Serra.