Os órgãos de Justiça da Força-Tarefa Rio Doce peticionaram, nesta quinta-feira (29), ao juízo da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, que as indenizações por ele aprovadas para pagamento aos atingidos dos municípios de Baixo Guandu, no noroeste do Espírito Santo, e em Naque, Minas Gerais, decorrentes do crime da Samarco/Vale-BHP, sejam estendidas para todos os atingidos da Bacia do Rio Doce nos dois estados, na condição de adiantamento do valor total das indenizações a serem pagas no futuro, e sem a condição de quitação geral de direitos.
A petição é assinada pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministérios Públicos do Espírito Santo e de Minas Gerais (MPES e MPMG) e Defensorias Públicas da União e dos dois estados (DPU, DPES e DPMG), e tem o Comitê Interfederativo (CIF) como litisconsorte.
O instrumento é baseado na isonomia de direitos, como ressaltou o procurador da República em São Paulo e integrante da Força -Tarefa, Edilson Vitorelli, em coletiva de imprensa realizada na tarde desta quinta. “Isonomia é um princípio pelo qual nós velamos desde o início do nosso trabalho. Se as empresas entendem que vale indenizar os atingidos de Naque e Baixo Guandu, elas têm dever jurídico e moral de indenizar todas as pessoas dessas mesmas categorias em todos os municípios atingidos, independentemente de não serem representados pelos ‘advogados favoritos’ delas”, relatou.
A ironia da expressão “advogados favoritos” faz referência aos processos deferidos pelo juiz substituto da 12ª Vara, Mário de Paula Franco Junior, em Baixo Guandu e Naque, que foram impetrados por supostas comissões de atingidos representadas, na definição do procurador, “por uma advogada que atua sozinha num escritório de Baixo Guandu [Richardeny Luiza Lemke Ott] e por colegas de faculdade dela”.
Causa estranheza, salientou Edilson Vitorelli, “a permissão para que esses processos sejam conduzidos dessa forma, contra os maiores escritórios de advocacia do país”. Em apenas dois meses, informou o procurador, os processos da advogada foram deferidos pelo juízo e não sofreram recursos por parte das empresas responsáveis pelo crime socioambiental contra o Rio Doce, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton.
“As empresas não recorreram das decisões. Isso significa que por mais defeituosos que esses processos sejam, elas reconhecem que esse valor é devido. Apesar da invalidade dos processos, essa invalidade não pode ser usada pelas empresas para impedir que as pessoas recebam esses valores”, explicou.
“A única coisa que a gente quer é que esses pagamentos não impliquem em quitação de quaisquer outras ações e que sejam entendidos como um adiantamento de indenização, para que seja posteriormente complementado quando soubermos de fato o valor da reparação integral, para o qual precisamos da contratação das Assessorias Técnicas Independentes [ATIs], e participação dos atingidos e tudo o mais que não foi feito até agora”, salientou.
Durante a coletiva, o procurador da Força-Tarefa exaltou outras características que indicam a ilegalidade das comissões e dos processos impetrados pela advogada de Baixo Guandu: “Os processos são tão combinados, que depois que os maiores escritórios de advocacia do país, contratados pelas empresas, foram derrotados, nenhum deles recorreu, tal a satisfação das empresas com essa derrota. E logo criaram um sistema eletrônico para receber as habilitações das pessoas que querem receber esse dinheiro nesse método, porque a condição é a renúncia de todos os demais direitos, inclusive na ação que corre na Inglaterra. (…) Fica claro aqui que essas pessoas ganharam nesse processo da mesma forma que meu filho de quatro anos ganha de mim no xadrez: é uma falsa vitória, lidissimulada”, descreveu.
O caráter sigiloso da tramitação desses processos apócrifos é outra característica importante a apontar a ilegalidade dos mesmos, bem como os valores de indenizações estabelecidos na matriz de risco elaborada pelo juiz Mário de Paula, “que é composta de números aleatórios e, na nossa visão, prejudiciais aos atingidos”.
No fim das contas, afirma o procurador, “esses processos configuram um abuso contra essas pessoas. Elas foram abusadas ao longo do tempo, foram se desesperando, perdendo a esperança de receber, pela demora na tramitação. E agora, depois de tanto tempo, estão dispostas a aceitar valores menores e irrisórios estabelecidos nessa matriz de dano”, expõe.
O valor de R$ 10 mil estabelecido na matriz do magistrado, compara, se equipara às indenizações por danos morais pagas em casos de cancelamentos de voo. “Estamos comparando um transtorno de cancelamento de voo aos danos gerados pelo maior desastre ambiental do país”, exasperou.