Recurso ao TRF6 destaca falhas sistêmicas e omissões graves no caso
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso contra a decisão de primeira instância que absolveu as empresas Samarco Mineração, Vale, BHP Billiton e Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda., além de seis executivos e técnicos, pelas acusações criminais relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), em 2015. Considerada a maior tragédia socioambiental da história do Brasil, o caso resultou na morte de 19 pessoas, destruição de comunidades e graves impactos ambientais em toda a bacia do Rio Doce.
A sentença, proferida em novembro pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, da Justiça Federal de Minas Gerais, destacou a “falta de provas suficientes” para responsabilizar criminalmente os réus, concluindo que as condutas individuais dos acusados não poderiam ser diretamente relacionadas aos resultados desastrosos.
No entanto, o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar recorreu ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) para reverter a decisão, cujo entendimento diverge das conclusões da investigação da Polícia Federal (PF). O inquérito policial havia revelado o conhecimento prévio da alta gestão da Samarco/Vale-BHP sobre os problemas estruturais da barragem, comprovado pela interceptação de mensagens entre o presidente licenciado Ricardo Vescovi e diretores das empresas.
Entre os investigados e absolvidos, estão Vescovi, então presidente da Samarco; Kléber Terra, diretor-geral de operações; Germano Lopes, gerente-geral de projetos; Wagner Alves, gerente de operações; Daviely Rodrigues, gerente de geotecnia de barragens; e o engenheiro Samuel Loures, da consultoria VogBR.
Segundo o procurador do MPF, o rompimento foi consequência de omissões graves por parte dos garantidores da segurança da barragem, que falharam em suas competências ao ignorar alertas técnicos e não tomarem medidas para corrigir problemas estruturais. O recurso solicita a revisão da sentença e a condenação dos réus por uma série de crimes ambientais e de gestão de risco.
Entre os pontos destacados pelo órgão ministerial, estão a realização de sucessivos alteamentos na barragem sobre regiões instáveis e a não implementação de medidas recomendadas por consultores, como o reforço da estrutura e a retificação do eixo de um dos diques. Para o MPF, a paralisação ou desativação da barragem ao primeiro sinal de problemas estruturais poderia ter evitado ou mitigado a tragédia.
O procurador federal também contestou a aplicação do princípio da consunção e a anulação das declarações pré-processuais de um projetista da barragem, que, no entendimento do órgão, foram fundamentais para demonstrar as falhas de gestão e execução. Além disso, o recurso destaca 22 pontos que comprovam a omissão dos acusados ao longo dos anos, como a ausência de estudos de liquefação, o aparecimento de trincas e o subdimensionamento de estruturas essenciais.
O MPF federal reforça que crimes dessa magnitude são resultado de falhas sistêmicas dentro de grandes corporações e que é essencial identificar as responsabilidades individuais e coletivas. A teoria da autorresponsabilidade, que permite a responsabilização penal de pessoas jurídicas independentemente da condenação de seus representantes legais, foi defendida no recurso como aplicável ao caso.

‘Sentença parcial’
A decisão da Justiça também foi contestada por movimentos sociais, representantes das comunidades atingidas e especialistas em direito ambiental. Para o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Heider José Boza, a sentença foi “parcial e protetora das empresas”. Ele destacou que, desde 2015, os atingidos enfrentam dificuldades para obter reparação efetiva e que o sistema judicial tem sido conivente com as mineradoras.
O cacique Tupinikim Vilmar Benedito Oliveira também criticou duramente a decisão, afirmando que a Justiça brasileira “viola os direitos da população” ao priorizar interesses corporativos. Para ele, a absolvição reflete um sistema que favorece o capital em detrimento das vidas humanas e ambientais.
João Carlos Gomes da Fonseca, conhecido como Lambisgoia, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), reforçou o sentimento de revolta. “O que foi feito para reparação é uma mera troca de favores. O crime ficará sem punição, enquanto as comunidades seguem sofrendo”, declarou.
Enquanto o caso avança no Brasil, a mineradora BHP Billiton enfrenta um processo ambiental coletivo na Inglaterra, com pedidos de indenização que somam US$ 46,8 bilhões e envolvem 620 mil vítimas. As comunidades esperam que o julgamento, previsto para março de 2025, possa trazer justiça que ainda não foi alcançada no Brasil.