Toda mudança de governo e nos mandatos em cargos políticos gera expectativas, sejam essas positivas ou negativas, na sociedade que estará sob a governança dos novos eleitos. No pleito deste ano, os votos válidos em solo capixaba elegeram um novo governador do Estado e, também, renovaram a bancada capixaba no Congresso Nacional e ainda metade da bancada da Assembleia Legislativa. Dos novos representantes dos capixabas, porém, raros são os quem tenham se destacado por sua atuação ou bandeira ambiental, tanto em trajetória como na campanha.
Da militância ambientalista no Estado, não há boas expectativas para os próximos anos de governo. Muito dessa opinião se deve ao fato de o governador eleito, Paulo Hartung (PMDB), durante os oito anos de mandato que já cumpriu à frente do Palácio Anchieta, entre os anos de 2003 e 2010, ter sido o principal incentivador do modelo de desenvolvimento econômico adotado no Estado, que prioriza exportações de matérias-primas em detrimento do equilíbrio ambiental e social.
Na sua gestão, por exemplo, foram instaladas as Wind Fences na Vale, sistema cuja comprovação da eficácia para a diminuição do lançamento de pó preto é altamente contestada pelos ambientalistas; o Estaleiro Jurong de Aracruz (EJA) foi decretado de utilidade pública, apesar dos seus inúmeros danos à comunidade de pesca e ao bioma marinho da Barra do Riacho; e foram concedidos incentivos fiscais à Ferrous Resources, empresa que tem entre seus planos a construção de mais um porto em Presidente Kennedy (litoral sul do Estado).
Por motivos como os apontados acima, o ambientalista José Marques Porto, do grupo SOS Espírito Santo Ambiental, aponta a eleição do “novo” governador como uma regressão violenta ao modelo de governo que não abre diálogo com os conselhos de meio ambiente e com a sociedade civil. Sem esse diálogo, aponta, se agiganta a probabilidade de aprovação e incentivo aos empreendimentos poluidores e nocivos ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, como é o caso dos plantios de eucalipto monopolizados pela Aracruz Celulose (Fibria), a devastação do litoral capixaba com a construção dos portos e o aumento da poluição na Grande Vitória, sobretudo por conta da atuação da Vale e da ArcelorMittal.
Como lembra o ambientalista, esses empreendimentos de potencial altamente poluidor estão diretamente relacionados com interferências na qualidade de vida e no custo do governo com a saúde do cidadão, como é o caso da poluição atmosférica com relação aos problemas respiratórios e do eucalipto, principal causador dos processos de seca, erosão e desertificação em diversas regiões do Estado.
O conhecimento dos problemas e danos coletivos que podem ser causados à população capixaba também são apontados por Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), principal entidade que luta para a despoluição e descontaminação da praia, que sofre com um passivo ambiental formado pelo minério de ferro da Vale. Pedrosa tem esperanças de que o futuro governador repense o sistema econômico implantado no Estado, sobretudo, com relação à invasão portuária, que destruiu locais de intensa beleza no litoral capixaba e que poderiam ser muito bem aproveitados com um planejamento turístico adequado.
Além disso, o presidente da AAPC afirma que a sociedade civil engajada na luta contra o pó preto voltará seus esforços, novamente, para o enclausuramento das empresas poluidoras da Ponta de Tubarão, sistema que reduziria consistentemente a emissão de pó preto do complexo industrial da Vale e da ArcelorMittal. Para Paulo, o problema do pó preto deveria ser tratado pelo futuro gestor com soluções mais efetivas.
Vicente Buteri, presidente da Associação dos Pescadores da Barra do Riacho e principal liderança contra o avanço da Jurong na localidade, configurou o governo do Estado, entre os anos de 2003 e 2010, como o governo das grandes empresas, que não prezou e não ajudou de nenhuma forma as comunidades tradicionais. Exemplo disso foi a abertura proposta para as empresas, tais como o Estaleiro Jurong,que recebeu grandes incentivos para se instalarem no Estado e sequer cumpre as condicionantes que lhes foram impostas.
A falta de diálogo com o movimento ambientalista também foi um dos pontos levantados por Lupércio Araújo, do Instituto Orca, como um fator que acontece há cerca de 15 anos no governo do Estado, o que em grande parte se deve à gestão. Para Lupércio, os governantes não enxergam a história e a importância do movimento ambientalista que, em suas ações, foi substituído pelos servidores de caráter técnico dos órgãos ambientais.
O representante do Orca afirmou que, para os governos, as instituições ambientalistas sempre foram um estorvo, justamente porque atuavam contra a lógica de exploração desenvolvimentista implantada. O antigo mandato do governador eleito, como afirmou, foi o principal desmobilizador do movimento ambientalista e, para Lupércio, não há expectativas de que o novo governo seja bom para o meio ambiente, sobretudo porque valoriza o desenvolvimento econômico, essencialmente nas obras da Jurong e do Porto Central de Presidente Kennedy, sem preocupações com a área e com as comunidades atingidas. Lupércio também alerta para o fato de que as espécies sensíveis, como as toninhas, serão extremamente impactadas pelo avanço portuário, que foi planejado sem quaisquer critérios.
A lógica da exteriorização da economia também foi questionada por Valmir Noventa, liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Estado. Nessas eleições, retratou, houve um avanço da extrema direita conservadora em todos os níveis de governo, uma posição política que representa um caminho de retrocesso para a classe trabalhadora. Questões como a distorção da soberania nacional com os projetos de exportação e a conveniência do país ao sistema econômico internacional, firmando-se como apenas produtor de matérias-primas, são bandeiras do posicionamento direitista que enfraquecem os ideais dos trabalhadores brasileiros, que lutam justamente pela subsistência do país perante as outras nações do globo. Valmir lembrou que, embora muitos governos não tenham posicionamento esquerdista claro, o diálogo com a classe trabalhadora se torna mais fácil sob algumas administrações, se comparadas a outras.
Legislativo
Os ambientalistas ainda não têm clareza sobre os rumos que podem ser tomados pela nova configuração do legislativo estadual. Entretanto, como ressalta Lupércio, é muito provável que nenhum deles tenha um histórico de lutas em prol do meio ambiente no Estado, já que em nenhum momento o incentivo à preservação ambiental foi destaque em governos anteriores.
Valmir Noventa aponta que há quadros importantes dentro da Assembleia, bem como aqueles que são promotores ou financiados pelo agronegócio. José Marques Porto acrescenta, aqueles candidatos que receberam verba para financiamento de campanha direto das poluidoras, o que configura à nova formação um balanço negativo, apesar de haver, no emaranhado dos novos deputados, os que foram eleitos com apoio dos ambientalistas.
A principal discrepância nesse fator ficou evidente nas últimas formações da Comissão de Meio Ambiente da Casa. Nesta legislatura, como presidente, foi escolhido Gildevan Fernandes (PV) e, posteriormente, Sandro Locutor (PPS), que não levantaram qualquer debate ou projeto de interesse da sociedade na área ambiental. Pelo contrário: Gildevan foi um dos principais atores da manobra que derrubou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto. O relator da CPI, Gilsinho Lopes (PR), que conquistou a reeleição, foi o único foi que apadrinhou a luta contra Vale e ArcelorMittal.
Anterior a Gildevan, o quadro não era animador, tendo o deputado Atayde Armani (DEM) como presidente, quando ainda era uma comissão que englobava meio ambiente e agricultura na mesma configuração. Atayde é conhecido pela defesa do agronegócio em solo capixaba.
Assim como na Assembleia, também não há expectativas em relação à nova composição na Câmara dos Deputados e Senado. A bancada capixaba no Congresso Nacional, a não raras exceções, nunca assumiu os problemas ambientais do Estado como bandeira.