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Mulheres sem terra resistem à reintegração em ocupação na fazenda da Suzano

Militantes receberam nesta sexta liminar judicial, expedida no mesmo dia da ocupação

MST

A ocupação de mil mulheres sem terra na fazenda da Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), localizada em Aracruz, norte do Estado, enfrenta uma ordem de reintegração de posse. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciou que a Polícia Militar está posicionada em frente ao acampamento para executar a ordem judicial, ameaçando retirar as mulheres de forma forçada. O grupo ocupa a área desde essa quinta-feira (13), e reivindica a destinação de 22 terras em conflito que a empresa, em conjunto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), se comprometeu a destinar para reforma agrária ainda em 2011. O acordo foi resultado de denúncias sobre os impactos negativos da monocultura de eucalipto na região. 

As mulheres reforçam que não há previsão para a saída do local. No mesmo dia da ocupação, a Justiça emitiu uma liminar de reintegração de posse, recebida na manhã desta sexta-feira (14). Além das questões legais, as manifestantes denunciam que políticos de extrema direita têm feito ameaças e provocações em frente ao acampamento, enquanto policiais e grupos de segurança privados, com cães, aumentam a pressão e criam um ambiente de insegurança e medo no local. O MST, por meio de uma nota nas redes sociais, repudiou a ordem de reintegração expedida em favor da Suzano Papel e Celulose.

Como forma de solidariedade à ocupação, movimentos sociais e apoiadores convocam o ato político “Café pela Reforma Agrária”, neste sábado (15), às 10h, na ocupação em Aracruz. A atividade pretende reunir apoiadores da luta pela terra, além de famílias assentadas da região, para reafirmar a necessidade da reforma agrária e pressionar por uma solução para os conflitos fundiários. 

As integrantes do movimento ressaltam que, enquanto a região permanece dominada pelo monocultivo de eucalipto, muitas famílias sem terra aguardam uma solução para o assentamento e a produção de alimentos saudáveis. As mulheres ocupam a área como parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, que ocorre desta quinta-feira a domingo (13 a 16) em todo o Brasil, para denunciar a violência do agronegócio e reivindicar a reforma agrária, sob o lema: “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o Capital”.

MST

Além de denunciar os impactos socioambientais do monocultivo de eucalipto, que consome grandes quantidades de água e reduz a biodiversidade das áreas onde é implantado, a ação reivindica uma política mais efetiva de acesso à terra. O MST reforça que a luta pela terra é legítima e criticou a empresa Suzano e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pela falta de medidas concretas para resolver os conflitos agrários na região.

O movimento organiza 1,9 mil famílias em 11,8 mil hectares de terra em disputa com a Suzano. Seis dessas áreas estão no Espírito Santo, e as negociações estão paralisadas desde 2023, quando ocorreu a última ocupação de terras. A mobilização das militantes faz parte de uma luta histórica contra a concentração fundiária brasileira, que permanece um dos principais desafios sociais do país, especialmente quanto à soberania alimentar da população. Representantes do MST reforçam que a expansão das monoculturas impede a produção diversificada e saudável, o que contribui para o aumento do preço dos alimentos. 

A Suzano, uma das maiores multinacionais do setor de papel e celulose, adquiriu a antiga Aracruz Celulose, acusada de grilagem de terras desde quando se instalou na região, ainda na década de 1970, durante a ditadura empresarial militar. Acusada de uma série de crimes, como “roubo de água, desvio e morte de rios, perda de diversidade, e uso de agrotóxicos associados ao câncer”, a empresa detém 2,7 milhões de hectares de terras no Brasil, uma área que poderia assentar as 100 mil famílias do MST que ainda lutam por terra, estima a organização.

“Reafirmamos que a luta por terra é legítima, e que as terras da Suzano podem ser destinadas para a reforma agrária e produção de alimentos saudáveis, enquanto seguem exploradas para o monocultivo de eucalipto. Nós temos 22 áreas em conflito, e exigimos que a Suzano e Incra resolvam o problema das nossas famílias”, declararam em publicação nas redes sociais. A ocupação também alerta para o agravamento da crise hídrica em municípios do norte do Espírito Santo e no extremo sul da Bahia, onde, há cerca de 30 anos, grande parte das terras agricultáveis estão sob domínio de grandes empresas do setor de papel e celulose.

A partir de 2018, quase todas essas áreas foram incorporadas pela Suzano, cuja receita líquida alcançou R$ 47,4 bilhões em 2024. O cultivo em larga escala é realizado com o uso intensivo de agrotóxicos, incluindo a pulverização aérea, o que intensifica os impactos ambientais e sociais na região, relatam porta-vozes do movimento. Além disso, a expansão desse modelo tem levado ao deslocamento de comunidades tradicionais e agricultores familiares, dificultando a produção de alimentos e agravando conflitos por terra. 

Diante da iminente reintegração de posse, as mulheres Sem Terra afirmam que continuarão resistindo e exigindo soluções para os conflitos fundiários na região. Organizações de direitos humanos e movimentos sociais também acompanham a situação e cobram um posicionamento das autoridades para garantir que a retirada das ocupantes ocorra sem violações de direitos. 

‘Quase imediata’

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Camila Valadão (Psol), questionou a rapidez com que a reintegração de posse foi concedida em favor da empresa Suzano e criticou a falta de diálogo prévio antes da decisão. Segundo ela, a legislação brasileira prevê a realização de audiências de mediação antes de medidas como essa. “Saiu uma reintegração de posse quase que imediata em favor da empresa, o que nos estranha muito, no mínimo, levando em consideração que, no Brasil, temos resoluções que falam da necessidade de diálogos, audiências de mediação e audiências”.

Nessa quinta-feira (13), a comissão enviou um ofício ao Tribunal de Justiça (TJES) questionando a falta de encaminhamento do caso para a Comissão de Conflitos Fundiários do próprio órgão. “O Tribunal precisa cumprir aquilo que está previsto na resolução do Conselho Nacional de Direitos Humanos”, ressalta.

Conforme consta nos autos supramencionados, o juízo de primeiro grau deferiu a tutela provisória, determinando a desocupação sem observar nenhuma das condicionantes previstas na Resolução 510/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e na Resolução 10/2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). e nos termos do comando da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828.

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