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‘Municípios necessitam de planos de arborização, defende engenheira florestal

Dores do Rio Preto retirou 21 árvores da via central. Caso é emblemático do cotidiano não planejado das cidades

PMDRP

A população de Dores do Rio Preto, no Caparaó, ainda tem como tema recorrente de conversas, nas ruas e comércios, o corte das árvores que sombreavam a avenida principal. Foram retirados 21 grandes e antigos exemplares de sibipirunas e oitis, uma das marcas registradas da cidade. A medida foi tomada há mais de dois meses, mas ainda rende críticas. 

O prefeito, Cleudenir José de Carvalho Neto, o Ninho (Cidadania), explica que a motivação inicial foi a melhoria do trânsito, por meio da ampliação das faixas de rolagem e criação de vagas de estacionamento, que praticamente inexistem na via. Durante o estudo, verificou-se que as árvores estavam com raízes comprometidas e muitas com risco de cair (foto abaixo), sem falar nos danos ao calçamento e o emaranhamento nos fios de energia elétrica, que já eram notórios.

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Uma nova arborização, com árvores mais apropriadas ao local, a princípio, está descartada, afirma o prefeito. O projeto de sinalização elaborado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), já aprovado, não indica espaço verde possível. O assunto, destaca o prefeito, foi previamente discutido na Câmara Municipal, inclusive por indicação de retirada das árvores feito por alguns vereadores, e também no Conselho Municipal de Meio Ambiente, onde os cortes foram aprovados, mediante algumas condicionantes, como o plantio de duas mil árvores – a princípio ipês – na área de festas da cidade, um terreno de três alqueires que precisa ser destinado à conservação ambiental. 

“Quando a gente retira as árvores porque pode causar transtorno, um prejuízo mais sério e até acidente, é criticado por que tirou. Mas se eu não tiro e acontece algo, também seria criticado. Eu preferi retirar, para garantir a segurança das pessoas, e fazer uma avenida bem ampla, que a cidade precisa”, afirma. 

Falta planejamento 

O caso caparaoense é emblemático de uma realidade de falta de planejamento cotidiano das cidades capixabas e brasileiras, em que plantios feitos há décadas, sem critérios, hoje causam problemas e precisam de soluções drásticas. A engenheira florestal Marcela Souza Medeiros, que lida diariamente com o tema, atendendo a pedidos de avaliação sobre corte ou proteção de árvores urbanas, lamenta que, mesmo na capital capixaba, não há qualquer plano concreto de arborização, nem mesmo nas unidades de conservação.

“Há inúmeras árvores no meio da rua ou em áreas particulares em risco de queda. Arborização é uma coisa séria. Em Vitória, foi feita sem planejamento, foram aterrando e plantando, sem critério. É possível observar árvores com raízes agressivas destruindo calçadas e inclusive podas dessas raízes, algo bem perigoso, já que altera a base da estrutura da árvore. Também há podas drásticas das copas para evitar conflito com as fiações, mas que causam um grande desequilíbrio fisiológico no ser vivo. Enfim, a arborização não tem sido levada a sério”, pondera.

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Microclima ameno

Marcela ressalta que, nas cidades, as principais finalidades das árvores são contribuir para um no microclima mais agradável e embelezar os espaços. Funções que são cada vez mais evidenciadas nas discussões mundiais sobre clima e sustentabilidade, havendo rankings de cidades mais verdes, na qual, inclusive, a capital capixaba é destaque nos últimos anos. 

Na dissertação de mestrado “A influência da arborização no microclima urbano: um estudo aplicado à cidade de Vitória”, a pesquisadora Tatiana Camello Xavier realizou um estudo numa área pavimentada do bairro Mata da Praia, sob orientação de Cristina Engel de Alvarez, e concluiu que “os trechos mais arborizados tanto nas praças e no parque, quanto nas vias, registraram temperaturas mais baixas e valores mais altos de umidade relativa, no verão e no inverno, na maioria dos horários analisados”, tendo registrado “uma diferença máxima de temperatura de até 3,5ºC no verão e 2,5°C no inverno, e 25% de umidade no verão e 32,5% no inverno, em situações extremas”.

Esses nobres serviços prestados pelas árvores urbanas, no entanto, adverte Marcela Medeiros, não podem ameaçar as “vidas humanas e suas edificações”. Por isso, sublinha, planejamento é vital. “É totalmente inseguro árvores com frutos pesados como o cupuaçu plantado perto do semáforo, como ocorre em Vitória. Imagine você parado no sinal e um fruto daquele cai no teto do seu carro. Há árvores em senescência nas calçadas, com risco de cair sobre os carros, mediante uma forte ventania. Ou então pense se você plantaria uma árvore de raízes profundas em locais de solos rasos! É o que ocorre em minha cidade-ilha, que grande parte é aterro. Nesses casos, as supressões são necessárias antes que ocorram uma tragédia. Na cidade, diferente das florestas, não podemos espera-las cair naturalmente, são vidas humanas em perigo”, expõe.

‘Árvores de estimação’

O manejo das chamadas “árvores de estimação” ´é outro capítulo fundamental, prossegue a engenheira florestal. “Principalmente sobre como protegeremos aquelas árvores plantadas de qualquer forma e que apresentam injúrias, ou mesmo aquelas amadas e outrora frondosas, mas que agora estão em seu outono”. 

As podas, destaca, “não podem ser feitas a qualquer momento. Agridem a árvore e as deixam exposta a fungos e bactérias. É preciso que profissionais especializados façam isso. Há muitas árvores adoecendo por podas mal feitas, ficando muito tortas, com troncos feridos, cheios de rachaduras”, lamenta. Um olhar mais atento nas ruas, praças e outros espaços públicos das cidades pode identificar esses casos de sofrimento, afirma, destacando alguns casos no campus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Goiabeiras (fotos abaixo).

Marcela Medeiros

Há situações em que a solução é mesmo cortar e isso precisa ser compreendido pela população. “Muitas vezes, fazer a supressão de uma árvore não é ser antiambientalista, ao contrário. Se tivermos que suprimir algumas, temos que entender que isso faz parte da vida. Elas sempre farão parte da nossa história, devemos eternizá-las nas memórias municipais, inclusive com documentos históricos e nos prepararmos para receber mais um novo membro na nossa família urbana”, defende. 

Espécies nativas

O plantio de novas árvores, afirma, é tão necessário quanto o corte das que apresentam risco. E, nesse sentido, as espécies nativas devem ditar o tom das ações públicas e particulares. No caso do Espírito Santo, a Mata Atlântica é o bioma que precisa ser respeitado. 

“Pitanga, araçaúna, jaboticaba amarela, mirtácea branca, jamelão, bouganville, quaresmeira, manacá…a Mata Atlântica e a restinga possuem muitas espécies que podem ser utilizadas na arborização das cidades, mas ficam esquecidas. Um apelo que eu faço há muito tempo, é para as pessoas plantarem mais árvores nativas”.

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