Pescadores realizam protestos e se reúnem com autoridades nesta segunda visando ajustar leis criadas sem diálogo
A tradicional procissão marítima de São Pedro, elemento central nas festividades que homenageiam o padroeiro dos pescadores, pode não acontecer esse ano. O motivo é a opressão que esses trabalhadores estão sofrendo por leis municipal e federal criadas sem diálogo com a categoria e que proíbem a pesca no mar e nos estuários que rodeiam a cidade de Vitória.
“São Pedro é padroeiro dos pescadores, mas o que a gente ganha nessa festa além de duas cervejas e uma camisa? A pesca está proibida e as autoridades, os políticos não fazem nada para nos ajudar”, questiona o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia.
Neste sábado, os primeiros protestos alertando sobre essa possibilidade começaram a ser feitos. No píer do bairro Grande Vitória, na região da Grande São Pedro, um pescador compartilhou imagens dos cartazes empunhados por seus filhos, com os dizeres: “SOS Socorro Precisamos comer, pesca não é diversão, é trabalho”. “Temos família para sustentar dependemos da pesca queremos trabalhar”. “Pescador não é bandido”.
Protestos semelhantes já foram realizados desde 2017, quando uma lei municipal criada pelo vereador Luiz Emanuel (sem partido) foi promulgada pelo então prefeito Luciano Rezende (Cidadania), proibindo a pesca artesanal em toda a cidade, até a distância de uma milha da costa. Os pescadores vêm denunciando a criminalização de sua profissão, que é tradicional na capital e sustenta um dos principais elementos da identidade cultural do Estado, que é a moqueca capixaba. A situação, no entanto, se mantém inalterada há seis anos.
O ápice da criminalização aconteceu no último dia seis de junho, com uma grande operação conjunta de fiscalização realizada pela Prefeitura de Vitória, Polícias Federal e Ambiental e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), tendo como justificativa outra normativa de proibição, promulgada pelo Ibama antes da lei municipal. Na ocasião, redes e outros materiais de trabalho foram apreendidos, além da notificação de multas de mais de R$ 1,7 mil contra sete camaroeiros que estavam no seu principal pesqueiro de camarão, nas imediações do Porto de Tubarão, localizado no complexo porto-minero-siderúrgico onde estão instaladas a Vale e a ArcelorMittal.
Desde então, os pescadores se reuniram com os órgãos envolvidos e denunciaram com mais ênfase a injustiça dentro do plenário da Câmara de Vereadores, onde houve tumulto e discussões com o autor da lei. Nesse dia, o presidente da Casa, Leandro Piquet (Republicanos) a se reunir com uma comitiva de pescadores e outros vereadores para iniciar tratativas voltadas ao ajuste da lei municipal de proibição.
Uma nova reunião está marcada para esta segunda-feira (19), onde órgãos de justiça e parlamentares federais também se somarão. Entre os que já confirmaram presença, estão representantes do Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Defensoria Pública, Ministério Público e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), além da vereadora Karla Coser (PT) e o deputado federal Helder Salomão (PT).
Em paralelo à reunião, os pescadores farão protestos em vários píeres da região metropolitana, semelhantes ao deste sábado. “Para não prejudicar os trabalhadores nas ruas, vamos protestar no mar. De ponta a ponta, na Ilha das Caieiras, São Pedro, Porto de Santana, Carapebus, Bicanga, Manguinhos, Nova Almeida … Vamos colocar os cartazes nos nossos barcos, que estão parados desde o dia seis”, informa Lambisgoia.
O objetivo, reforça é elaborar, junto com os órgãos, pesquisadores e parlamentares, as adequações das normativas municipal e federal de proibição, necessárias para retirar a pesca artesanal da situação de ilegalidade a que foi lançada, sem qualquer diálogo prévio com os próprios pescadores, respeitando, concomitantemente, a proteção ambiental e a Área de Proteção Ambiental (APA) Baía das Tartarugas.
“Tem pescador com seis filhos, com mulher acamada, que o gás dele acabou ontem. E aí? Ele não pode trabalhar, vai fazer como? Pescador não tem estudo, nem para pedreiro consegue emprego. Nós que somos analfabetos, estamos perdidos”, relata o presidente do Sindpesmes.
A solução mais viável identificada até o momento é a implementação da pesca assistida, proposta pelo Comitê Estadual da Pesca (Compesca), além de adequações também na forma como tem sido feita a dragagem do canal para o Porto de Vitória, no centro da cidade. “Estão jogando a lama da dragagem em cima do nosso pesqueiro”, denuncia.
O objetivo é poder voltar a trabalhar em paz, dentro da lei, contribuindo para a cultura capixaba e a proteção ambiental. “Aparece muita mortalidade de tartaruga, sim, a gente sabe, mas nenhum pescador quer matar tartaruga. Por isso tem que autorizar a pesca assistida. O pescador tem que entender que tem que trabalhar de forma diferentes e os órgãos têm que explicar para a gente como eles querem, é obrigação deles fazer isso”.