Coordenador do Centro Tamar no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Câmara Técnica de Biodiversidade do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) – acordo que criou a Fundação Renova e seus 42 programas de compensação e reparação socioambiental – o oceanógrafo Joca Thomé reafirma, passados três anos do maior crime socioambiental do Brasil, sobre a necessidade de legislação e atuação dos órgãos de Saúde e Vigilância Sanitária com relação aos impactos da contaminação das águas e pescados com os metais existentes nos rejeitos de mineração que vazaram da Barragem de Fundão, de propriedade da Samarco/Vale-BHP, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015.
“Não há legislação que atue sobre essa quantidade de metais lançados nas águas!”, diz, referindo-se a metais com ferro, cobre, zinco, manganês e alumínio, que não são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, por isso, os órgãos “ficam de mãos atadas, sem saber o que dizer”.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 42, de 29 de Agosto de 2013, determina os valores máximos para chumbo, mercúrio, cádmium e arsênio. Para os demais, ainda não há parâmetros no Brasil.
“Esse é o fato, por isso a sociedade continua sem as informações que gostaria de ter e os órgãos públicos de saúde e Vigilância sem condições de afirmar, porque não há legislação que atue sobre essa quantidade de metais lançados nas águas”, explica.
À falta de legislação e atuação dos órgãos responsáveis, se soma a grande oscilação de localização e concentração dos contaminantes, em função das chuvas e das frentes, que revolvem os sedimentos. “Ninguém tem muita certeza das afirmações que a sociedade demanda”, observa.
Licenciamento
Ainda no campo da regulamentação legal, o coordenador do Projeto Tamar/ICMBio ressalta ainda a importância de licenciamentos ambientais mais rigorosos. “Quando se solicita às empresas planos de contingência, planos de risco, é porque de fato há risco nas atividades industriais de grande porte, e esses não podem ser desconsiderados”, assevera.
“Nunca se imaginou que o rompimento de uma barragem de mineração a 600 km da costa fosse causar o estrago que causou no mar. E hoje isso parece bastante obvio. É preciso que a sociedade dê valor aos licenciamentos e não enxergue apenas como uma burocracia a ser vencida”, consigna.
A observação do oceanógrafo lança luz sobre o atual licenciamento ambiental da Cava Alegria Sul, localizada no Complexo de Germano, em Mariana/MG, cuja aprovação irá autorizar a Samarco a retomar suas operações industriais em Anchieta, no sul do Espírito Santo.
Segundo divulgado pela própria empresa nesta segunda-feira (5), Alegria Sul é uma cava resultante de lavra e tem capacidade de receber 16 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração e estimativa de vida útil de vinte anos. Ela vai trabalhar basicamente com dois sistemas: filtragem de rejeito arenoso (que vai tratar 80% do material) e adensamento de lama (tratando os 20% restantes). O licenciamento deve levar dez meses para ser concluído, faltando ainda o sistema operacional corretivo.
Seriam essas, de fato, as melhores tecnologias para o tratamento de rejeitos de mineração? Qual a garantia de que a Alegria Sul não pode resultar em mais uma tragédia socioambiental? Perguntas que ainda não foram respondidas a contento nem pela empresa, nem pelos órgãos ambientais.
Inominável
O coordenador de Biodiversidade do TTAC lista muitas outras questões em aberto, acumuladas nesses três anos: Quais os riscos futuros a que ainda estão sujeitas as comunidades, no caso de uma enchente? Quais os reais impactos que o contato prolongado com a água e o consumo continuado do pescado podem causar à saúde? Quanto tempo será necessário para que o rio seja considerado minimamente recuperado? Quais consequências do escurecimento do mar ao longo de todo o litoral capixaba?
“Ninguém sabe o que pode vir de fato com novas enchentes, com descida de sedimento, não se tem muita ideia ainda do que está no leito do rio, do que está sendo levantado e nem quanto foi pro mar”, aquiesce.
O que se observa no mar, aduz, é um aumento do sedimento ao longo da costa toda. “O mar não tem mais a transparência que tinha, consequentemente, há possibilidade de diminuição de produtividade primária, que depende da penetração da luz do sol no mar pra que as algas façam a fotossíntese e iniciem a cadeia alimentar dos oceanos. Mas os efeitos vão demorar a ser constatados e caracterizados”, diz.
A chamada “pluma” contaminante já se estende, no mar, por centenas de quilômetros ao sul e ao norte da Foz do Rio Doce, tendo chegado aos Abrolhos, na Bahia, e o norte do Rio de Janeiro, impactando ambientes diversos, como áreas arenosas, rochosas, de corais e berçários. “Realmente é algo sem proporção, único no mundo, portanto sem uma denominação correta pro que aconteceu”, diz, elencando mais uma dezenas de possíveis nomes para o ocorrido há três anos em Mariana: evento, episódio, crime, desastre, tragédia, acidente, lama, pluma.
Quanto à contaminação do pescado, Joca traz boas notícias. Na última reunião com pesquisadores no GT da pesca, foram mostrados dados muito melhores, com todos os índices abaixo da legislação. “Os outros também diminuíram consideravelmente, estando a traços nas amostras, com exceção de cádmio, que por algum motivo tem se mostrado elevado, com sobe e desce”. E o trabalho da Rede Rio Mar, reunindo universidades de vários estados, tende a fornecer mais informações para se entender e intervir no ambiente de forma precisa.
Desestruturação social
Além do problema ambiental em si, que é seu recorte de atuação profissional, Joca salienta que o grande legado da tragédia é a desestruturação da sociedade das áreas atingidas. “Tanto no aspecto econômico quanto cultural e de lazer, gerando muitos conflitos entre e intra comunidades, uma verdadeira quebra da coesão social”.
Agora como novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Governança, assinado em junho último, prossegue, as comunidades estão se organizando em territórios e grupos locais, o que vai gerar um novo momento, uma nova discussão. “Teremos mais alguns bons anos pela frente de busca por novos caminhos, de nova realidade e, também, das incertezas ambientais, tendo em vista a possibilidade de enchentes, que pode carrear grande quantidade de sedimentos de novo. Temos muitas dúvidas para o futuro, muitas dúvidas”, reitera.