Sindicato critica privatização do saneamento no Estado pelo governo do Estado
O Tribunal de Contas do Estado (TCES) autorizou a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) a seguir com a licitação bilionária para Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de esgotamento sanitário. A decisão é considerada uma ameaça ao meio ambiente e à qualidade, cobertura e acessibilidade do serviço pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sindaema-ES), que critica a falta de transparência no processo e questiona a necessidade de recorrer à iniciativa privada. “Não havia qualquer necessidade de entregar esses serviços a uma PPP. A Cesan tinha totais condições de renovar os contratos e continuar garantindo o atendimento à população, sem envolver empresas privadas, que priorizam o lucro”, pontuou a diretora da entidade, Wanusa Santos.
O Tribunal aprovou a continuidade da licitação, condicionada à realização de ajustes no edital e no processo de fiscalização. A parceria prevê investimentos de R$ 6,78 bilhões ao longo de 30 anos, divididos em dois lotes que englobam 43 municípios. O primeiro, avaliado em R$ 4,91 bilhões, abrange os municípios da Grande Vitória onde ainda não funciona o regime de PPPs e outros na região norte. Já o segundo, de R$ 1,87 bilhão, se concentra em localidades menores do interior. O modelo de concessão administrativa permite que a Cesan mantenha o controle tarifário, mas delega à iniciativa privada as operações, manutenções e ampliações do sistema de esgotamento sanitário.
O Sindaema critica que a Cesan entrega sistemas prontos, financiados com dinheiro público, para empresas privadas, e aponta que o governo estadual realizou investimentos substanciais, incluindo obras financiadas pelo Banco Mundial, para universalizar o esgotamento sanitário em municípios como Castelo e Apiacá, no sul do Estado; Divino São Lourenço, na região do Caparaó; e Conceição de Castelo, na região serrana.
Wanusa questiona por que o governo estadual investiu em obras financiadas por recursos públicos e internacionais apenas para entregá-las à iniciativa privada, que agora lucrará com operação e manutenção. “Nos parece um grande negócio que o governo fez para beneficiar iniciativas privadas. O esgoto foi universalizado em grande parte dos municípios, e agora com a PPP, a iniciativa privada vai ganhar esse contrato milionário para fazer basicamente a operação e manutenção de sistema de esgoto. A Cesan endividou o Estado e agora a iniciativa privada vai receber pelo menos 14 sistemas já prontos para operar”, ressalta.
Ela também destacou a ausência de diálogo com a sociedade. “Não houve um debate amplo com as comunidades e trabalhadores diretamente impactados por essa decisão”, destacou. Outro ponto levantado pelo sindicato é o risco de elevação de tarifas e piora no serviço. “Em estados como o Rio de Janeiro, onde ocorreram concessões plenas, a tarifa disparou, prejudicando diretamente os consumidores. Em Cachoeiro de Itapemirim [sul do Estado], sob a gestão da BRK Ambiental, a tarifa é quase o dobro da praticada pela Cesan”, observa.
Além disso, a falta de investimentos em modernização dos sistemas de tratamento de esgoto pode resultar em prejuízos irreparáveis ao meio ambiente, alerta a diretora da entidade. “Em locais onde o esgoto é despejado, muitas vezes em áreas de preservação ambiental, o tratamento inadequado gera efluentes com parâmetros que não atendem aos requisitos, como a remoção de coliformes fecais e de matéria orgânica (DBO). Isso acontece quando os sistemas não são modernizados e acabam ficando cada vez mais deficitários”, explicou.
O Sindaema defende que o Estado deveria fortalecer as companhias estaduais, que possuem um compromisso maior com o social e com a universalização do serviço, algo que não é prioridade para empresas privadas. “O governador Renato Casagrande insiste em falar que é um exemplo de defesa do meio ambiente, mas o que temos visto não é isso. Estamos acompanhando outros projetos que demonstram destruição e, com a entrega do tratamento de esgoto em grande parte do Espírito Santo, o cenário ambiental só tende a piorar”, afirmou a liderança sindical.
Marcos legais
A decisão da Cesan está alinhada às diretrizes do novo marco regulatório do saneamento básico, instituído pela Lei 14.026/2020, que incentiva a busca por parcerias com a iniciativa privada. Desde o Governo Temer, em 2016, o governo federal vem tentando alterar o marco regulatório do saneamento no Brasil. O primeiro foi instituído em 2007, por meio da Lei 11.445/07, que estabeleceu metas de universalização e financiamentos para o saneamento público, um avanço significativo, considerando que anteriormente essa responsabilidade recaía apenas sobre os estados, que frequentemente não possuíam recursos suficientes para investir no setor.
Em 2016, o governo Temer tentou modificar esse marco regulatório, com o objetivo de facilitar ainda mais a entrada da iniciativa privada no setor. Apesar de a tentativa não ter sido concretizada à época, em 2020, a Lei 14.026 foi sancionada, alterando significativamente as diretrizes. Wanusa destaca que o marco regulatório de 2020 priorizou a privatização em detrimento da universalização. Essa legislação determinou que as concessões de saneamento, cuja titularidade pertence aos municípios, deveriam ser renovadas com companhias estaduais ou licitadas para a iniciativa privada.
No cenário nacional, outros estados já adotaram modelos de privatização. Em Alagoas, no Nordeste, foi feita a concessão plena, enquanto em Santa Catarina e Paraná, no Sul, o modelo de PPP foi adotado. O modelo de concessão plena, que retira totalmente o controle estatal sobre tarifas e serviços, ocorreu com a Sabesp, em São Paulo, no Sudeste, e a Corsan, no Rio Grande do Sul.
Na Grande Vitória, onde o esgotamento é operado em modelo de Parceria Público-Privada pela empresa Águas de Teresina Saneamento (AEGEA) nos municípios de Serra, Vila Velha e Cariacica, uma auditoria realizada neste ano pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) identificou problemas no tratamento de água e esgoto, além de falta de fiscalização e medidas para conectar imóveis à rede de esgoto.
A Serra apresenta 18,8 mil unidades nessa situação, enquanto Cariacica registra 12 mil, e Vitória aparece com 8,7 mil. Outros municípios da região também enfrentam desafios semelhantes, como Guarapari (3,1 mil), Vila Velha (4,7 mil), Viana (3,1 mil) e Fundão (621). Entre as unidades notificadas e não conectadas à rede, a Serra lidera com mais de mil casos, seguida por Cariacica, com 1,5 mil, e Viana, com 1 mil. Vitória, Guarapari e outros municípios não informaram os números exatos desse grupo específico.