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‘Não podemos ser um Estado privatizado, onde empresas definem quem pode ir e vir’

Iriny Lopes cobra resposta do governo e ministérios públicos sobre violência cometida contra quilombolas pela Suzano

Ellen Campanharo/Ales

Completa um mês neste sábado (9) o tempo passado desde o episódio de violência cometido por empregados da empresa de segurança que atende à Suzano Papel e Celulose, a Prosevig, contra moradores do Angelim II, em Conceição da Barra, localizado dentro do território quilombola tradicional do Sapê do Norte, que se estende também por parte do município de São Mateus, no norte do Estado.

O fato foi denunciado, dias depois, pela comunidade e pela deputada Iriny Lopes (PT) ao Ministério Público Federal (MPF/ES), às Defensorias Públicas da União e do Estado (DPU e DPES), ao Conselho Estadual, ao Movimento Nacional e à Secretaria Estadual de Direitos Humanos (CEDH, MNDH/ES e SEDH).

Oralmente, a comunidade também relatou o ocorrido na reunião mensal da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenada pela SEDH da secretária Nara Borgo, bem como discutiu o assunto em uma reunião realizada por moradores com funcionários da Suzano e da empresa de consultoria Equilibrium, terceirizada da papeleira com sede em São Paulo.

Até agora, nenhuma das entidades de governo e de Justiça retornou à parlamentar ou à comunidade sobre providências a serem tomadas contra a violência empresarial.

“Exigimos investigação rigorosa”, bradou Iriny nesta semana na Assembleia Legislativa. “O Espírito Santo é sempre marcado pela violência, pela intolerância contra negros, negras, pobres e mulheres. Nós temos que acabar com isso!”, repudiou no Plenário.

A deputada declarou ainda que “nós temos que ser outro tipo de Estado”. Apontando o excesso de poder político de que goza a multinacional papeleira (ex-Fibria e Aracruz Celulose), bem como suas terceirizadas, no norte do Estado, afirmou que “não podemos ser um estado privatizado, onde empresas, seja qual for, possam determinar quem pode ir e vir, desrespeitando as terras e os direitos dos quilombolas”.

Sem o respeito aos direitos fundamentais dos povos tradicionais que habitam o Espírito Santo, afirmou, não é possível evoluir politicamente. “Não é assim que a gente constrói a democracia”, rogou.

Avanço do deserto verde

O episódio de violência ocorrido em 9 de junho se deu no Núcleo Zé Ferino do Angelim 2. Segundo relato de Élio Nascimento, o “Xoxo”, funcionários da Suzano e de sua empresa de segurança patrimonial, a Prosevig, do Grupo SBS, com sede na Bahia, invadiram o território da comunidade para chegar a uma área do outro lado do Zé Ferino para expandir os plantios de eucaliptos.

Um vídeo registra parte do episódio, protagonizado pelo funcionário identificado como Rafael. “Depois de ameaçar passar por cima com o trator, agrediu o nosso companheiro Valdereido Frederico, com empurrão e imprensando nas grades do trator da empresa, onde os quilombolas gritaram o nome do funcionário Rafael que estava o agredindo. O que dizer dessa situação? como diz o ditado: a empresa Suzano quer plantar até por cima de nosso cadáver?”, denunciaram os quilombolas. O mesmo funcionário, apontam, deu ordens para que os tratores avançassem e para que os funcionários da Prosevig, aparentemente armados e com coletes à prova de bola, assegurassem que os quilombolas não impedissem o trabalho das máquinas.

Reprodução

“A gente calcula que a área que ela pegou tem uns 190 hectares, que foi uma área invadida em 2020”, contou “Xoxo” na ocasião, referindo-se a um processo amplamente denunciado pelos quilombolas aos órgãos de Justiça. 

No início da pandemia, grupos externos à luta quilombola tradicional invadiram o território e passaram a vender lotes para pessoas físicas e também via associações apócrifas criadas com esse fim. Segundo cálculos da Defensoria Pública do Estado (DPES), essas ocupações irregulares chegaram a atingir 80% do território de algumas comunidades.

Retiradas do local por força judicial, as áreas deveriam ser reintegradas ao território quilombola já certificado pela Fundação Palmares há 15 anos e aguardando tramitação administrativa dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para finalização do processo de titulação. Inclusive, há uma decisão judicial favorável aos quilombolas de outubro passado, determinando a titulação quilombola das áreas obtidas ilegalmente pela então Aracruz Celulose, ex-Fibria e atual Suzano

No entanto, a terra continua sob posse da multinacional, que replantou, em cinco dias, segundo puderam observar os quilombolas, de 8 a 12 de junho, os cerca de 80 hectares que haviam sido arrancados pelos invasores.

“A gente explicou que, como a área é nossa e a Justiça já deu sentença favorável, a empresa não deveria mais plantar, porque quando sair a decisão final, vai ter que tirar tudo ou pedir para esperar sete anos ou mais, até o eucalipto madurar. Mas ela nunca faz nada pela gente. Plantou tudo de novo”, lamenta “Xoxo”.

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