Reunindo famílias com produção agroecológica em distritos como Pratinha, Córrego da Prata e Córrego Boa Vista, a Esperança Viva é a única associação a reunir propriedades certificadas no município, localizado no noroeste do Estado, a região mais árida do Espírito Santo.
São os associados da Esperança Viva que mantém, há quatro anos, a feira orgânica da cidade, toda terça-feira à tarde, na praça central. Frutas, hortaliças, raízes, milho, feijão. Além das tradicionais laranja, mexerica, jaca, manga, goiaba e acerola, a associação investe também em frutas mais sazonais, como jambo e pitaia.
Atualmente, a feira é o principal ponto de comercialização da associação, depois da suspensão do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em 2015, pelo governo federal. Com as novas regras e limitações impostas, ficou inviável a continuidade do fornecimento.
O Programa Nacional de Alimentar Escolar (PNAE) ainda se sustenta, por meio de uma única família, e deve integrar mais associados em 2018. “Estamos nos articulando pra trabalhar coletivamente o PNAE em 2018. A partir da experiência dessa família, acredito que todas vão participar. Agroecologia é prioridade no PNAE”, anuncia Maria Dijanir Carpanedo, a Deja, uma das fundadoras da Associação.
A inclusão da Esperança Viva no projeto da APTA se dá pela necessidade extrema de assistência técnica porque passa a associação. “Faz muita falta o técnico. O agricultor faz, mas sempre precisa de alguém que busque informação, ajuda, passa a informação, acompanha os trabalhos, pra gente errar menos. Porque na agricultura a gente erra muito. Quando tem erro de fazer a poda de uma planta, por exemplo, pode ter problema por um ano, perder uma safra inteira”, explica Deja.
Sem recursos para manutenção de um técnico agrícola e de transporte para visitar as comunidades, a APTA está deixando muitos “filhos órfãos” no norte do Estado. “A APTA é aquela que deu suporte pra que o trabalho chegasse ao que chegou”, testemunha Deja.
“Eles estão se sentindo sozinhos na luta pela agroecologia e pedem que a gente não se afaste. Por isso, a importância da campanha, para conseguirmos manter esse trabalho”, explica Flavia dos Santos, da APTA.
Convivência com a seca
Uma frente de atuação fundamental da Esperança Viva na região é a convivência com a seca. É preciso produzir água e, para isso, contar com a união de toda a comunidade. “Produzir água não é fácil. Depende de toda a comunidade, mas a gente é uma semente, e trabalhamos com as plantas nativas nas áreas de nascente”, conta Deja.
Já são praticamente quatro anos de seca e muito empenho pra tornar mais verde a paisagem, onde predominam pastos, grandes lavouras de café e pimenta-do-reino e eucaliptais. “Produção de comida, mesmo, não tem muito investimento nas famílias. As famílias que mais produz alimento são às ligadas à agroecologia e agricultura familiar em geral. Mas, mesmo agricultura familiar, já descambou pra pimenta e café, e ainda tem bastante gado”, descreve.
Inúmeros mutirões e a insistência em replantar as mudas, que morrem, por ausência de irrigação, mesmo plantadas na beira da represa. A chuva que abriu o novembro de 2017 acendeu uma esperança e uma sensação de recompensa por tanto esforço coletivo.
“Desde quinta-feira passada [2] começou a chover. Mudou tudo. Tudo começou a ficar verde, o pasto, as plantas que estavam murchas, o próprio clima muda, o comportamento das plantas, a horta. Estava tudo murcho, mas choveu e já tá tudo mais ‘tratado’”, narra a agricultora.
Entre os sonhos dos camponeses da Associação Esperança Viva, está a chegada de mais companheiros, a tomada de consciência e a expansão da agroecologia na região. “Hoje, se a gente pudesse ter alguma coisa que incentivasse mais as famílias, muita gente migrava”, diz, quase em oração.
Saúde que vem da terra
Os tempos estão difíceis, conta Deja, “uma temporada de muita doença, mulheres sofrendo de câncer aqui, 'tá' um horror. A gente atribui aos venenos”, pondera. “O que você come é resultado do que está no solo. Se o solo não está enriquecido, com magnésio, ferro, se ele está falho, a sua alimentação está falha também, e ainda você pode estar ingerindo veneno”, explica. “Então seria muito importante se a APTA conseguisse ter um recurso pra manter o trabalho de assessoria, pra gente não se perder na história”, argumenta.
E é preciso mesmo muito apoio pra vencer a cultura predominante e o uso indiscriminado de todo tipo de “cida”. Em Boa Esperança, assim como em todo o país, o roundup é o triste campeão de vendas. “A maioria do pessoal aqui usa o veneno roundup pra matar mato. Mas a gente convive com o mato sem esse veneno. A gente produz frutas, café, sem nada sintético, aproveita o que tem na propriedade, urina, esterco orgânico…”, diz.
O herbicida mais vendido no país, que é campeão mundial de consumo de agrotóxicos, tomou um xeque-mate na Europa há cerca de um mês, quando o Parlamento Europeu pediu a eliminação progressiva do uso do glifosato, princípio ativo do garoto-propaganda número um da multinacional Monsanto. A solicitação é de que o produto, altamente carcinogênico, seja banido do território europeu até 2022.
“O pessoal hoje é inimigo do mato. E o mato é nosso aliado”, exclama. “Atacam os insetos de qualquer forma, mas nunca vão matar os insetos, eles são milhares e milhares, não tem como! Tem que conviver com eles, fazer as práticas agroecológicas dentro da propriedade, para conviver com os animais e as plantas, para diminuir as crises de doenças, de seca”, ensina.
Para colaborar com o trabalho da APTA com os camponeses, quilombolas e assentados da Reforma Agrária em quatro comunidades do norte do Estado, acesse o link da campanha no Catarse.