Água amarela e grudenta
Algumas das comunidades que vivem essa triste realidade fora representadas no Seminário por suas lideranças, como a pescadora Silvia Lafaiete Pires, da Associação de Moradores, Pescadores, Agricultores e Marisqueiros da Comunidade São Miguel da Ilha Preta (Ampape), em São Mateus (norte do Estado), e as quilombolas Neuza Santos, da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Rurais do Córrego da Angélica (AQPCA), e Joice Nascimento Cassiano da Retomada do Linharinho.
“A água é dessa cor aqui”, aponta Silvia para uma marca de tinta bem amarela em um papel de anotações. “Gruda na pele, parece um óleo”, complementa Neuza. “Às vezes até a água da prefeitura vem ruim, vem salobra”, conta a pescadora de São Mateus.
“Nas Retomas, nem carro-pipa chega”, diz Joice, que protesta contra as parcas e precárias ofertas de emprego com que a Petrobras procura cooptar as comunidades quilombolas. “Levam duas, quatro vagas de emprego pro quilombola cavar buraco e carregar cano pra irrigação, sendo que não tem água pra irrigar”, indigna-se.
“Isso tá matando a gente há muito tempo”, denuncia Silvia. “Mas enquanto eu viver, eu vou lutar”, afirma a liderança dos pescadores e catadores de São Miguel, onde, além dos históricos impactos da indústria petroleira, somou-se a invasão da lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015.
Dois anos após o crime socioambiental – o maior da história do Brasil e o maior da mineração mundial – nenhum dos atingidos em São Mateus receberam qualquer medida de compensação por parte das empresas criminosas.
Jeanine Oliveira, membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e do Fórum Nacional da Sociedade Civil (Fonasc), em Minas Gerais, lembrou, em sua fala no Seminário, que, uma semana antes da deflagração do crime, a imprensa e a sociedade foi alertada sobre os riscos, visto que já se sabia que a barragem já estava operando acima de sua capacidade.
“E a Samarco era considerada a melhor empresa de mineração do País”, disse Jeanine, anunciando ainda a ameaça que paira sobre o Rio Paraopeba – e à bacia hidrográfica do São Francisco – devido a uma barragem de mineração em Congonhas, com o dobro do volume de rejeitos da de Fundão, está prestes a romper.
Globalizar as lutas locais
A holandesa Ike Teuling, coordenadora da Campanha de Energia da ONG internacional Amigos da Terra, chamou atenção, em sua palestra, para a importância crucial da divulgação de informações, das investigações jornalísticas e da união dos ativistas, para a construção de uma “civilização pós-petroleira”, como define a educadora Daniela Meireles, da Fase.
Centrando suas ações de articulação comunitária na também holandesa Shell, a Amigos da Terra denuncia: a petroleira está presente em 70 países, onde mantém 92 mil empregos e produz quatro milhões de barris de petróleo por dia. É responsável por 1,7% do CO2 lançado no mundo, volume maior que todas as atividades econômicas brasileiras juntas. Com isso, lucrou US$ 4 bilhões em 2016. No mesmo ano, investiu US$ 3,6 bilhões na busca de novos poços de petróleo e apenas US$ 200 milhões em energias renováveis.
Arthur Walber Viana, da Amigos da Terra Brasil, ressaltou a estratégia da ong, de “globalizar as lutas sociais”. “Como a Shell age, é como a BHP Billiton age, como a Petrobras, age”, disse. “Articulação é uma palavra-chave pra nós”, destacou Arthur.
De fato, diante de tanta opressão, da violência institucionalizada pela cultura petroleira, a união dos impactados, de todos os cantos do país e do mundo é uma questão de sobrevivência. “Eu me solidarizo com vocês”, declarou a pernambucana do Cabo Santo Agostinho. “E volto mais fortalecida”, agradeceu.
Serviço:
Para saber mais sobre a luta antipetroleira, acesse a página da Campanha Nem Um Poço a Mais.