Proposta rejeitada por mais de 70 entidades e lideranças recebeu 23 votos favoráveis e apenas quatro contrários
Os contrários foram Camila Valadão (Psol), Iriny Lopes (PT), Fabrício Gandini (PSD) e João Coser (PT). Danilo Bahiense e Zé Preto (ambos do PL) não estavam presentes. Marcelo Santos (Podemos) se absteve, por ser o presidente da Assembleia Legislativa, mas ele é um dos principais defensores da proposta e responsável pela articulação do projeto junto ao governo estadual e ao empresariado.
A proposta, protocolada no dia 27 de novembro último pelo Governo do Estado e tramitada em regime de urgência, é criticada pelos servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e por mais de 70 entidades e lideranças políticas, de movimentos sociais e ligadas à preservação ambiental e defesa do patrimônio natural. Representantes das organizações estiveram presentes na Assembleia durante a votação, com cartazes de protesto.
Classificando o projeto como “PL da Destruição Ambiental”, um manifesto elaborado pelo Sindicato dos Servidores e Trabalhadores do Estado (Sindipúblicos) elenca quatro motivos principais de contrariedade com a proposta: falta de transparência e participação popular; exclusão da participação e do controle social; ataque à autonomia do Iema enquanto autoridade ambiental; e insegurança e ameaça aos povos tradicionais do Espírito Santo.
Entretanto, as mudanças são uma demanda da classe empresarial. Nessa sexta-feira (8), 30 representantes de entidades industriais e empresariais – incluindo a Federação das Indústrias (Findes) e a ONG ES em Ação –, além de cooperativas, se reuniram com Marcelo Santos e reivindicaram a inclusão do projeto na pauta desta segunda.
Foram apresentadas nove emendas ao projeto original, mas, em seu relatório, o deputado Mazinho acatou apenas duas. Uma delas foi apresentada pelo deputado Lucas Polese (PL), que centra fogo no artigo 6º do projeto, de modo a autorizar o licenciamento independente de certidões de uso e parcelamento do solo pelos municípios ou de outorgas pelo Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).
A outra emenda aprovada foi a de Marcelo Santos, para incluir Jetom para servidores do Iema responsáveis por pareceres técnicos. “Estamos chocados, porque já somos pagos pelo nosso trabalho. Não temos interesse em receber Jetom, e sim que o Estado estude a possibilidade de remuneração variável por produtividade”, comenta um servidor da autarquia que prefere não se identificar, por medo de represálias.
Entre as emendas rejeitadas estão duas da deputada Iriny Lopes (PT). Em uma delas, propôs alterações na redação dos artigos 2º e 4º, para restabelecer a competência do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) para acompanhamento das políticas de meio ambiente; e a necessidade de, pelo menos, uma audiência pública em formato presencial nos casos de licenciamento envolvendo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima).
Em uma segunda emenda, solicitou a supressão de dispositivos de 14 artigos, visando a “eliminação de itens problemáticos que violam as boas práticas da política ambiental”. Ela ataca também a proposta de criação dos novos conselhos, que, em sua visão, “entra em choque com as competências do Conselho Estadual de Meio Ambiente, com o agravante de não prever nenhuma participação da sociedade civil”. O texto ainda classifica como “escárnio” a proposta de criação de Jetom (remuneração) para autoridades que possuem salários expressivos participarem de conselhos, haja vista o não atendimento a diversos pleitos dos servidores de carreira.
Servidores sob ataque
Os servidores do Iema presentes foram atacados verbalmente por alguns deputados defensores do projeto do Governo do Estado. Durante a discussão da matéria, Lucas Polese defendeu que a proposta é de interesse do setor produtivo do Estado e criticou a presença dos representantes da autarquia na sessão.”Se essa turma estivesse trabalhando para honrar seu salário de 10 mil reais a gente não seria obrigado a reformar a legislação”, disse ele.
Já Callegari afirmou que aquele era um “dia feliz” e atacou a própria existência do Iema. “Sinceramente, Iema, para mim, pode até fechar! Meu lema de campanha era mais Incaper e menos Iema. Quem realmente protege o meio ambiente é o pequeno agricultor”, disparou.
Iriny Lopes, por sua vez, defendeu que os servidores estavam “legitimamente representando as suas categorias” e atacou a proposta do Governo do Estado. “Esse projeto é lamentável. Com o tempo, trará fraturas para o Espírito Santo, talvez incontornáveis”, alertou.
João Coser também classificou como “autoritária” a forma como o projeto foi apresentado, sem debate com a sociedade e sem audiências públicas realizadas na própria Assembleia, e Camila Valadão criticou o governador Renato Casagrande: “Muitos dos que estão nas tribunas lutaram para reeleger o governador, mas não acatam esse projeto.
Por fim, Marcelo Santos defendeu que o PLC propõe mudança de “processos”, não de “critérios”, e também criticou o que classificou como burocracia do Iema no licenciamento.
O projeto
O Projeto de Lei Complementar 56/2023 foi trabalhado nos últimos dois anos pelo deputado Marcelo Santos junto ao Governo do Estado, de acordo com o relator, Mazinho dos Anjos. O quadro técnico e administrativo do Iema, entretanto, foi pego de surpresa.
O PLC prevê a diminuição do tempo de análise do licenciamento ambiental, ao abolir ritos legais. No caso de algumas modalidades criadas, como o Licenciamento por Adesão e Compromisso e a Licença Ambiental Simplificada, o próprio empreendedor se encarregará de descrever os impactos ambientais do procedimento.
A proposta prevê ainda a criação da Comissão de Análise de Projetos Prioritários de Licenciamento Ambiental (CAPPLA), responsável por identificar e “dar tratamento prioritário e especial a determinados projetos que pretendam se instalar no Estado”. Também seria formado o Conselho de Gestão Ambiental, de caráter deliberativo e normativo, composto por “todas as autoridades licenciadoras e de gestão dos recursos hídricos”. Para os servidores do Iema, esses novos conselhos poderão suplantar a análise técnica do órgão.
Na mensagem que acompanha o projeto de lei complementar, o governador Renato Casagrande (PSB) alega que o intuito é “racionalizar o procedimento de licenciamento no Espírito Santo, de modo a reduzir custos de transação e atrair eficiência nas análises dos pedidos de licenciamento”, para “incorporar à realidade licenciadora capixaba as melhores práticas nacionais e internacionais relativas ao tema”.