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O capixaba consome milho orgânico contaminado com proteínas transgênicas?

Estudo busca suprir falta de fiscalização. No Brasil, cerca de 85% da área cultivada com milho é transgênica

José Arcanjo Nunes

O consumidor capixaba está se alimentando de milho orgânico contaminado com proteínas transgênicas? Denúncias e análises esparsas indicam que sim. Estimativas nacionais sobre o avanço das lavouras transgênicas reforçam o temor. Mas qual o tamanho dessa contaminação e do desrespeito ao direito do consumidor no Espírito Santo? Quais as áreas mais críticas? Quais as proteínas transgênicas mais comuns? Como impedir essa contaminação? Como garantir a proteção dos cultivos orgânicos?

Feitas há anos no Estado por agricultores, consumidores e pesquisadores, essas e outras perguntas devem começar a ser respondidas a partir de um estudo piloto conduzido pela Comissão de Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos à Saúde de Meio Ambiente do Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat), em parceria com a Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg), o Conselho do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, presidido pelo Procon, e o campus de Santa Teresa do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), que cede seu Laboratório de Sementes para as análises.


“O direito do consumidor não pode ser ferido, ele tem direito à informação correta”, ressalta o engenheiro agrônomo e professor do Ifes Lusinério Prezotti, membro da Comissão do Fesciat, proponente e coordenador da iniciativa. O pesquisador explica que o estudo parte do pressuposto de que a legislação da produção orgânica proíbe a presença de proteínas transgênicas em produtos in natura e processados e que a fiscalização sobre contaminações, considerando a chamada Norma de Coexistência, é negligenciada no Estado.
A Norma foi instituída por meio da Resolução Normativa nº 4, publicada em 2007 pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância responsável por deliberar sobre a aprovação de pedidos de registro de comercialização de culturas transgênicas no território nacional. O motivo é que a Lei de Biossegurança (nº 11.105/2005), que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) no Brasil, não estabelecia claramente regras para proteção dos cultivos orgânicos.
Assim, por pressão de produtores orgânicos, a Resolução estabelece, no seu Art. 2º, que a distância entre uma lavoura comercial de milho geneticamente modificado e outra de milho não geneticamente modificado, localizada em área vizinha, deve ser igual ou superior a cem metros. Ou, alternativamente, de vinte metros, desde que acrescida de bordadura com, no mínimo, dez fileiras de plantas de milho convencional de porte e ciclo vegetativo similar ao milho geneticamente modificado.
“A obediência à Norma de Coexistência não tem sido fiscalizada no Espírito Santo, bem como se desconhece, no Estado, a área plantada com milho transgênico e os eventos (tipos específicos de proteínas transgênicas) de milho transgênico comercializados”, afirma Lusinério Prezotti.
Risco é alto
Nesse cenário, ressalta, até mesmo os agricultores orgânicos desconhecem o fato de que sua semente pode estar contaminada. Assim, “é alto o risco de que, em algumas regiões do Estado, agricultores orgânicos estejam cultivando variedades de milho contaminadas e, consequentemente, consumidores estejam adquirindo milho orgânico e seus derivados com contaminação por proteínas transgênicas”.
As análises serão feitas por meio de 100 kits de testes com fitas imunocromatográficas, consideradas o mecanismo mais simples para identificar a proteína expressa por um Organismo Geneticamente Modificado [OGM]. A técnica utiliza anticorpos capazes de detectar as proteínas transgênicas. No estudo piloto, o foco são três proteínas, desenvolvidas para promover resistência ao uso intensivo do herbicida roundup (proteína CP4) e resistência a lagartas (proteínas Cry 1Ab e Cry 1F).
As coletas serão realizadas nas diferentes regiões do Estado, diretamente enviadas pelos agricultores guardiões das sementes, que possuam selo/declaração de garantia da conformidade orgânica. A intenção é, a partir dos resultados desse estudo piloto, ampliar o número de pontos de coleta, o número de amostras e os tipos de proteínas transgênicas analisadas.
“A gente não tem registro de nenhum dado sobre uso de transgenia no Estado. Existe um aparato pra legalização dessa tecnologia, mas não existe um rastreamento e controle do uso. Não há nenhuma instituição que tenha assumido a responsabilidade por fazer monitoramento semelhante”, expõe Lusinério. 
Em âmbito nacional, diz, levantamento da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) feito em 2019 indicou a existência de 16,3 milhões de hectares de milho transgênico, representando 85% da área total plantada com o cereal.
José Arcanjo Nunes

Guardiões de sementes crioulas

Uma preocupação especial, salienta, é com as sementes crioulas, também conhecidas como originárias, pois uma vez contaminadas, elas não se descontaminam mais. “Um agricultor que mantém por gerações aquela semente na sua família, pode perde-la pra sempre se um vizinho plantar uma cultura transgênica próxima ou se ele mesmo, por desconhecimento, fizer isso”, descreve.

Na região da Borborema, na Paraíba, um estudo semelhante ao pretendido por Lusinério, feito no ano passado, mostrou a grandiosidade do problema. A localidade é conhecida por suas “sementes da paixão”, por concentrar um importante grupo de guardiões de sementes crioulas que fazem um trabalho antigo, com muito amor, recebendo inclusive apoio governamental.
Na análise das amostras crioulas, no entanto, 47% delas estavam contaminadas com proteínas transgênicas! “Significa falar que metade daquelas sementes estão perdidas! E muitas vezes não se consegue buscar a mesma semente mais. É a extinção de sementes que vinham sendo cuidadas por muitos anos”, lamenta.
José Arcanjo Nunes

Controle, fiscalização, proteção

A expectativa, conta o coordenador do estudo, é que esse primeiro esforço de mapeamento posso suscitar estudos mais abrangentes e, futuramente, ações efetivas de fiscalização da legislação.

O recente avanço conquistado no controle da venda dos agrotóxicos é inspirador, relata Lusinério. Trata-se do e-Idaf (plataforma desenvolvida no âmbito do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo), que, desde dezembro passado, permite o registro eletrônico das receitas de agrotóxicos entregues nas lojas pelos agricultores, no ato da compra dos defensivos.
Com o e-Idaf, tem sido possível saber quais agrotóxicos têm sido consumidos, por quais produtores, em quais culturas e em que localidades, inclusive com coordenadas de GPS. “Do transgênico não temos essas informações, até porque a legislação atual não obriga esse registro”, compara. E a única normativa criada para disciplinar a transgenia não tem detalhamento de quais órgãos devem fiscaliza-la. “Hoje, quem tem que denunciar acaba sendo o agricultor que está sendo lesado. A gente espera que, com o resultado do trabalho, via Fórum, possamos acionar as instituições e responsabiliza-las pra que façam a fiscalização”.

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