Fase e Campanha Nem Um Poço a Mais endossam carta de Greta Thumberg em Davos pelo fim da expansão do petróleo
Depois da COP-27 em novembro no Egito, agora é na Suíça que grandes corporações poluentes colocam holofotes internacionais sobre a crise climática, por meio de um discurso mercadológico vendido como economia verde e afins. A tradicional reunião anual do Fórum Econômico Mundial, na cidade suíça de Davos, acontece esse ano entre 16 e 20 de janeiro e, impossibilitada de ignorar o tema devido à gravidade do cenário global, investe em cooptar e negociar com líderes políticos e em discursos desprovidos de compromisso prático com as mudanças necessárias na estrutura produtiva mundial.
Liderando o contraponto ao status quo, jovens ativistas ambientais irmanados com a sueca Greta Thumberg – indicada ao Prêmio Nobel da Paz de 2022, ao lado do Papa Francisco e outras personalidades – colhem assinaturas para uma carta direcionada aos executivos da indústria de combustíveis fósseis, para que cessem a expansão da exploração fóssil como medida essencial para de fato frear os efeitos do aquecimento global provocado pelo excesso de carbono liberado na atmosfera do planeta. “Este Aviso de Cessar e Desistir é para exigir que vocês parem imediatamente de abrir novos campos de extração de petróleo, gás ou carvão, e parem de barrar a transição para a energia limpa que todos nós precisamos urgentemente”, inicia a carta.
A mensagem de Greta e seus colegas “é crucial”, exatamente por tocar na redução da indústria petroleira, observa Marcelo Calazans, coordenador no Espírito Santo da Federação dos Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase/ES), umas organizações que compõe a Campanha Nem Um Poço a Mais, conduzida a mais de uma década em diversos estados, especialmente na Mata Atlântica, incluindo o Espírito Santo. “E o mundo não caminha para a redução”, denuncia.
O afrouxamento da pandemia no hemisfério norte ocidental – diferente da China, com crise sanitária e hospitalar – o inverno na Ucrânia em guerra são dois elementos que puxam o consumo e a produção para o alto, derrubando antigas restrições ecológicas e sociais, conquistadas em tempos menos turbulentos. A guerra, em si mesma, já é um elemento de incentivo ao aumento da exploração. “Talvez se não houvesse petróleo, as guerras não seriam tão devastadoras. Petróleo, óleo diesel… é o que move a guerra. Até carvão mineral volta a ser aceito em países europeus que o tinham banido”, comenta, enquanto o noticiário dava conta da repressão policial alemã contra o grupo de ativistas ao qual Greta integra, levando a própria para fora de uma mina de carvão em Luetzerath, que os jovens ocupavam, em protesto contra a retirada de uma vila para ampliar a produção.
A hipocrisia do mercado global em relação à crise climática e sua inércia letal se manifestam de forma violenta no estado do Espírito Santo, que abriga, ainda neste século XXI, um complexo petroleiro de monta, com a terceira maior produção do país, simultaneamente a um império de monocultivos de eucaliptos, inicialmente para exportação do semimelaborado de celulose e, em breve, indicam os anúncios corporativos, também bioóleo e outros futuros da economia verde.
“É um estado profundamente marcado por empresas poluentes, devastadoras, que não trazem qualidade de vida para o povo que ali vivem”, resume Marcelo. “O dinheiro gerado nisso não é distribuído. E os danos e a poluição têm seus alvos certos. É sempre um racismo ambiental. E a riqueza não é distribuída, [então] se forma um enclave No longo prazo, não será difícil que Petrobras, Chevron, façam com o setor de celulose seus acordos de soluções climáticas, tudo envolto com propaganda verde, com aval dos governos. Em um estado que se transforma nessa plataforma, é inviável um projeto sério de proteção da natureza, dos direitos humanos”.
A solução é, acredita, tem uma inspiração punk. “Há que se desconstruir esse modelo industrial exportador, construído na ditadura militar. A chegada desses grandes projetos tem o marco da violência, chega com os governadores biônicos e o estado sob intervenção. Aracruz, Vale, CST … É preciso criar mecanismos mais sólidos que as COP, com participação da sociedade civil, porque é na sociedade civil que ela vai acontecer. Não vai sair de forma protocolar, como decisões de estados e empresas. Só será possível com um horizonte históricos diferente, construído pela sociedade civil, a partir dos povos e comunidades que já defendem a natureza”.
A Campanha Nem Poço a Mais, ressalta, não visa parar o consumo de petróleo abruptamente. “Infelizmente não chegamos nesse ponto de redução radical. Estamos ainda num ponto muito primário, de não permitir [apenas] a expansão da petrodependência. Não é nada radical, é só não aumentar”.
A mensagem de Greta salienta ainda que “durante décadas, os maiores executivos de petróleo e gás enganaram o público sobre o impacto mortal dos combustíveis fósseis que hoje cozinham nosso planeta. Agora vemos inundações fatais, secas devastadoras e florestas tropicais em chamas”. E que, “nas montanhas suíças” de Davos, “eles se reunirão mais uma vez (…) fingindo que se preocupam com o planeta — enquanto exploram novos campos de petróleo e gás, e lucram bilhões de dólares. Nós iremos à Suíça nos próximos dias, levando uma carta de cessar e desistir aos executivos de petróleo e gás, exigindo que eles suspendam quaisquer novos projetos do setor”, avisa.
No Espírito Santo, o Palácio Anchieta segue insistindo com a utopia do “desenvolvimento sustentável” que defende o crescimento sem limites da exploração e consumo de recursos naturais e consequente emissão crescente de gás carbônico, alegando ser possível compatibiliza-lo com melhoria da qualidade de vida da população, com respeito aos direitos humanos e à diversidade sociocultural, incluindo os povos e comunidades tradicionais.
“É uma contradição total”, ataca o coordenador da Fase/ES. “Os governantes tentam buscar uma equação, mas nesse discurso de que “os dois são possíveis” quem sai perdendo são as comunidades. Por que não se avança na reforma agrária no norte do Estado? Ou se titula os territórios quilombolas? Ou não se regulariza os territórios da pesca artesanal no litoral sul? Porque querem encher de portos, de eucalipto, continuar explorando petróleo”.