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O exemplo de luta dos camaroeiros da Praia do Suá

Atingidos pelo crime a Samarco/Vale-BHP, organização sindical conduziu acordo para recebimento de indenizações 

Foi com muita luta que os camaroeiros da Praia do Suá, em Vitória, conseguiram ser reconhecidos como atingidos pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP no Rio Doce devido ao rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG). Neste ano, eles recebem pela primeira vez o Lucro Cessante, indenização pelos prejuízos pela inviabilidade de pesca nas áreas tradicionais em que atuavam devido ao incidente. Um acordo assinado em dezembro de 2019 definiu que deveriam receber o valor retroativo do período de 2015 a 2019, e a partir daí passam a receber anualmente o valor correspondente.

Isso porque seus barcos, mesmo ancorados em Vitória, pescavam camarões especialmente nos mares no entorno do Rio Doce, tendo cerca de 70% do território em que atuavam proibidos para pesca. “A maior parte das baleeiras da Praia do Suá teve sua área de atuação muito reduzida por conta do limite de 20 metros de profundidade para a atividade”, explica José Carlos Lambisgóia, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindipesmes).

Um fator importante foi o autorreconhecimento dos pescadores da Praia do Suá como atingidos, por meio da luta do Sindipesmes com apoio do Movimento dos Atingidos com Barragens (MAB). Apesar de terem sido afetados, eles só foram reconhecidos como tal em 2018, mais de dois anos depois do crime e um mês após ocuparem os trilhos do trem da Vale na Serra em protesto contra a falta de diálogo e reconhecimento por parte das empresas responsáveis pelo crime. Foram também os últimos a serem reconhecidos como impactados.

João Paulo Izoton/ MAB

O fato foi inédito, pois pela primeira vez a Fundação Renova, que realiza as ações de reparação pelo crime, reconheceu atingidos pelo local de trabalho e não de moradia. A indenização contempla inicialmente 39 embarcações e 192 pessoas, entre proprietários, mestre e tripulantes. O acordo foi costurado com apoio do Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública Estadual (DPES).

“Para o MAB, os camaroeiros provaram que com organização, união e determinação os atingidos têm condições de exercer o direito que é negado na maior parte da bacia: debater os termos do acordo de indenização que a Fundação Renova oferece”, declarou em nota o movimento de atingidos, destacando a transparência e união com que o sindicato da categoria, criado para organizá-los após o impacto do desastre, conduziu a negociação. A negociação coletiva permitiu inclusive a conquista de valores maiores que os praticados até então para o mesmo tipo de atividade.

Como alerta o MAB, a conquista serve de exemplo, já que na maioria da bacia do Rio Doce, a maioria dos atingidos na nova leva de acordos não receberá o Lucro Cessante considerando as perdas anteriores e atuais, mas apenas uma parcela única de indenização que inclui acordo de quitação geral que impede acionar a Justiça novamente caso perceba novos danos, sendo que o impacto continua sendo sentido nas comunidades.

Uma das lutas dos atingidos foi para que as indenizações fossem calculadas por meio de um processo de assistência técnica realizada por entidades escolhidas pelos próprios atingidos para ajudar a calcular os danos sofridos. Pese haver sido realizada seleção de entidades para atuarem em diversos territórios, a própria Fundação boicotou o processo ao postergar a contratação das mesmas – no Espírito Santo, até hoje apenas uma delas foi contratada, na comunidade quilombola de Degredo, Linhares.

Sem que haja assessoria técnica, a Renova promove de forma acelerada os processos de indenização a nível individual e privatizado – os atingidos precisam contratar advogado privado -, com uma população duplamente fragilizada pelo impacto do crime e da pandemia do coronavírus, que dificultou mais ainda a situação econômica e tem levado a pagamento de indenizações em considerar os valores reais do impacto sofrido, como denuncia o MAB.

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