Cerca de 600 Tupinikim e Guarani marcharam em Vitória e pediram audiência pública para rever acordo de reparação
“Meu coração está partido com esse conflito que a Renova estabeleceu dentro das nossas comunidades. O nosso acordo foi o mais desastroso de toda a bacia do Rio Doce”. A fala é do cacique Vilmar Benedito Oliveira, da aldeia Caieiras Velha, e foi pronunciada na tarde desta segunda-feira (18) no plenário da Assembleia Legislativa, durante ato de repúdio realizado pelas comunidades Tupinikim e Guarani de Aracruz, norte do Estado, em relação à forma como a Fundação Renova tem conduzido as ações de reparação e compensação dos danos causados pelo crime cometido pela Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce e comunidades, em 2015.
As manifestações começaram pela manhã, com a chegada de 12 ônibus e cerca de 600 pessoas, que marcharam da Praça de Jucutuquara até o Palácio Anchieta, sede do executivo estadual, na Cidade Alta, onde entregaram uma carta ao gabinete do governador Renato Casagrande (PSB), que não pôde receber os indígenas, pois estava em outra reunião.
Na carta, as lideranças indígenas afirmam que “a dignidade, caráter e moral do nosso povo não está em mesa para ser negociado” e que “a comunidade se viu lesada e enganada frente aos seus direitos [por meio da atuação da Renova]”. Entre os exemplos da negligência, está o fato de que “a Renova descartou o Estudo de Componente Indígena (ECI), que comprova os danos causados e dá origem à matriz de danos dos indígenas de Aracruz”.
O resultado, apontam, é que as comunidades têm assistido “a Fundação impor sobre nossas lideranças e sobre o nosso povo por tantas vezes, sempre ameaçando cortar direitos já garantidos no TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] da Governança, fazendo os caciques dialogarem de joelhos diante da Renova”. Por isso, “a comunidade se manifesta de forma unânime favorável à retirada da Fundação Renova das discussões e que o diálogo aconteça diretamente com as empresas (Vale, Samarco, BHP Billiton), responsáveis pelo maior desastre ambiental já ocorrido em nosso país”.
Do centro da cidade, os indígenas foram até a Assembleia Legislativa, onde lotaram a galeria do plenário e puderam falar aos deputados presentes, ressaltando o pedido para que a Casa de Leis realize uma audiência pública em Aracruz, onde as famílias atingidas possam se expressar livremente, subsidiando uma revisão do acordo firmado.
“Que vocês olhem com carinho para tudo o que tem acontecido. Exigimos uma audiência pública no nosso território, sobre esse acordo que foi danoso para nós. Uma audiência pública que ainda não aconteceu. A Renova forçou um acordo em que a gente precisava abrir mão da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], ou seja: consulta pública, livre e pré-informada. Ela fez o acordo a portas fechadas com a Comissão de Caciques, pressionando os caciques a todo tempo a aceitar o que ela queria”, relatou Vilmar Benedito de Oliveira.
“Nós n]ao estamos brigando por causa de dinheiro, mas por causa de direito. O TTAC [Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC e o TAC Governança] estabelece todos os caminhos que precisam ser seguidos. Mas a Renova tem desrespeitado isso, tem imposto um caminho por si próprio, e com isso tem causado todos esses danos que estamos vivendo”, reforçou o cacique, que ressaltou o fato de que “algumas famílias não se submeteram a assinar esse acordo, mas a Renova se nega a sentar com essas famílias, a dar continuidade aos pagamentos que são necessários, do auxílio emergencial, em defesa do sustento dessas famílias”.
“As informações que a Renova passa não são verdadeiras, são falsas. Os caciques estão tentando sustentar esse acordo desastroso que eles assinaram, que eles mesmo reconhecem, mas têm medo de pedir a reparação em juízo. Mas nós estamos aqui pedindo a reparação, porque entendemos que a Renova não tem condições de cumprir o TTAC. Queremos conversar diretamente com as empresas. Ocupamos o pátio da Vale no mês passado e fomos surpreendidos com liminar de reintegração de posse”, contou.
“Somos um povo de luta. Lutamos 40 anos pra defender nosso território, onde eu derramei meu próprio sangue numa ação covarde da Polícia Federal, financiado pela Aracruz Celulose, que me deu um tiro para me matar a menos de dez metros de distância com bala de borracha no meu rosto. Com a graça de Deus estou aqui hoje conseguindo falar. O que for possível pra manter nosso direito assegurado nós vamos fazer”, finalizou.
Após o cacique, outra liderança a se pronunciar foi Paulo Tupinikim, coordenador da Articulação dos Povos Indígena do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que destacou a magnitude espiritual dos danos causados sobre o rio Piraquê-açú, que banha as aldeias de Aracruz, e é “o maior estuário do Espírito Santo”. Não é só impacto ambiental e econômico, acentuou. “A nossa cosmovisão, nossa cultura também foi impactada, porque o rio Piraquê-açu não é apenas para o sustento das famílias, mas também o sustento do nosso espírito e da nossa alma”, explanou.
Citando os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que asseguram “o respeito às nossas formas de organização social”, Paulo denunciou que “com esse acordo desastroso, a Fundação Renova destruiu nossa forma de organização social”.
O coordenador da Apoinme também mencionou mortes e adoecimentos ocorridos depois do crime, incluindo muitos casos de câncer, que os indígenas atribuem ao contato com a lama de rejeitos da Samarco.
Saudando a participação permanente da deputada Iriny Lopes (PT) na luta das comunidades indígenas, Paulo Tupinikim disse aos parlamentares que, “com a força política que vocês têm e, eu creio, o interesse em apoiar as populações indígenas, que intercedam em nosso favor, para que este acordo possa sofrer uma revisão e nossas comunidades possam ser reparadas da forma legítima como elas merecem. E que os projetos oriundos dos estudos e do Plano Básico Ambiental Indígena possam ser executados na totalidade e qualidade que nós merecemos”.