Benedito dos Santos, mais conhecido como Seu Corumba, era um simples agricultor descendente de quilombolas na região de Córrego Grande, em Conceição da Barra, norte do Estado. Nas terras de sua família, foram perfurados 13 poços de petróleo, mas isso não o trouxe riqueza, pelo contrário, gerou mais pobreza, com a perda do sustento que vinha da terra.
Benedito, que faleceu em 13 de janeiro deste ano, será homenageado no dia 2 de setembro na abertura do VI Seminário da Campanha Nem Um Poço a Mais, que acontece na próxima semana, de quarta-feira até sábado (2 a 7). Um dos poucos registros feitos sobre a situação está no filme Seu Corumba, o sheik pobre, que lhe rendeu a curiosa alcunha. Nele, o homem e sua esposa relatam a situação das terras que possuem cavalinhos de petróleo no meio e eucalipto ao redor.
Uma das responsáveis pela obra é Fabíola Melca, que produziu o documentário entre os anos de 2012 e 2013, em visitas com uma equipe à região de Corumba. “Documentar aquela história tornou-se importante pela invisibilidade que casos como esse têm. As pessoas não sabem o que acontece dentro de um campo de exploração petroleira, não sabem que a terra fica condenada, que as águas são contaminadas, que o ar é irrespirável e o barulho ensurdecedor. As pessoas não sabem que as famílias não têm o direito de dizer não!”, aponta.
Ela lembra que pelo fato do subsolo ser considerado propriedade da União, as áreas que detêm minerais podem ser consideradas de interesse nacional e requisitadas aos proprietários.”Porém, é do interesse nacional contaminar e expulsar comunidades de seus territórios? A troco de quê?”, questiona Fabíola.
Para ela, o caso do “sheik pobre” ajuda a desconstruir a ideia de que o petróleo só traz riqueza por onde passa. As comunidades tradicionais raramente obtêm algum benefício pela exploração de seus territórios, sejam terrestres ou marítimos, no caso dos pescadores artesanais. Pelo contrário, sofrem os impactos sociais e ambientais da extração e pouco recebem em troca.
Seu Corumba, por exemplo, conta que as terras que eram de seu pai, de quem herdou o apelido, tiveram início da exploração petrolífera em 1974, porém só recebeu algum benefício em forma de royalties em 2000, e ainda assim muito abaixo do que teria direito. A época de início da exploração era ditadura militar, e ele relata que o pai teria sido coagido a aceitar a utilização do terreno para extração de petróleo e gás.
Com parte de sua terra coberta de concreto e cortada por tubulações, além do impacto dos grandes empreendimentos sobre as águas da região, Seu Corumba chegou a migrar com a família para a periferia de Conceição da Barra, mas ficava lá e cá, nunca deixou de ir e vir à sua terra. “Ele amava aquele lugar, era apaixonado”, conta a víuva Edinalva Claudiano. Lá o casal plantava mandioca, feijão, abóbora e verduras, e ainda produziam carvão, apesar de parte do território ocupado pelos poços.
“Se dependêssemos da Petrobras, a gente morreria de fome”, diz Edinalva, que conta que alguns vizinhos pensavam que o casal tinha muito dinheiro por possuir poços de petróleo em suas propriedades. Segundo ela, há nove anos, desde que acionou a empresa na Justiça por seus direitos, a família não recebeu mais nada pelo uso da área.
Em seus últimos meses de vida, Seu Corumba havia ido com a esposa para a nova terra de um dos filhos, na retomada de Cantagalo, onde havia melhores condições para a produção agrícola. A vida estava um pouco melhor desde que Benedito havia conseguido tirar sua aposentadoria. Apesar de se queixar de algum incômodo e mal-estar na barriga, os exames não haviam apontado nada de grave em Corumba até que um dia ele sentiu falta de ar e passou mal quando trabalhava na roça. Foi levado ao hospital, mas faleceu em 13 de janeiro de 2020. Na certidão de óbito foi registrado câncer no fígado.