Redi aponta que empreendimento prepara extração de rochas no local

A Organização Não Governamental (ONG) Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi) fez denúncias de um possível crime ambiental praticado pelo Porto Central de Presidente Kennedy, no litoral sul do Estado, na região do Morro do Cruzeiro. A entidade afirma que foram iniciados processos de supressão e capina química da vegetação nativa, para posterior dinamitação e extração de rochas, que deverão ser usadas no quebra-mar do porto.
Um ofício foi encaminhado ao Ministério Público do Estado (MPES) no último dia 7 de março, e outras duas denúncias foram encaminhadas ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Ifaf) nessa segunda-feira (10).
Parte da área, na face oeste do morre, pertence ao próprio Porto Central, onde “a vegetação de borda está perceptivelmente degradada e a pastagem com capim exótico chega até a borda”. Na face leste está localizado o assentamento José Marcos de Araújo Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), local em que “existe um fragmento de vegetação de borda ainda preservada”.
No ofício direcionado ao MPES, a ONG destaca que o Morro do Cruzeiro é uma área de proteção permanente, um “topo de morro” caracterizado por microhabitats que podem ser raros. Mesmo assim, segundo a Redi, “foi observada a supressão da vegetação arbóreo-arbustiva nas bordas do domo rochoso (…) e constatada a aplicação de glifosato (roundup) [agrotóxico] na rara vegetação rupícola [sobre as rochas] nativa na área sob tutela do Porto Central”.
Entre a vegetação suprimida, de acordo com a Redi, estão espécies ameaçadas de extinção, como o gênero Vellozia, popularmente chamada de “canela-de-ema”. Também diferentes espécies de bromélias de grande porte, consideradas amplificadores de biodiversidade nas paisagens por fornecerem múltiplos recursos à fauna como um todo, como abrigo, água e alimento. Também há espécies de cactos, que contribuem com a fauna, além moluscos gastrópodes ainda não devidamente identificados pela ciência.
Outro ponto observado pela ONG é que “o Morro do Cruzeiro se apresenta como coletor natural de água das chuvas e a conduzem a para o subsolo através do maciço rochoso e devolvem para a atmosfera pela vegetação das bordas”. E Presidente Kennedy tem um histórico de escassez hídrica, tendo sido decretado estado de calamidade pública em 2014 e 2015. As intervenções poderão alterar a estrutura geológica da área e impactar nas nascentes.
A Redi relata, ainda, que uma liderança do assentamento que mora bem próxima ao morro informou que recebeu uma visita recente de um grupo engenheiros. Na ocasião, “um deles afirmou que muito o preocupava dele estar morando naquele lugar, e que ele tentou arguir com esta pessoa o que ele queria dizer com isso, ele não obteve a resposta”.
O trabalho no local estaria prestes a começar nas próximas semanas, mas a comunidade não recebeu a visita de ninguém. Apenas representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-ES) viriam, em breve, dialogar com os assentados sobre a mineração do morro.
A ONG destaca, ainda, que a relevância cultural, turística e religiosa do Morro do Cruzeiro tem sido desconsiderada. O local é visitado pela beleza natural paisagística, e também é utilizado para peregrinações religiosas durante todo o ano, “tendo como destaque a peregrinação realizada por toda paróquia de Nossa Senhora das Neves em Presidente Kennedy, com protagonismo na organização da comunidade de São Bento, que leva centenas de fieis ao local no contexto da Semana Santa, quando lá fazem uma celebração eucarística e festejos próprios desta época litúrgica na Igreja Católica”.
Antônio Paulo França, coordenador-geral da Redi, ressaltou que a Prefeitura de Presidente Kennedy retirou, recentemente, o Morro do Cruzeiro dos pontos turísticos do município elencados em seu site oficial.

Compensação que não compensa
Em dezembro passado, foi iniciada a fase 1 da instalação do Porto Central em Presidente Kennedy. Nesta etapa das obras, iniciada em dezembro passado, é construída a infraestrutura portuária para acomodar um terminal de granéis líquidos de águas profundas. O terminal servirá de transbordo de petróleo entre navios para operações com embarcações de grande porte, como os Very Large Crude Carriers (VLCCs).
Para isso, estão sendo removidos cerca de 65 hectares de vegetação de um total de 2 mil para os quais o Porto Central conseguiu licença. Segundo o Porto Central, teve início em outubro “o resgate da fauna terrestre e serão feitas medidas compensatórias, como plantio de mais de 12 mil mudas nativas”.
Mas, como tem sido apontado por ambientalistas, as “compensações” propostas são insuficientes. “Para construir, tem que destruir muito”, alerta o sociólogo e educador popular da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Marcelo Calazans.
Na questão socioeconômica, o Porto Central tem destacado que, para a fase 1 das obras, serão contratados 1,2 mil trabalhadores. “Em sua grande maioria homens, trabalhadores temporários. O Espírito Santo é famoso nesses casos, como em Barra do Riacho [Aracruz], onde muitos depois ficaram desempregados. A região vai ficar com um inchaço de trabalhadores temporários e precários, e a construção do porto ainda vai destruir a pesca, ou seja, acabar com a fonte de renda que já existe. O porto vai ser automatizado, vai gerar 200, 300 empregos fixos, no máximo”, destaca Marcelo.

No início de 2024, a Redi lançou o documentário de curta-metragem Antes que o porto venha, que apresenta entrevistas de trabalhadores pesqueiros da região. O Porto Central deverá impactar pelo menos 400 famílias ribeirinhas que vivem da pesca.
Do ponto de vista cultural, além dos impactos nos modos de vida da comunidade, está a preocupação com a histórica Igreja de Nossa Senhora das Neves, datada de 1694, que ficará enclausurada no meio do megaempreendimento. O tema foi tratado pelo bispo da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, Dom Luiz Fernando Lisboa, durante a Romaria de Nossa Senhora das Neves, realizada em agosto do ano passado.
Em novembro passado, a Campanha Nem Um Poço a Mais protocolou, no Governo do Estado, um abaixo-assinado contra a instalação. A entrega do documento foi parte da manifestação contra a expansão da indústria petroleira no Espírito Santo, realizada na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória. O documento conta com mais de 25 mil assinaturas.