Domingo, 19 Mai 2024

'ONGs também precisam cobrar solução para poluição de esgoto e das empresas'

audiencia_publica_camara_vitoria_pesca_artesanal_5_mandato_karla_coser Mandato Karla Coser

Uma gestão ampliada da atividade pesqueira e da conservação ambiental, unindo as instâncias municipal e federal. Esse é o objetivo do trabalho que um grupo de pescadores e ambientalistas vem realizando nos últimos dias. O mote é a regulamentação da pesca assistida nas baías de Vitória e do Espírito Santo, mas as discussões envolvem também a gestão das unidades de conservação e os impactos causados pelas indústrias da Ponta de Tubarão, Vale e ArcelorMittal, e outros agentes de agressão ao ambiente aquático.

"Os ambientalistas entenderam o que é a pesca assistida que a gente quer fazer, e concordaram. Agora a gente quer também que eles cobrem o problema do esgoto, da poluição da Vale, da siderúrgica", afirma o pescador Valquírio Sampaio Loureiro.

Um dos mais experiente na pesca artesanal em Vitória, ele participou ativamente dos estudos sobre a pesca assistida coordenados durante três anos pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), e que foram paralisados quando a gestão de Luciano Rezende (Cidadania) publicou a Lei nº 9.077/2017, proibindo a pesca artesanal na cidade, sem qualquer diálogo com os trabalhadores do mar e dos estuários.

Mas foi na atual gestão, de Lorenzo Pazolini (Republicanos), que a fiscalização se tornou mais rigorosa, após a deflagração de uma operação conjunta com órgãos federais, no dia 6 de junho, tornando de fato impraticável a tradicional profissão. A partir daí, os pescadores se uniram e protagonizaram protestos, como a negativa de participar da procissão marítima de São Pedro e a vaia ao prefeito durante o evento, além de reuniões e uma audiência pública histórica na Câmara de Vereadores, da qual a prefeitura não enviou nenhum representante. Assim, conseguiram mobilizar os parlamentares para proporem soluções legais para o problema, tendo nos projetos de lei da vereadora Karla Coser (PT) as propostas mais abrangentes.

Divulgação/Karla Coser

Ocorre que a intensa polarização política no Legislativo, fortemente marcada pelo apoio ou oposição ao prefeito, impediu que os PLs avançassem. O Plenário apenas permitiu a votação de uma lei simplória proposta pelo próprio Pazolini, que dias depois publicou um decreto de regulamentação também simplório, que em nada refletiu as discussões e estudos amadurecidos no âmbito do Compesca e, tão grave quanto, não foi submetida ao Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema).

Buscando pacificar a situação, que deveria ser técnica, o Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes) deu às mãos à gestão municipal, que conseguiu aprovar a retirada da proibição que a Lei Municipal 9077/2017 impunha à utilização do pesqueiro tradicional de camarão, em frente ao Porto de Tubarão. A pesca de rede, dentro das baías, no entanto, ainda precisa de uma regulamentação coerente com a legislação nacional e com a complexidade do território, disputado pelas indústrias, por projetos ambientais e pelos esportistas e banhistas das áreas nobres da cidade, que querem expandir para o mar a gentrificação que o prefeito tenta instalar em terra (vide os episódios da Curva da Jurema e na Vila Rubim).

Diálogos

Na busca pela regulamentação da pesca de rede, o sindicato vem buscando puxar as ações da prefeitura para dentro do Compesca e
solicitou a realização de uma demonstração da pesca assistida na praia de Camburi para esta quinta-feira (7). O Comitê, por sua vez, já havia anunciado, por intermédio de seu presidente, o superintendente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luciano Bazoni, uma grande reunião no dia 15 de setembro, onde a pesca assistida em Vitória é uma das pautas principais.

Mais alinhado com essa mobilização ampla, um outro grupo de pescadores, entre eles Valquírio e aqueles que atuaram diretamente nos estudos sobre pesca assistida coordenados pelo Compesca, tem dialogado diretamente com as ONGs ambientalistas e planeja também fazer uma demonstração da técnica em campo, possivelmente após o dia 15 de setembro. 

"Eles [os ambientalistas] falam muito do pescador, mas não olham os outros problemas", aponta Valquírio em relação aos impactos provocados pelas gigantes Vale e ArcelorMittal sobre a baía de Camburi e toda a Grande Vitória. "A gente chegou num acordo sobre a pesca assistida, mas cobrar que eles critiquem também as empresas, o esgoto, um monte de coisas erradas que acontecem e que não são culpa do pescador", reforça.

Lauro Sá

O acordo que Valquírio menciona foi alcançado durante reunião realizada nessa segunda-feira (4) entre pescadores; o vereador André Moreira (Psol); o presidente da ONG Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi; o secretário-executivo do Compesca, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Nilamon de Oliveira Leite Junior; os representantes do Projeto Pegada, Fábio Medeiros e Marcela Pretti; e a técnica Mariangela de Lorenzo.

'Pesca de cerco'

"É a pescaria de cerco", ressalta Valquírio, sobre o principal consenso alcançado. "O que pode fazer na baía de Vitória é a pesca assistida de cerco", reafirma, acrescentando ainda a pesca de tarrafa e de anzol. Qualquer outra modalidade de pesca com ou sem rede, afirma, não cabe na região.
"A ideia central do acordo é um apontamento sobre a possibilidade de chegar em algum lugar. Há um consenso sobre a pesca de cerco, com tarrafa e anzol, desde que suportada por estudos técnicos e plano de manejo da APA das Tartarugas e da Estação Biológica do Lameirão", concorda André Moreira.

"Vamos tentar recuperar o laço que foi construído na Câmara, com debate franco, amplo e aberto e que foi destruído pelo projeto do prefeito, um projeto açodado, que passou por cima de uma construção. Estamos pegando dois pontinhos que sobraram e tentando recolocar em discussão", explana o vereador. "Não acredito em nada que não seja feito sem organização social. Precisamos mostrar à cidade que o decreto do prefeito não atende às necessidades dos pescadores nem do meio ambiente. O que atende é o que foi construído no debate. O prefeito pode fazer isso, pode retomar essa construção, mas enquanto ele não fizer, nós faremos", posiciona.

Múltiplas fiscalizações

Ecoando a necessidade de respeitar um zoneamento já posto na cidade, com áreas em que não pode haver qualquer pesca, o presidente do Sindpesmes, João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, compartilhou um vídeo em que mostra um pouco desses limites, que pretende explicar melhor na demonstração prática do dia 7 de setembro.

As áreas que são de alimentação de tartarugas marinhas, cavalos marinhos, peixes de aquário e outros animais ameaçados, afirma, já são áreas entendidas como proibidas pelos pescadores. Apontando para a região das ilhas do Boi e do Frade, uma das áreas de exclusão. "Aqui a gente chamava Ilha das Tartarugas. Todo pescador sabe que tem que manter proibida. O pescador ele próprio já anula isso aqui, não interessa nada para a gente", diz.

"Curva da jurema, Guarderia, Iate Clube...a gente não tem interesse [em pescar] nessas áreas", complementa, citando ainda uma linha reta que passa atrás das ilhas e se estende até próximo do porto de Tubarão. "Outro ponto que os ambientalistas têm que entender é que aqui tem o cordão de corais, onde esses animais também se alimentam".

Reprodução

No vídeo, Lambisgoia diz que a área da pesca assistida a ser regulamentada é a compreendida entre a praia e o cordão de corais. "No dia 7 de setembro, a demonstração vai ser isso aqui: vai largar rede de espera 40 minutos, mostrar que a tartaruga não é isso, que morre em 40 minutos. Os peixes que ficarem aqui que a gente não quiser, vão ser jogados vivos fora. A gente sabe o que a gente quer. E por fora a gente vai largar uma rede de bate-bate, que puxa na mesma hora, que serve para a baía de Vitória, sem agredir a natureza".

O presidente do Sindpesmes cita ainda a mobilização do Compesca e a reunião do dia 15 de setembro como parte fundamental do esforço de regulamentação da pesca assistida e insiste que a lei e o decreto do prefeito não encerram o assunto. "O que o prefeito Pazolini fez agora é um começo de conversa, abrindo espaço pra gente se defender. Há quantos anos a gente só leva porrada, que pescador mata tartaruga. Não é assim não! Duas ou três pessoas não podem classificar a classe inteira. Muitas vezes não é nem o pescador, é uma pessoa por esportividade, que pega a rede, larga ali e complica pra gente. É o momento da gente se defender com a verdade. Pescador mesmo não faz isso".

E convoca uma mobilização da sociedade para ajudar a fiscalizar o que for implementado. "Se vai ser aprovado ou não, vai depender da população, de todo mundo (...) A prefeitura tem duas lanchas para fiscalizar. Com 40 minutos, rodeia Vitória todinha. Fiscalização vai ter. Ali não é barco grande, é bateira, barco a remo, e todas elas vão ter GPS, na rede também (…) ICMBio tem lancha, Capitania tem lancha, Polícia Federal tem lancha, prefeitura tem lancha. Mas a própria fiscalização vai ser do morador mesmo, que estiver ali perto, quando estiver na praia e ver algo irregular, a gente vai querer mesmo que façam isso. E parar essa criminalização que existe em cima do pescador".

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