A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e outras onze organizações que defendem a causa, como a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), declararam que não participarão das audiências públicas convocadas pela comissão especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000. A proposta transfere do Executivo para o Congresso a decisão final sobre as demarcações de terras indígenas, abrindo prerrogativa para a revisão de processos já homologados – caso do território indígena de Aracruz, norte do Estado – e terras quilombolas e Unidades de Conservação (UCs).
Para as organizações, as audiências da PEC 215 respondem às agendas eleitorais da bancada ruralista, que tenta transformar em plataforma política a luta de um grupo minoritário de latifundiários contra a demarcação de terras indígenas.
Elas consideram inadmissível ver a manipulação de um instrumento constitucional por parte dos parlamentares que têm o objetivo de subtrair as reais funções dos instrumentos constitucionais e denunciam que os ruralistas fazem dessas reuniões palco de incitação ao ódio, à violência, ao racismo e à discriminação aos povos indígenas e a segmentos da população, como os quilombolas e os sem terra, uma vez que geram um clima de angústia, insegurança e medo entre os pequenos agricultores para se apresentarem como defensores dos direitos destes agricultores no Congresso Nacional.
De acordo com a carta pública, uma das principais razões para a decisão é a insistente e prolongada manifestação constante dos indígenas que rejeitam a proposta. Há anos, os povos indígenas demonstram, país afora, a contrariedade à proposta, inclusive quando ocuparam o plenário da Câmara Federal em abril do ano passado. O repúdio foi manifestado, mais uma vez, durante a Mobilização Nacional Indígena deste ano, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), se comprometeu a não levar a PEC a votação enquanto não houver consenso.
A carta também traz as diversas inconstitucionalidades apontadas na PEC 215 como fatores influenciáveis na decisão. Em 2013, a discrepância da proposta foi apontada por um Grupo de Trabalho Paritário, criado por Alves, e formado por parlamentares e indígenas. A inconstitucionalidade também foi apontada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, por conta de um mandado de segurança impetrado pela Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas.
Mas não só indígenas, como lembram as entidades, se demonstram contrários à proposta. Juristas, articulistas da imprensa, intelectuais, organizações e movimentos sociais, associações de profissões diversas, ambientalistas e quilombolas também rechaçam categoricamente a PEC 215. “Dessa forma, os povos indígenas e seus aliados já explicitaram há muito tempo o seu ponto de vista pela rejeição da PEC 215/00, não só porque ela afeta uma regra jurídica fundamental, a divisão dos poderes, mas sobretudo porque busca suprimir o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais, reconhecido pela Constituição Federal de 1988”, reiteram.
Além da Apib e da Apoinme, assinam a carta a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o Conselho dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul, a Grande Assembléia Guarani (Aty Guasu), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Greenpeace e o Instituto Socioambiental (ISA).