Ato que terminou no Palácio Anchieta lançou manifesto e também cobrou Casagrande sobre lei reivindicada em abril
“O que o pescador quer? Participar!”, “o que o surfista quer? Participar!”, “o que o comerciante quer? Participar!”. Essas foram algumas das palavras de ordem dos manifestantes da Caminhada das Atingidas e Atingidos por Justiça e Direito ao chegar no Palácio Anchieta, Centro de Vitória, na manhã desta terça-feira (10). São tantas pessoas impactadas pelo crime Samarco/Vale-BHP, desde 2015, que se somaram ainda marisqueiros, indígenas e mulheres. Todos exigem participação na mesa de negociação entre as empresas criminosas e os Ministérios Públicos e governos de Minas Gerais e Espírito Santo.
A mesa debate a repactuação das ações de compensação e reparação dos danos decorrente do crime. Para o coordenador do Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB), Heider Bozza, “não pode ser um remendo dos acordos anteriores”. Uma das pautas que precisa ser debatida, aponta, é a questão a indenização. De acordo com ele, no Espírito Santo cerca de 3 mil pessoas recebem o auxílio emergencial mensal, sendo que o Movimento contabiliza que deveria ser pago para uma média de 500 mil.
Os manifestantes cobraram, ainda, a aprovação da Lei Estadual dos Atingidos. Heider relata que em abril deste ano o MAB se reuniu com o governador Renato Casagrande (PSB), apresentou uma proposta de projeto de lei (PL), mas nunca mais obteve retorno ao pleito.
Ele explica que a lei deve deve ser do executivo, pois versa sobre atribuições específicas e questões orçamentárias. Caso a iniciativa parta da Assembleia, pode ser apontado vício de origem e classificada como inconstitucional. “Esse risco a gente prefere não correr”, afirma.
Rastro de morte
O pescador Vanderlei Sacramento veio de Conceição da Barra, norte do Estado, para participar da manifestação. Ele está há oito anos sem pescar diante do medo das pessoas de consumir os mariscos da região, o que reduz o número de clientes, e também pela própria desconfiança que ele e outros pescadores têm da qualidade dos mariscos. “Como você vai vender se tem desconfiança da qualidade daquilo que está oferecendo para os outros?”, questiona.
Vanderlei informa que durante dois anos recebeu uma indenização mensal, cujo pagamento cessaria em 2025. Se a impossibilidade de pesca persistisse, seria prorrogada por mais 10 anos. Contudo, assim como tantos outros atingidos, acabou a perdendo quando, em uma nova pactuação, a Justiça determinou o pagamento de uma indenização paga em uma única parcela.
O pescador defende a participação dos atingidos na repactuação. “Os atingidos somos nós, mas não estamos na mesa. Como vou saber o que acontece na sua casa? Mas eles não querem nos ouvir”, diz, destacando que a Vale, a Samarco e a BHP “mataram rio, mataram vidas, peixes, meio ambiente e a população, que precisa de água”.
Curandeira na aldeia Boa Esperança, também em Aracruz, Marilda de Oliveira aponta que os resíduos de minério de ferro dificultam, inclusive, as práticas artesanais e da medicina popular. Agora ela não pode mais fazer um extrato utilizado para sanar problemas de pele, retirados de uma lama preta no pé da raiz do manguezal. Também já não é mais possível extrair o miruim, uma semente branca utilizada para fazer artesanato, tendo que substituí-la por miçangas.
Revida, Mariana!
A ideia, afirma Heider, é de que a sociedade civil se engaje na causa dos atingidos, assim como aconteceu com o Marco Temporal. “Foi o maior crime ambiental da história do Brasil, o maior do mundo envolvendo rejeitos de minério, atingindo a 5ª maior bacia hidrográfica do país, assim como o Marco Temporal, trata-se de uma pauta progressista”, destaca.
Para o lançamento da campanha, foi lançado um manifesto, assinado por entidades nacionais e internacionais, e no qual os atingidos ressaltam querer justiça, e não vingança. “Casas foram derrubadas, plantações e criações, devastadas, cadeias produtivas aniquiladas. Nosso Rio Doce está morto. Até hoje, falta água potável para muitas comunidades. Não é possível voltar à atividade econômica que sustentava famílias antes do rompimento, porque não há possibilidade de uso do rio para a pesca, agricultura, turismo ou lazer”, diz o manifesto.
O grupo afirma querer “justiça, reparação integral e urgente. Para ressuscitar nosso rio. Para reconstruir nossas cidades, nossas casas, nossas vidas. Para aplacar a dor das nossas perdas. Para limpar toda essa lama”.
O documento reitera que “a repactuação do caso Mariana que hoje está em curso não deu valor à voz das vítimas nem da sociedade civil. Da forma como está, não contempla todas as nossas perdas e favorece apenas interesses comerciais e políticos. Com intuito de confundir e dissimular, o valor proposto para indenizações mistura recursos já pagos anos atrás. Para piorar, representa apenas um terço do que a petroleira BP pagou há mais de dez anos, pelo derramamento de óleo no Golfo do México, que era, até o rompimento de Fundão, o maior desastre ambiental do mundo. Por que devemos aceitar menos por um crime tão maior?”.
Além disso, exige resolução para todos os processos no Brasil e no exterior, com compensação dos gastos já feitos pelas vítimas para ter acesso à Justiça. “Exigimos reparação, compensação e indenização integral dos danos individuais e coletivos; manutenção e fortalecimento das assessorias das técnicas independentes; ações governamentais efetivas em regiões atingidas e sob risco; reparação do dano à saúde com estudos sobre contaminação; programa de transferência de renda e um fundo para projetos coletivos”.