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‘Para sair da distopia é preciso colocar a mão na massa’, convoca Arlindo Villaschi

Economista localiza o ES no debate mundial em defesa da vida, frente ao neoliberalismo

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Vitor Taveira

Como o estado do Espírito Santo se insere no debate mundial a respeito de modelos econômicos que favoreçam a proteção da vida, frente ao avanço do neoliberalismo? Em busca de uma resposta a esta pergunta, Século Diário conversou com o economista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi, trazendo elementos da reportagem Um freio de emergência para impedir o fim do mundo, de Claudia Antunes, publicada em Sumaúma na última quinta-feira (9).

De forma muito sintética, a resposta a esta pergunta passa por uma crítica severa às políticas públicas e alinhamentos de governos (municipais, estaduais e nacionais), que estão longe de solucionar a equação capitalista biocida imposta aos territórios e nações do Sul Global pelas grandes corporações transnacionais e organismos financeiros internacionais. Passa também por um olhar atento às estratégias de resistência empreendidas por povos e comunidades tradicionais e movimentos sociais do campo e da cidade voltados à produção de alimentos saudáveis e à garantia de direitos humanos e da natureza.

Como anuncia Sumaúma, “para barrar o colapso da vida, é preciso uma mudança radical na lógica capitalista do crescimento infinito”. Nesse sentido, a reportagem extraiu o sumo do pensamento de teóricos do decrescimento, do pós-extrativismo e do ecossocialismo no Brasil, América Latina, Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão, entre eles, Jason Hickel, Sabrina Fernandes, Giorgos Kallis, Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly, Joan Martínez-Alier, André Gorz, Serge Latouche, Maurice Strong, John Bellamy Foster, Kohei Saito, Beatriz Saes, Peter Victor, Tim Jackson, Mirian Lang, Maristella Svampa, Alberto Acosta, Ulrich Brand, Arturo Escobar, Ailton Krenak, Nêgo Bispo, Andrei Domingues Cechin, Carlos Eduardo Young, Robert Pollin, Noam Chomsky e Pepe Mujica.

A pesquisa de Claudia Antunes também relaciona essa produção acadêmica com mobilizações históricas, como o Clube de Roma, na década de 1950, a Conferência de Estocolmo, em 1972, e os fracassos sucessivos das COPs do Clima, nenhuma delas resultando em ações objetivas para cumprimento das metas acordadas, além de acrescentar variados questionamentos a respeito da honestidade do termo “desenvolvimento sustentável” – sobreposto ao seu predecessor, “ecodesenvolvimento” – e da relevância do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de saúde econômica e social de uma nação, questionamento este estabelecido pelo próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, em sua página oficial afirma que o PIB “não expressa importantes fatores, como distribuição de renda, qualidade de vida, educação e saúde” e que “um país tanto pode ter um PIB pequeno e ostentar um altíssimo padrão de vida, como registrar um PIB alto e apresentar um padrão de vida relativamente baixo”.

Para Século Diário, Arlindo Villaschi afirma que, independentemente da linha conceitual adotada – decrescimento, pós-extrativismo ou ecossocialismo – há consensos importantes entre os que “não são terraplanistas”, ou seja, entre as pessoas não adeptas do pensamento de extrema direita e negacionismo científico, que quer insistir no fracassado modus operandi neoliberalista, a despeito das relações já estabelecidas entre esse sistema econômico e as catástrofes climáticas e humanas em curso.

A respeito da corrente que defende o decrescimento econômico, o economista capixaba sustenta que crescimento e decrescimento não são antagônicos, mas sim complementares. “A gente tem que crescer naquilo que é absolutamente sustentável, que leve em consideração o humano e toda uma gama de seres viventes que precisam ser mantidos. Uma série de atividades que contribuem para isso, dentre elas, as práticas dos povos ancestrais, precisam crescer. Podemos ter crescimento também de despesas públicas que estejam voltadas à recuperação dos ativos naturais que destruímos nos últimos 150 anos. Imagine todos os corpos d´água que foram destruídos, serem restaurados! Agora, o que precisa decrescer são atividades contrárias à vida. Não dá para imaginar um futuro com combustíveis fósseis, por exemplo”, diz.

“Mão na massa”

Para além do debate quantitativo, o caráter qualitativo do desejo e da produção é fundamental, pontua. “Nós temos de enfrentar um ‘trilema’: por um lado, todas as classes médias no mundo querem aumentar seu padrão de consumo; por outro, todos os pobres no mundo querem ter acesso a mais bens; mas precisamos também cuidar da sustentabilidade ambiental. Não tem como satisfazer esses três objetivos simultaneamente. Não é possível, com o padrão de consumo da classe média, elevar o piso dos pobres e manter sustentabilidade. Mas pode-se mudar a qualidade do desejado pelos mais pobres. Não dá para todo mundo ter automóvel individual, mas é possível melhorar a mobilidade do mais pobre com transporte coletivo de qualidade, sem precisar financiar um automóvel velho em 36 vezes”.

Ainda no que tange ao desejo, Arlindo Villaschi ressalta a importância de envolver a juventude na construção do novo – venha ele a ter o nome que for: ecossocialismo, pós-capitalismo, pós-extrativismo … – por meio de ações que os permita “colocar a mão na massa”, afirma.

“Quem tem menos de 50 anos hoje vive uma distopia, por várias razões. E quanto mais jovens, pior ainda, porque além de não terem horizonte de futuro, muitos perderam a chance de uma utopia no passado, principalmente com a pandemia. Como eu mobilizo essas pessoas para atuarem no enfrentamento da distopia? Onde acender a chama? Cada vez mais eu acredito que para conseguir que eles acreditem em alguma coisa, tem que ser com a possibilidade de colocar a mão na massa, em movimentos onde eles vejam o resultado prático, no seu território, na sua vida. Colocar dinheiro público onde eles podem limpar o córrego que passa no seu bairro, fazer uma horta escolar ou comunitária, plantar árvores, pra melhorar o microclima. Assim é que começamos a tornar as pessoas menos passivas diante da distopia global”.

Esse tipo de investimento público, assinala, infelizmente, não acontece e os planos de governos continuam atrelados a um modelo insustentável. “Temos que tirar o apego do capixaba, cada vez mais ampliado, em commodities não renováveis e monocultivos”. Commodities e monocultivos que alimentam padrões igualmente anacrônicos. “Continua o sonho de mais um porto para exportar mais minério de ferro, ou mais granito, celulose ou seja o que for. E não adianta continuar investindo naquilo que é dito renovável, mas que é produzido como monocultivos, de forma agressiva ao meio ambiente, como o café e o eucalipto. Precisa usar técnicas que se aproximam da agroecologia e que façam os monocultivos decrescerem gradualmente, mas não um gradual que leve cem anos para deixar de ser monocultivo, tem que ser no máximo dez anos”, assevera.

O dinheiro público, complementa, precisa ser investido em ações que protejam a vida, que apoie os territórios das comunidades tradicionais, que recupere os corpos d´água, que aumente a cobertura florestal nativa, que fortaleça as unidades de conservação, que expanda os usos agroecológicos do solo e a produção saudável de alimentos etc.. “Como vamos regenerar o Rio Doce?”, pergunta, repudiando o escárnio da impunidade que gozam os responsáveis pelo crime cometido pela Samarco-Vale/BHP. “E o rio Formate, o Itapemirim, o Cricaré, os pequenos córregos? Onde está o reguinho, que descia a Rua Sete de Setembro? Não existe mais! Mas pode recuperar. Muitos cursos d´água que foram transformadas em valas artificias, cobertas porque fediam muito, podem e devem ser recuperados”, provoca.

São propostas alinhadas com o pensamento contra-capitalista e contra-colonial produzido nos quatro cantos do mundo, mas que precisam, reforça Arlindo Villaschi, estarem ativas nas agendas locais. “Tem que ser uma agenda municipal, territorial, tem que colocar na agenda das pessoas, para ter menos desprezo”.

Na contramão desse pensamento, cita o empenho do governo do Estado em conceder as UCs estaduais à iniciativa privada, numa “fúria devoradora do que resta na natureza”, denomina – a despeito do posicionamento firmemente contrário por parte dos servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Iema) e de diversas comunidades localizadas dentro ou nas zonas de amortecimento das UCs. “Casagrande foi em algumas unidades de conservação, gravou vídeo dizendo que iria investir nessas áreas, não falou em nenhum momento em concessão, isso é fraude eleitoral”, critica.

E os argumentos em favor da concessão são “muito pobres”, sublinha, citando a construção de resorts, hotéis e restaurantes apenas nas áreas degradadas, desconsiderando, portanto, a necessidade de restaurar as áreas degradadas das UCs, entre outros. Há ainda riscos negligenciados pelo governo do Estado, como o fato de que a luz elétrica e alimentos servidos nessas pousadas e restaurantes perto das áreas naturais irão atrair os animais silvestres, desorganizando a fauna local e também transtorno aos humanos. “O que vai acontecer quando as pessoas estiverem em um salão de eventos ou uma pousada e os animais selvagens aparecerem, aranhas, cobras …?”.

“Adiar o fim do mundo”

A concessão das UCs à iniciativa privada, os monocultivos, os portos … todo esse conjunto de medidas antagônicas à proteção da vida, assinala Villaschi, continuam servindo à lógica imposta pelos organismos financeiros internacionais após a Segunda Guerra Mundial e que impedem uma autonomia dos territórios na construção de sua sustentabilidade efetiva. “É a ‘nova ordem mundial Betron Woods’. Os países europeus, quebrados, queriam um banco de desenvolvimento para financiar projetos nas suas colônias na África e América Latina, então criou-se o Banco Mundial. Já os Estados Unidos, que não tinham colônias, queriam ter o controle do fluxo financeiro mundial, então surgiu o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Por isso sempre o presidente do FMI vem dos Estados Unidos, à exceção dessa última agora, que foi uma alemã, e quem preside o Banco Mundial é sempre um europeu”, explica.

Desde então, prossegue, o Banco Mundial empresta dinheiro aos países que se subordinam à lógica do capital improdutivo, ou seja, a especulação financeira, e não à economia produtiva, incluindo agricultura, comércio, serviços e indústria. “Empresta para construir uma universidade, mas condicionado à privatização de alguma empresa pública etc.. O FMI cria reserva para o problema inflacionário de um país, mas condicionando isso a privatizações, também etc.”.

Uma contraposição importante a esses organismos que privilegiam o capital improdutivo, em âmbito governamental internacional, é o BRICS, “um foro de articulação político-diplomática, de cooperação e concertação dos países do Sul Global, com o objetivo de dialogar sobre grandes temas da agenda internacional e fortalecer politicamente suas posições comuns para democratizar, legitimar e equilibrar a ordem internacional”, conforme definição do Palácio do Planalto. O nome é o acrônimo formado pelas iniciais dos seus cinco países membros: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa, em inglês). Mesmo não sendo uma pessoa jurídica formal, o BRICS constituiu uma entidade financeira relevante, o Novo Banco de Desenvolvimento, ou Banco dos BRICS, com atuação relevante entre os países membros e parceiros. Uma rodovia que irá ligar Serra a Vitória, passando pela Ponta de Tubarão, inclusive, será construída com financiamento do Banco dos BRICS.

“Todos os países dos BRICS afirmam que não vão sair nem do Banco Mundial nem do FMI, mas querem uma alternativa de estabilidade de moedas e alternativa de crescimento econômicas sem essas condicionalidades. Eu não acho quer seja suficiente para interromper a ladeira abaixo que estamos tendo com relação à emergência climática. O Lula tem como segurar a exploração de petróleo na foz do Amazonas ou como retrair a indústria automobilística? Não. A Dilma tentou colocar um freio nos lucros dos bancos e foi derrubada. Mas é alguma coisa nova que começa a pensar a partir do alinhamento Sul–Sul”, pondera.

Nessa toada, Villaschi invoca o filósofo, sociólogo e antropólogo francês Edgar Morin, para arrematar: “não posso vender utopia, mas posso acreditar em possibilidades. Quais os resultados disso? Apenas adiar o fim do mundo. Mas eu prefiro adiar o fim do mundo a me render à distopia”.

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