A poucos dias da votação da minuta do Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória, no Plenário da Câmara de Vereadores, um parecer técnico elaborado por analistas ambientais do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) orienta para que os parlamentares considerem quatro pontos fundamentais relacionados ao zoneamento ambiental da cidade, sanando graves contradições e prevenindo problemas socioambientais severos.
A minuta atual – Projeto de Lei nº 290/2017 – está em análise por seis comissões da Casa: Políticas Urbanas; Meio Ambiente; Constituição, Justiça, Serviço Público e Redação; Finanças; Mobilidade Urbana e Defesa do Consumidor e Fiscalização de Leis; e o cronograma indica a votação em Plenário na próxima terça-feira (27).
No parecer – Relatório Técnico Científico sobre Critérios para Criação de Zonas de Proteção Ambiental no Plano Diretor Urbano de Vitória –, os analistas ambientais afirmam que há uma contradição entre os dispositivos do PL, relativos ao zoneamento ambiental, e os anexos, que ilustram a atual situação e as futuras transformações a serem promovidas nesses espaços.
“Está colocado diversas vezes, principalmente no tocante às diretrizes e objetivos do PDU, a preocupação de se levar em consideração a importância das questões ambientais no ordenamento do território municipal. Destaque deve ser dado ao art. 23 que propõe ampliação de áreas verdes e contenção da ocupação das áreas de proteção ambiental”, destacam os técnicos.
No entanto, prosseguem, “quando são analisados os anexos 01, 02 e 11 do projeto de lei, ou seja, o zoneamento ambiental propriamente dito, não se visualiza a expansão das áreas de proteção ambiental, nem a criação de novas áreas, muito menos ampliação de espaços naturais de preservação. Pelo contrário, o que se percebe é a supressão de áreas ambientais que possuem suma importância para manutenção de ambientes ecológicos e que respondem pela conexão paisagística e ecológica com espaços naturais especialmente protegidos (unidades de conservação e áreas de preservação permanente). Nos mapas dos anexos 01 – Macrozoneamento, 02 – Zoneamento de Uso e Ocupação e 11 – Zoneamento Aeroporto – ZOE 1 destaca-se na elipse em vermelho as áreas onde há supressão de espaços naturais para expansão urbana, contrariando, de certa forma, os dispositivos da própria lei”, acentuam.
A conectividade entre os poucos espaços verdes da cidade, informa o parecer, “é primordial para reprodução dos processos ecológicos em ambientes urbanos, além de evitar a ocupação urbana dessas áreas, impedindo a degradação ambiental desses subespaços, diminuição das áreas verdes e processos de inundação, pois elas se encontram nas chamadas bacias críticas do anexo 13 do projeto de lei, estando sujeitas a processos de inundação. Ou seja, se são bacias críticas onde o ordenamento e a ocupação precisam ser realizados de forma planejada, não há motivos técnicos para que as áreas verdes desses espaços sejam suprimidas, uma vez que a ocupação, intervenção urbana, ou aterramento dessas áreas provocará modificações nos processos hidrológicos dessas bacias que já se encontram situação crítica”, explica.
Elevada biodiversidade
Além das funções socioambientais vitais, as áreas verdes da cidade de Vitória chamam atenção pela elevada biodiversidade, especialmente a avifauna, com 114 espécies, pertencentes a 17 ordens e 37 famílias. “Essa quantidade é tão significativa que ela é comparável a cerca de 65,6% da quantidade de espécies encontradas na Restinga do Parque Estadual Paulo César Vinha, uma unidade de conservação de proteção integral das mais importantes do Espírito Santo e das mais protegidas”, destacam os analistas ambientais do Iema.
“Esses dados foram compilados com levantamentos incipientes, com campanhas de campo realizadas em curto espaço de tempo. Desta forma não há nenhuma sombra de dúvida de que a diversidade de fauna e flora presentes nessas áreas verdes pode ser bem maior do que os números apresentados, ainda que haja forte intervenção antrópica na área com as obras de ampliação do aeroporto, áreas urbanas e complexo industrial da Vale e ArcelorMittal”, salientam.
'Mera promessa política'
Em suas conclusões, os técnicos apresentam quatro critérios que devem ser considerados na elaboração do zoneamento ambiental, que versam, primeiramente, sobre a necessidade de modificar o macrozoneamento do município (anexo 1), “considerando as áreas verdes presentes ao redor do aeroporto de Vitória e complexo industrial da Vale e ArcelorMittal como de interesse ambiental”, ao invés de área urbana consolidada, como consta atualmente no mapa. “Embora esteja dentro do perímetro urbano do município, não apresenta todos os quesitos necessários para ser conceituado como área urbana consolidada, conforme a Lei Nº 13.645/2017”, argumentam.
Em segundo lugar, é necessário “manter a conectividade de todas as áreas verdes presentes no município, em função da importância ecológica, social e ambiental que essas áreas cumprem, principalmente para as unidades de conservação criadas por força da lei. Deve-se considerar, primordialmente, as áreas verdes inseridas no território do aeroporto e complexo industrial da Vale e ArcelorMittal, ou seja, na porção norte do município, como vitais para a conexão ecológica e paisagística com os manguezais da baia de Vitória”.
Os técnicos também orientam a Câmara de Vereadores a “impedir a ocupação dessas áreas, ainda que seja para obras de interesse viário, condominial ou expansão industrial, uma vez que as mesmas se encontram em estado incipiente de degradação e sem manejo adequado. Desta forma, o PDU cumpre com o que está disposto no art. 5º, 11 e 12 de seu próprio texto, deixando de ser mera promessa política”.
E instruem, ainda, a inserção de áreas de risco mapeadas no município, “uma vez que essas áreas necessitam do máximo de ordenamento e controle territorial de forma a evitar perda de vidas e desastres ambientais”.
Adiamento da votação
Um alerta sobre a importância dessas orientações técnicas foi feito pelo conselheiro do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) e presidente da ONG Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi Junior, na última terça-feira (20), durante uma reunião em que participaram doze dos quinze vereadores, para a apreciação dos pareceres dos relatores das comissões de Finanças, Mobilidade Urbana e Defesa do Consumidor, relativos ao PL 290/2017.
O ambientalista também argumentou que apresentou emendas, já acatadas pela Comissão de Políticas Urbanas, e um estudo sobre as lagoas na área da mineradora Vale, encaminhado também à Comissão.
O vereador Mazinho dos Anjos (PSD), no entanto, disse que “o documento não foi entregue oficialmente à Câmara, não tendo sido protocolado”, conforme informou no site da Câmara de Vitória.
Nas redes sociais da Juntos SOS, o presidente Eraylton publicou imagens do protocolo de encaminhamento do estudo e reprodução da mensagem enviada aos vereadores, por correio eletrônico, rogando para que a data de votação da minuta do PDU, em Plenário, seja adiada, para que haja tempo hábil à devida avaliação do parecer técnico do Iema.
“Os senhores têm a responsabilidade de definir critérios para o futuro de Vitória, que terão um prazo de validade de 10 anos”, clamou. “Serão 10 anos sem permissão para mudanças ou alterações; logo senhores, alguns dias a mais não terão a menor importância!!!!”, suplicou.