Em audiência na Assembleia, pescadores cobraram proibição da pesca em toda a área contaminada, auxílio e indenização
Reconhecimento de toda a área contaminada pelo crime da Samarco/Vale-VHP no litoral capixaba; pagamento de auxílio financeiro e indenização a todos os pescadores atingidos; e permissão para que os estados possam emitir os documentos de pescadores artesanais para cadastro na Fundação Renova.
Esses foram três dos principais pontos discutidos por lideranças de pescadores capixabas durante audiência pública realizada nessa quinta-feira (14) na Assembleia Legislativa, pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (Ctasp) da Câmara dos Deputados, a pedido do deputado federal Neucimar Fraga (PP), que atendeu ao pleito das associações de pescadores.
O debate contou com a presença de diversas lideranças da pesca que relataram manobras engendradas pela Fundação Renova desde que foi criada, em 2016, e que têm gerado sofrimento para os pescadores e a sociedade em geral.
“A gente achava que a Justiça, por ser lenta, seria melhor criar a Fundação Renova, para agilizar. Mas passados quase sete anos, a Renova está mais lenta que a Justiça”, criticou Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca, Coordenador geral do Movimentos dos Pescadores e Pescadoras (MPP) e presidente da Associação de Pescadores de Jacaraípe e da Federação das Associações de Pescadores Profissionais e Aquicultores do Estado do Espírito Santo (Fapaes).
“Não dá nem para acreditar que essa empresa [Renova] vem resistindo esse tempo todo. O nome dela está certo, porque a cada ano, ela renova o crime, porque força o pescador a entrar na água contaminada para tirar seu sustento”, aponta.
A liderança conta que as dificuldades em obter a documentação exigida para o cadastro dos atingidos foram provocadas pela própria Fundação. “A Renova foi em Brasília, na SAP nacional [Secretaria de Aquicultura e Pesca, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)] pedir para o Ministério proibir os estados [superintendências federais do Mapa nos estados] de mandarem a documentação dos pescadores. Mas a SPA não consegue enviar os documentos e nós ficamos sem auxílio, sem indenização e sem poder trabalhar direito, porque o mar está todo contaminado”, expõe.
A crítica foi ressaltada, na audiência, pelo requerente, Neucimar Fraga. “É uma exigência absurda. A superintendência regional tem fé pública como a SAP. Parece uma ferramenta para dificultar a emissão da declaração. As superintendências estão mais próximas da realidade local. Vamos convocá-los [a Renova] para a reunião da Comissão de Trabalho”, disse.
Nego da Pesca explica que a Renova não aceita nem a carteira de pescador profissional (RGP) como comprovante para o cadastro nos programas de auxílio e indenização, tampouco as licenças de embarcação, que são renovadas todos os anos. “Nada disso serve como prova?”, indigna-se.
Camaroeiros
Assim como o coordenador do MPP, todos os pescadores de camarão estão proibidos de pescar na região da Foz do Rio Doce, mas não recebem qualquer compensação financeira. As duas exceções são para os que também residem na região ou os camaroeiros da Praia do Suá, em Vitória, que conseguiram um acordo com a Renova, graças à ação incisiva da Defensoria Pública Estadual (DPES). “A área de camarão está proibida! Meu barco está sendo sucateado em Jacaraípe, não tenho como trabalhar”, roga.
Litoral da Serra
Sobre o litoral serrano, Nego da Pesca ressalta ainda a necessidade de inclui-lo por inteiro na área reconhecida como atingida pelo crime. “A Serra está a 30 milhas da Foz do Rio Doce, e durante 80% do ano, recebe a água contaminada que vem de lá, porque as correntes são no sentido sul na maior parte do ano. Mas nem 5% do município foi reconhecido, só Nova Almeida entrou. Agora, Itaúnas, que está a 70 milhas da foz e só recebe as correntes de lá em 20% no ano, foi reconhecida!”, compara.
A inclusão de todo o litoral serrano é reivindicada há muito tempo, relata. “Temos uma petição com 45 páginas que já foi entregue em várias Câmaras Técnicas do CIF [Comitê Interfederativo, criado para fiscalizar e deliberar sobre as ações executadas pela Renova para compensar e reparar os danos do crime], está na mesa do juiz da 12ª Vara, o MPF [Ministério Público Federal] sabe disso também, a Defensoria, o Fundo Brasil de Direitos Humanos…onde você pensar, nós já protocolamos”.
Agora, se por um lado a Fundação não reconhece o território atingido na Serra e dificulta a obtenção dos documentos para cadastro dos pescadores, concede auxílio e indenização para quem não é reconhecido como pescador. “Ela vem dividindo de novo a comunidade, porque pega um sujeito que não é pescador e paga a ele, mas quem pesca de verdade fica sem. Só para gerar discórdia”, denuncia.
Ausência da Renova
Peça central do debate, a Fundação Renova não compareceu à audiência pública. “A nossa maior revolta lá foi com essa ausência da Renova. Por isso o deputado vai convocá-la em Brasília”, relata Nego.
Conforme informou a Assembleia, a Renova justificou a ausência por meio de um ofício, alegando que só se manifestaria em juízo sobre o assunto, já que os pedidos de indenizações estão judicializados.
Declarações
Dois servidores do Mapa compareceram de modo virtual ao encontro e apresentaram as informações do ministério. O responsável pela Superintendência Federal de Minas Gerais, Renato Silva, contou que a Renova solicitou ao Mapa declaração de quase 1,5 mil pescadores, que foi feita uma análise técnica e as informações prestadas na última sexta (8).
Segundo o servidor, um dos problemas relacionados à declaração é que a Renova só aceita o documento emitido diretamente pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) do Mapa, recusando quando a validação é feita pelas superintendências federais.
Já Aline Vosgrau, coordenadora do Departamento de Registro, Monitoramento e Fomento de Aquicultura e Pesca, falou que, após a primeira lista com 1,5 mil nomes, a Renova encaminhou mais uma com cerca de 200 nomes e deve enviar ainda uma terceira. O órgão faz a avaliação para confirmar a condição de pescador e devolve para a fundação.
Ela destacou que, dentre os 103 servidores do Mapa, 15 lidam diretamente com os pescadores. Vosgrau admitiu que o sistema do Ministério enfrenta algumas dificuldades de lentidão, mas pediu que os pescadores façam o recadastramento para facilitar a interlocução com a Renova. Além disso, afirmou que foi disponibilizado atendimento telefônico específico para os pescadores que não conseguem completar as informações no sistema. “Tentamos responder o mais rápido possível. Nossa intenção é facilitar esse fluxo, para evitar que o pescador perca prazos”, afirmou.