Casagrande traz a vitória da melhor proposta ambiental, mas é preciso derrubar tabus e humanizar as ações
A reeleição de Renato Casagrande (PSB) para o governo do Estado traz, no tocante à luta socioambiental, a vitória da melhor proposta de governo na área de meio ambiente, quando comparada com a de seu adversário no segundo turno, o bolsonarista Carlos Manato (PL). Mas evidencia também a necessidade de derrubar tabus tipicamente capixabas e de incluir de fato a dimensão social na temática, ou seja, tratar as pautas climática e de reflorestamento, em que Casagrande tem despontado com protagonismo nacional, de forma mais integral e democrática, com diálogo efetivo com movimentos sociais do campo e comunidades tradicionais.
Sinais frágeis de um possível avanço nesse sentido foram sendo dados ao longo deste ano, quando das audiências do governador com alguns setores até então nunca recebidos no Palácio Anchieta, como as mulheres quilombolas, no oito de março.
Já nas vésperas do segundo turno, um termo de compromisso assinado por Casagrande com o Fórum Igreja & Sociedade em Ação lista pontos delicados dessa temática. O documento, denominado “Espírito Santo hoje: um pacto pelo nosso futuro”, tem dois itens caros à luta quilombola e indígena: “12 – Defesa dos direitos dos povos originários, quilombolas e indígenas, com garantia do acesso à terra, à água, educação de qualidade e vidas sem violências”; e “13 – Compromisso com a pauta ambiental, especialmente na mediação dos conflitos advindos da questão ambiental e elaboração, com ampla participação popular, da Política Estadual de Atingidos por barragens, grandes empreendimentos, desastres ambientais e antropogênicos”.
As chances de que saiam do papel e ganhem efetividade na prática dependem da continuidade de manter o assunto em evidência. “Iremos cobrar”, afirma a advogada popular quilombola e membro da Comissão Quilombola do Sapê do Norte, Josiane Santos, uma das representantes quilombola da mobilização pelo documento.
Outro grupo marginalizado – e, mais que isso, criminalizado pelos governos bolsonaristas – nos debates por políticas públicas, os sem-terra também dialogaram com Casagrande durante a atual gestão. “Em 2022, fomos recebidos para três audiências com Renato. Temos um processo em curso sobre a pauta da terra, com as terras patrimoniais e possibilidade de permuta de algumas áreas. Na conjuntura eleitoral hoje, a reeleição de Renato seria oportunidade de continuar em prática esse trabalho”, afirmou Carolino da Silva, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Espírito Santo.
A reeleição do socialista no Estado, somado à vitória de Lula (PT) em Brasília, fortalece essa expectativa. O presidente eleito não se furta a defender a importância do MST e da reforma agrária para a justiça fundiária brasileira, prevista na Constituição Federal, e para a produção de alimentos saudáveis para a população.
Mas, novamente, a implementação de ações práticas resultantes desses diálogos e compromissos assinados dependem, fortemente, da capacidade de mobilização dos próprios movimentos sociais. “Todo governo é assim: depende da força política das massas, das classes. A gente precisa retomar a luta da classe trabalhadora, tanto no campo quanto na cidade. O próprio Lula, se não tiver mobilização de rua, nós não vamos ter conquistas. Porque a estrutura do Estado funciona na pressão. Precisamos ter luta, gente nas mesas de negociação e também nas ruas”, explica Carolino.
Tabus
Se, no tocante à luta quilombola e pela reforma agrária, o otimismo consegue penetrar em algumas frágeis arestas abertas na rígida estrutura de poder empenhada historicamente pelo Palácio Anchieta, por meio das agendas conquistadas pelos movimentos sociais ao longo de 2022, há pontos da pauta socioambiental que continuam tabus inabalados: a expansão desenfreada do deserto verde da Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria) e a poluição do ar na Grande Vitória, provocada pela Vale e a ArcelorMittal.
Ambos inexistem na proposta de governo de Casagrande – assim como não constam também nas dos demais candidatos, derrotados, à exceção do Capitão Vinícius Souza (PSTU) – e ainda não foram alvo de diálogos ou termos de compromisso específicos demandados pela sociedade civil.
No vácuo de uma mobilização social potente, prevalece o modus operandi padrão dos sucessivos governos estaduais. Sobre o pó preto e outros poluentes atmosféricos lançados pelas gigantes da Ponta de Tubarão, Casagrande herdou os Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados por Paulo Hartung (sem partido), com intermediação do Ministério Público Estadual (MPES), que não estabelecem qualquer meta numérica de redução dos poluentes, falha grava já apontada inclusive pelo perito judicial da ação civil pública impetrada em 2006 pelas ONGs Juntos SOS ES Ambiental e Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama).
Casagrande, por sua, vez nomeou o “homem da Vale” – Alaimar Fiuza, funcionário de carreira da Vale por trinta anos – como presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), inviabilizando qualquer possibilidade de que a principal autarquia ambiental capixaba atue no sentido medidas vigorosas de redução de poluentes por parte da mineradora ou da siderúrgica.
E, assim, segue o Espírito Santo com padrões de qualidade do ar defasados e muito mais permissivos que os novos valores estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Algum sinal de mudança e imposição de medidas efetivas de redução dos poluentes, com fiscalização rigorosa por parte do MPES e dos órgãos ambientais do Estado? Por enquanto, não.
O deserto verde é outro tabu capixaba relevante. Enxergar o avanço dos monocultivos de eucalipto da Suzano como uma dinâmica perniciosa do ponto de socioambiental é algo que ainda não aconteceu no Espírito Santo. Prova disso é a atuação de Casagrande durante a COP-26 ano passado. Eleito presidente da Coalização de Governadores pelo clima, o governador capixaba trata as mudanças climáticas a partir de uma matemática medíocre de sequestro de carbono, em que os monocultivos são vistos como estratégica de captura de carbono, que, inclusive, pode compensar as excessivas emissões do setor petroleiro.
A estratégia desconsidera um vasto arcabouço científico sobre a necessidade de preservar a biodiversidade por meio de um amplo programa de restauração ambiental, tanto na Mata Atlântica, quanto nas restingas, manguezais e matas ciliares.
Também é necessário proteger as florestas maduras, ao invés de simplesmente manter uma média de 20% de cobertura de mata nativa no território estadual, mesmo que à base de substituição de florestas antigas – altamente resilientes e biodiversas – por matas jovens, reflorestadas sobre áreas desmatadas.
O programa Reflorestar, criado no primeiro mandato de Casagrande – 2011 a 2014 – é uma referência nacional do assunto, mas engatinha com números tímidos e inferiores ao ainda acelerado avanço dos grandes plantios de eucalipto, que dobraram a extensão ocupada no Estado desde 1985, e se mantém mais agressiva no norte do Estado.