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‘Pensar a educação como a preparação do corpo para sentir, aprender e sonhar’

“Pensar o corpo como o lugar onde o conhecimento reverbera os saberes da mente e do espírito. Pensar a educação como a preparação do corpo para sentir, aprender e sonhar”. A reflexão poética e libertária, sensitiva e questionadora, é de Arlete Pinheiro Schubert, professora e autora do livro Lutas territoriais Tupinikim – saberes e lugares conhecidos, que será lançado no primeiro dia da Festa Literária Capixaba (Flic), 23 de Maio, de 14h Às 18h.

Publicado pela Appris Editora, em sua Coleção Educação, a obra aborda o caráter educativo das lutas territoriais do povo Tupinikim entre 2004 e 2007, que resultou na ampliação da Terra Indígena em Aracruz, norte do Espírito Santo. É resultado da pesquisa de Mestrado de Arlete, sob orientação do professor Erineu Foerste, que coordena o grupo de estudos Culturas e Parcerias na Educação do Campo, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

“A ação educativa que aconteceu na luta pela terra foi mais ampla do que a educação na escola”, sentencia, em entrevista a Século Diário, a autora, introduzindo assim uma série de fatos e argumentações que embasam sua constatação, e são demonstrados desde a apresentação até as considerações finais.

Um dos momentos em que o leitor praticamente visualiza esse processo é na descrição dos preparativos que se antecederam à retomada propriamente dita das terras, em 2005, como o resgate do papel dos anciãos na guarda dos conhecimentos ancestrais sobre lugares, lendas e plantas; na pintura do corpo com as tintas naturais e enfeites tradicionais; nos cantos e danças do congo “como era de costume” nas festas que congregavam as aldeias, no passado.

“Meses antes de iniciarem propriamente a ação, os indígenas expressaram sua insatisfação, lançando mão de preparativos tradicionais: se despiram de suas roupas usuais e, seminus, pintados e adornados com cocares e colares, explicitaram seu não condicionamento às normas e às regras da sociedade não indígena. Expressaram e (de)marcaram suas territorialidades com antigas pinturas corporais trabalhadas à base de urucum e jenipapo, e com a confecção de armas e adornos tradicionais que dominaram o cenário preparatório para a luta. No momento determinado, centenas de pessoas entraram na mata, organizadas em grupos aparentemente espontâneos”, narra Arlete, testemunha ocular dos acontecimentos, transcorridos em meio ao deserto verde da Aracruz Celulose (Fibria), onde os Tupinikim e Guarani, juntos, derrubaram eucaliptos para reocupar com luta, memória e vida a terra que lhes foi usurpada.

A constatação inconteste do caráter educativo da luta pela terra traz um enorme desafio, enfatiza Arlete ao longo da publicação: trazer esse caráter educativo para o universo acadêmico requer “a geração de novos aportes teóricos e metodológicos de educação que favoreçam compreensões de mundo e que considerem a práxis e os saberes de todas as gentes”.

No seu entender, “a Academia precisa se abrir para a questão indígena, para ajudar a pensar e encontrar as pistas para aprender essa perspectiva de aprendizado. Penso que talvez uma tarefa importante da escola seja beber nesses espaços, nessas dinâmicas dos movimentos sociais”, convida.

“Procurei olhar para as pessoas como autoridades do saber, embora fossem pessoas afetadas positiva ou negativamente pelos acontecimentos do momento/contexto”, ensina, ao contar sobre seu processo de observação e pesquisa.

O corpo

“Procurei compreender quais eram as razões que lhes moviam, como se posicionavam frente às interdições em seu território, como repercutia em seus modos de viver”, conta, citando como exemplos as placas que comunicavam proibições para nadar, banhar, caçar, pescar, plantar e colher em seu próprio território. 

“As proibições para o corpo, para a existência de um dado modo de ser repercutem diretamente na identidade, no modo de ser indígena desse lugar. A luta territorial não pode se realizar sem promover a autoafirmação indígena, do seu modo de ser e viver. É preciso dar condição ao corpo para cuidar de si, dos seus”, proclama.

O debate acadêmico sobre a questão precisa alargar a compreensão, “no sentido de que a luta não foi somente porque queriam ou tinham direito a mais terra, mas também é porque os campos, as possibilidades de vida se estreitavam reduziram … E nesse sentido, havia um vazio de tudo aquilo que eles acreditaram que foram e que são hoje … Então é que observamos que entra em cena a memória do passado para ‘iluminar’ os fragmentos, as ruínas do que foram e desejam ser um dia…”, pondera.

Novas gerações

“As lutas territoriais se tornaram também disputas por reconhecimento étnico”, enfatiza Arlete ao longo do livro. Reconhecimento esse em que se pode observar um riquíssimo processo de reelaboração de memórias, histórias e tradições. “Traços culturais, antes pouco visíveis no dia a dia dos indígenas, e práticas aparentando pouca relevância se mostraram de forma intensa no movimento de lutas”, conta.

E onde se pretende/pode chegar, com todas essas novas percepções e reflexões acadêmicas? A resposta vem em forma de anúncio: “entendo que agora será o momento de perceber mais o que chamo de ‘transmissões educativas’ nas lutas territoriais, pois a geração atual das aldeias Tupinikim está se colocando enquanto indígena. Penso que esses são alguns dos desafios que emergem de reflexão apresentada no livro e que pretendo ainda trabalhar”, destaca.

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