Um conjunto de medidas, entre emergenciais e estruturais, foi proposto pela direção estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Espírito Santo. A direção se reuniu este mês, em São Gabriel da Palha, e divulgou, nesta sexta-feira (13), um documento com criticas e sugestões. O texto faz uma análise em profundidade sobre o tema, e é considerado uma aula sobre recursos hídricos.
A devastação que o atual período de estiagem vem provocando no Espírito Santo poderia ser minimizada se práticas conservacionistas fossem empregadas. No Estado, porém, o governo e as prefeituras só agem quando começa a faltar água, como a situação caótica atual que apreensão aos moradores da Grande Vitória.
Entre as medidas estruturais que a direção do MPA apresenta estão o reflorestamento com retorno econômico, com a implantação de reflorestamentos em todas as propriedades que garantam retorno econômico para as famílias, seja por sistemas agroflorestais que produzam frutas, palmitos, madeira etc., ou pelo pagamento por serviços ecossistêmicos feitos pelos camponeses que beneficiam a toda a sociedade.
Também é proposta a recuperação de nascentes. Para isso é preciso implantar programas locais para recuperação de nascentes, incluindo mudas, cercas, etc… de modo a fazer recuperação massiva de todas as nascentes.
Também é defendida a construção de pequenas barragens. É preciso, para efetivar esta medida, proporcionar a todas as famílias camponesas horas de máquina para a construção de pequenas barragens (inferior a um hectare a de lamina de água), para aumentar a água armazenada.
Seguem os dirigentes do MPA propondo a alteração de modelo produtivo. Para isso é preciso alterar modelo tecnológico de produção do café direcionando as pesquisas para a produtividade, mas em sistemas resilientes, menos suscetíveis ao ataque generalizado de pragas e doenças e a estiagens.
E, uma prática diferente no uso de irrigação. Com substituição de sistemas. A irrigação é algo importante e necessário, mas o seu correto uso, a tecnologia apropriada a cada tipo de solo e cultivo, bem como a quantidade e periodicidade de irrigação, não são questões de amplo conhecimento, sendo necessária a realização de processos de formação para o correto uso da irrigação, bem como das práticas de conservação da água no solo e para os casos que forem necessários as adequações de sistema deve haver crédito específico para estas alterações.
Veja a íntegra da análise dos dirigentes dos pequenos agricultores na “Carta aberta do MPA sobre a situação de estiagem no Estado: “Verões Extremos”.
O Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA é uma organização autônoma de massa e que organiza camponeses e camponesas em todo o Brasil, no ES temos uma base organizada com mais de 2 mil famílias camponesas em 31 municípios, viemos a publico manifestar a preocupação de nossa base assim como de todo o povo capixaba com a conjuntura climática de nosso estado.
Se no verão passado tivemos chuvas torrenciais, mortes e prejuízos econômicos pelas enchentes neste verão é o sol que nos castiga, fomos de um extremo ao outro e estamos experimentando as respostas da natureza à ação humana. Sabemos que os impactos destes extremos atingem a todos e todas, no entanto quem mais sofre são os pobres sejam do campo ou da cidade, nós do MPA acreditamos que são necessárias medidas emergenciais que deem resposta imediata a essa conjuntura, mas também são necessárias medidas estruturais que revertam a situação em que estamos.
O que está acontecendo com nosso clima?
No meio cientifico não há consenso sobre as mudanças climáticas, suas causas e efeitos, mas há um conjunto grande de estudos que apontam elementos centrais que nos ajudam a entender o que está acontecendo:
Especificidade da Região Sudeste
Se olharmos para o globo terrestre veremos que na mesma faixa onde está o sudeste brasileiro existem grandes desertos, por isso poderia se dizer que naturalmente teríamos aqui um deserto, mas temos na verdade uma região muito produtiva, que concentra 44% da população brasileira. A vegetação daqui era a mata atlântica que foi amplamente devastada, restam em todo o Brasil cerca de 12% da área original preservada. Somados então a existência de grandes centros urbanos, devastação da floresta nativa e a posição geográfica cria-se a condição de imprevisibilidade do tempo, as séries históricas e os complexos processos científicos de previsão do tempo não conseguem prever com antecedência nem as secas e nem as enchentes, cada vez mais constantes e mais intensas.
Tais variações têm impactos fortíssimos em função da vulnerabilidade da região, praticamente não temos mais vegetação nativa, os solos estão degradados, rios assoreados, e há um uso intenso da água para agricultura e indústria que ameaça constantemente os centros urbanos de escassez de água.
A importância da floresta
As florestas dentre suas inúmeras funções, cumprem um papel fundamental na regulação do clima e do ciclo hidrológico. A floresta nativa recebe a água da chuva e como esponja a retém e libera aos poucos alimentando nascentes e o lençol freático, atenuando os efeitos das enchentes e das estiagens, um volume de chuvas intensas como o que atingiu o espírito Santo em dezembro de 2013, se houvesse uma maior cobertura de floresta sem dúvida teria havido menos inundações, e as nascentes estariam ainda agora com água. Portanto a floresta regula a velocidade de circulação da água.
Além disso, a evaporação proporcionada pelas florestas impede a formação de massas de ar quente de alta pressão como o que está ocorrendo agora no sudeste brasileiro. Se houvesse maior cobertura nativa haveria mais umidade na atmosfera permitindo que as frentes frias chegassem até a região chovendo como deveria.
Mas, a destruição da floresta nativa do sudeste brasileiro não é fenômeno recente, por que tem este impacto agora?
A devastação da Amazônia e o sudeste
As chamadas “zona de convergências intertropicais do atlântico Sul” são verdadeiros rios aéreos que se formam sobre a Amazônia e vêm distribuindo água sobre o centro-oeste, sul e sudeste brasileiro. A existência desse fenômeno contribui para que os efeitos do desmatamento daqui não fossem sentidos. Mas a devastação da floresta amazônica que nos últimos 40 anos tiveram 184 milhões de hectares devastados (são 40 anos destruindo 2.000 árvores por minuto) o equivale a uma estrada de 2 km de largura da terra até a lua vem mostrando claramente seus resultados, no centro-oeste brasileiro e na própria Amazônia os períodos de estiagem têm sido mais longos e mais secos e as chuvas menos intensas, o impacto desta devastação é gravíssimo.
Para termos uma ideia da grandeza envolvida, o rio amazonas, o maior do mundo despeja no oceano todos os dias 17 bilhões de toneladas de água, 20% da água doce do mundo, e a floresta amazônica evapora por dia 20 bilhões de toneladas de água que se espalham sobre o território brasileiro alimentando as nascentes dos grandes rios brasileiros (Rio São Francisco, Rio Doce, Paraná, Paraíba do Sul, Tietê, entre outros).
A devastação da Amazônia chegou num ponto de rompimento do equilíbrio que está trazendo sérios problemas à toda a população brasileira. O uso do solo não é mais uma questão agronômica ou econômica, mais do que nunca é uma questão social e ambiental das quais depende o futuro e o presente do Brasil.
Consequências destes extremos e sua gravidade
Estes extremos sem sistemas de proteção resultam em vulnerabilidade igualmente extrema da população. Seja pelas percas na produção agropecuária, seja pela falta de água para uso doméstico e até mesmo pelo racionamento de energia, afinal, grande parte da nossa energia depende de água para ser gerada.
Os sistemas de abastecimento urbano mostram neste ano suas fragilidades a falta de investimentos e de uso racional da água evidencia que não há nenhum espaço para a gestão de crises como essas que estamos vivendo, 20 milhões em São Paulo correm o risco de ficar com as torneiras totalmente secas, além de restrições no abastecimento de água nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia e até mesmo Cuiabá.
No caso da agricultura, em especifico na região norte do Espírito Santo, o MPA já vem há anos alertando para o risco de vivermos crises graves, pois houve uma especialização na produção de café, diversos outras atividades agrícolas foram abandonadas e o cultivo do café foi profundamente alterado adotando-se um modelo de alta produtividade, porém de intenso uso de insumos químicos e de água, e com alto custo de produção. O resultado disso é que há um estrangulamento no cultivo do café, estamos já há uns anos trabalhando no limite seja pelo baixo preço do café frente ao custo de produção, seja pelo ataque cada vez mais forte de novas pragas (cochonilha, broca da vareta, lagarta, etc), seja pelo desgaste do solo ou ainda pela insuficiência de água para irrigação, cada vez mais necessária. Há 20 anos atrás, se irrigava somente para a floração, hoje se irriga todas as semanas em que não chove, isso resulta num consumo de água de irrigação na faixa de 60 mil litros de água por saca de café.
Com todos esses ingredientes, um dezembro de pouca chuva e um janeiro de sol escaldante produziu um prejuízo na agropecuária do ES da ordem de 1,3 bilhões de reais, só na cafeicultura segundo a Secretaria Estadual de Agricultura são 900 milhões de reais, 30% da safra está comprometida.
Ainda que chova hoje ou amanhã, este prejuízo está dado e pode ser ainda maior, pois os cálculos são conservadores. O que significa hoje para as famílias uma perca de 30% na safra de café?
Significa o resultado econômico de um ano de trabalho, o custo de produção de uma saca de café na safra atual é da ordem de R$ 250,00 por saca (incluindo custeio da lavoura e amortização dos investimentos para formação da lavoura), o valor de venda é de R$ 275,00 por saca, ou seja, 10% de renda, se a perca for de 30% significa que a colheita não cobrirá as despesas de produção muito menos um excedente para a família custear as despesas de mais um ano. Aqueles bens que décadas de trabalho produziram, como um carro ou uma moto acabarão por ser vendidos para cobrir as dívidas.
Para nós do MPA tal situação implica no desanimo das famílias camponesas, a saída do campo, e uma queda acentuada na atividade econômica dos municípios do interior do ES, levando a demissões, queda de arrecadação, entre outras consequências, não é isso que os camponeses e camponesas que constituem o MPA desejam para seu futuro, todas as famílias querem continuar vivendo e produzindo no campo com respeito e dignidade, no entanto afirmamos que medidas precisam ser urgentemente tomadas e o governo não pode ignorar essa situação, pois se a enchente em algumas horas cria prejuízos grandes, e para algumas famílias irrecuperáveis, a seca traz um prejuízo que se arrastará por meses até anos a ser superada.
Medidas emergenciais
Historicamente o MPA vem propondo em suas pautas de reivindicações ao governo medidas, que fortaleçam o campesinato e que deixe o estado preparado para superar condições adversas como essa, muitas vezes fomos ignorados e nossas propostas foram esquecidas ou tratadas com desconsideração pelos governantes , mais uma vez queremos expressar a toda sociedade medidas para que possamos ultrapassar esse momento difícil para o campo e a cidade:
Dívidas:
Anistia das dívidas do PRONAF a vencer em 2015.
Controle do Uso de Irrigação:
Irrigação só deve ser permitida com uso de práticas de conservação de água no solo: cobertura viva e morta do solo, quebra vento, plano de incremento de matéria orgânica no solo, limitar o uso de grandes sistemas de irrigação que para beneficiar um proprietário deixam dezenas de famílias/ comunidades inteiras sem água, implantar sistemas comunitários de gestão da água mediados pelo poder público local;
Seguro para as famílias camponesas
Em situações de eventos climáticos extremos os pequenos agricultores são diretamente impactados economicamente. Isso gera um desequilíbrio na economia a familiar, levando muitas famílias, em especial os jovens a saírem do campo. Os efeitos na economia camponesa, especialmente da seca, perduram por longos períodos, mesmo após o tempo voltar a regularidade. Em muitas culturas, o tempo de recuperação pode chegar a um ano. É responsabilidade de Estado proteger as populações afetadas por estes eventos climáticos, com políticas publicas eficientes e desburocratizadas. No caso do campesinato trata-se uma classe estratégica para a soberania da nação, pois, se comparando com a agricultura empresarial, é a única que pode suprir a população de alimentos. Sendo assim, proteger os pequenos agricultores não é um favor, é uma questão estratégica de nação. Diante do exposto o Movimento dos Pequenos Agricultores propõe ao governo a criação de um seguro que proporcione ao campesinato segurança e estabilidade econômica.
Propomos
Um salário mínimo mensal por membro familiar acima de 16 anos, no caso de agricultores aposentados o
valor será de 50% de um salário mínimo, todas as vezes que for decretado estado de emergência no município por situação de seca, enchentes ou outro fator climático enquanto durar a existência do prejuízo econômico. No caso da seca, a família receberá o benefício até normalizar- estabilizar a sua a produção. O seguro vale somente para agricultores dos grupos familiares que cuja renda seja 100% proveniente da produção agropecuária, nos casos de agricultores com outra fonte de renda o pagamento será na proporção da renda agropecuária de acordo com declaração da DAP.
Crédito emergencial subsidiado para a produção diversificada
Disponibilizar as famílias camponesas linha de crédito para diversificar a produção na implantação de atividades agropecuárias de menor uso de água, e destinado à alimentação. Seria financiado desde infraestruturas de agroindústrias para melhor aproveitamento das frutas nativas, recuperação de solo, implantação de hortas e pomares, etc.
Compras públicas de alimentos
Poder público local aumentar o volume de compras de alimentos seja para escolas ou outras instituições do município bem como apoiar na execução do PAA, para que se garanta através da produção de alimentos renda e possibilidade de diversificação da produção superando a dependência do café e rompendo com o modelo implantado que não serve ao campesinato.
Medidas estruturais
Reflorestamento com retorno econômico
Implantar reflorestamentos em todas as propriedades que garantam retorno econômico para as famílias seja por sistemas agroflorestais que produzam frutas, palmitos, madeira, etc., ou pelo pagamento por serviços ecossistêmicos feitos pelos camponeses que beneficiam a toda a sociedade.
Recuperação de nascentes
Implantar programas locais para recuperação de nascentes, incluindo mudas, cercas, etc… de modo a fazer recuperação massiva de todas as nascentes.
Construção de pequenas barragens
Proporcionar a todas as famílias camponesas horas de máquina para a construção de pequenas barragens (inferior a 1 ha de lamina de água), para aumentar a água armazenada.
Alteração de modelo produtivo Alterar modelo tecnológico de produção do café direcionando as pesquisas para a produtividade, mas em sistemas resilientes, menos suscetíveis ao ataque generalizado de pragas e doenças e a estiagens.
Uso de irrigação – Substituição de sistemas
A irrigação é algo importante e necessário em nossa região, mas o seu correto uso, a tecnologia apropriada a cada tipo de solo e cultivo, bem como a quantidade e periodicidade de irrigação são questões que não são de amplo conhecimento, sendo necessária a realização de processos de formação massiva para o correto uso da irrigação, bem como das práticas de conservação da água no solo e para os casos que forem necessários as adequações de sistema deve haver crédito específico para estas alterações.
Recuperação da mata atlântica no ES
Hoje no ES temos apenas 7% da área ocupada com vegetação nativa- mata atlântica. Que seja criado em todos os municípios viveiros de mudas de espécies nativas e frutíferas para recuperação de áreas degradadas, APPs, etc… que o governo lance uma meta de até 2030 chegar a 20% com a recuperação através de plantios de árvores. Isso vai gerar milhares de empregos, enorme produção de alimentos, e contribuição no fornecimento de água, além de no futuro fornecer material de construção de primeira qualidade.
Uso de recursos do pré-sal
Que 10% de todo o recurso arrecadado com o pré-sal seja destinado exclusivamente para a recuperação ambiental. É a única forma de justificar a exploração deste recurso natural. O Movimento dos Pequenos Agricultores defende um modelo de produção onde preservação e produção não se separam, acreditamos que só existe preservação se também existir o ser humano e só existe produção se também existir a natureza, o momento que estamos passando é reflexo do modelo de destruição que foi implantado, no entanto ainda temos totais condições de superarmos essa situação e recuperar a condição de equilíbrio ambiental que tínhamos a anos atrás, sem deixar de fazer agricultura, e também ampliar a produção de alimentos, no entanto precisamos de fato que o governo compreenda a importância do campesinato e invista na agricultura camponesa, na preservação ambiental, e nas tecnologias apropriadas para que os próximos momentos de estiagem sejam atravessados com tranquilidade e fartura, e não com medo e insegurança.
São Gabriel da Palha, 4 de fevereiro de 2015.
Direção Estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA – Espírito Santo
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