Sim, a Vale, é uma das empresas responsáveis pela poluição do ar na Grande Vitória. Também poluiu o mar na região de Camburi. Estas são duas das conclusões da pericia apresentada no processo da Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama) e pelo município de Vitória contra a Vale. A perícia da Anama confronta informações no processo apresentadas pela empresa.
A Anama apresentou outra ação contra a ArcelorMittal Tubarão, que também polui o ar na Grande Vitória. As duas ações foram juntadas pelo juiz que responde pelos processos, que também determinou a realização de perícia sobre as emissões da ArcelorMittal Tubarão.
Além da Vale, a ação da Anama denuncia como réus o Estado do Espírito Santo, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a União Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A ação tramita na 4ª Vara Federal Cível, cujo juiz é Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha.
A Ação Civil Pública da Anama recebeu o nº 2006.50.01.006596-7. O perito indicado pela autora é Eraylton Moreschi Junior, que se qualifica como engenheiro químico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), aposentado, ambientalista, presidente da Associação Juntos SOS ES Ambiental, conselheiro do Conselho Municipal de Meio Ambiental de Vitória (Comdema), membro do GTI Respira Vitória representando a sociedade capixaba, e nomeado assistente técnico da autora.
Quis saber o juiz em um dos quesitos se o empreendimento (Vale) “causou danos ambientais ao ar, solo e água da região da Grande Vitória e se irá efetivamente causar, ao longo dos anos vindouros: sedimentação, com a consequente necessidade de dragagem da Baia de Vitória, na região de Camburi e adjacências; aumento da concentração de poluentes compostos contendo, enxofre, nitrogênio, orgânicos de carbono, carbono, halogendos e material particulado (estado sólido e liquido), no ar, solo e água da região de Vitória/ES”.
O perito deu a resposta positiva, e se baseou nos números fornecidos pelo Inventário de Emissões Industriais e outras de 2009/2011, disponibilizado no site do Iema. No relatório, é informado que a Vale emitia material particulado total, tanto as PM10, como as PM2.5, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono, compostos orgânicos voláteis. O perito cita os números, em toneladas por dia e por ano.
E assinala em resposta ao quesito: “… Portanto, os danos ambientais ao ar são evidentes, porquanto comprovados através dos números de material particulado total emitido, que em um mês equivalem ao carregamento de 17 carretas de 27 toneladas deste poluente.
Consequentemente patentes os danos para a saúde do cidadão, uma vez que as emissões de material particulado PM 10 e PM 2,5 por mês equivalem ao carregamento de 13 carretas de 27 toneladas …”.
Cita a “Organização Mundial da Saúde (OMS): “A Poluição de pequenas partículas (PM 10 e PM 2,5) tem impacto sobre a saúde mesmo em concentrações muito baixas – na realidade nenhum patamar foi identificado abaixo do qual nenhum dano a saúde seja observado. Assim sendo, os limites Guidelines 2005 (para poluição) objetivam obter-se os níveis mais baixos de concentrações de PM possíveis”.
Também se refere o perito da Anama aos dados colhidos na pesquisa sobre “Caracterização Química e Morfológica de Partículas Sedimentadas na Região Metropolitana da Grande Vitória – ES”, em estudo de pós-graduação. A pesquisa aponta: “Observou-se que mais de 95% das Partículas Sedimentadas são menores que 10 µm (micra), entretanto, mais de 95% da massa depositado corresponde a partículas maiores que 10 µm.
Os fluxos de deposição medidos na região indicam níveis de deposição significativamente elevados e maiores do que os valores indicados na maioria dos padrões internacionais (entre 5,0 e 10 g/m2/mês). Enquanto no ponto sob maior influência de fontes industriais, foram predominantes as partículas ricas em C, que podem ser de origem orgânica, relacionadas a processos biogênicos, queima ou manuseio de carvão, e partículas com alto Fe, provavelmente relacionadas as atividades siderúrgicas da região.
Nesta região também foram encontradas as partículas de menor diâmetro. De maneira geral, observou-se que a influência de partículas relacionadas ao manuseio de minérios e pelotas é claramente dominante nas regiões mais próximas do pólo industrial, tendendo a diminuir com a distância”. A tese citada é de Melina Moreira Conti.
Eraylton Moreschi assinala que “os danos ambientais ao ar e ao cidadão são inquestionáveis, considerando que mensalmente se emite 320 toneladas de dióxido de enxofre (Vitória tem 4 vezes mais enxofre no ar do que a cidade de São Paulo – IBGE) – números astronômicos!”.
Afirma ainda o perito que “com relação à rede de Monitoramento da Qualidade do AR – RAMQAr na Grande Vitória: – Somente teve início o monitoramento de PM 2,5 no final de 2014, depois de ter ficado com os instrumentos de medição de PM 2,5 estocados por falta de acertos técnicos com a Empresa Ecosoft (empresa que presta serviços para as poluidoras da Ponta de Tubarão VALE S/A e Arcelor Mittal Brasil, tendo o serviço sido pago por uma poluidora), após descoberto por este assistente técnico quando de pesquisa no site do órgão”.
No site “dizia: Monitoramento da Qualidade do Ar Ainda no ano de 2010, 2 (dois) coletores de partículas de diâmetro de até 2,5 microns (PM2,5) serão instalados, passando a compor a RAMQAr. Informação também contida no Monitoramento da Qualidade do Ar no 7 Brasil, feito pelo Instituto de Saúde e Sustentabilidade.
Os equipamentos entraram em operação em seis meses como acordado no GTI Respira Vitória, e instalados pela Empresa Ecosoft, a mesma empresa que presta serviços de manutenção geral da rede de Monitoramento da Qualidade do AR – RAMQAr na Grande Vitória, que presta serviços para as poluidoras da Ponta de Tubarão, VALE S/A e Arcelor Mittal Brasil, interessadas diretas nos resultados das medições desta rede”.
E segue: “Essa circunstância por si só resultaria em suspeição em relação ao por que da demora de quatro anos na instalação do medidores de PM 2,5; nos resultados das medições da rede de monitoramento pela premente falta de isenção da ECOSOFT. Importante também é se salientar que a verticalização das cidades da grande Vitória e a disposição das atuais estações automáticas de monitoramento da qualidade do ar que foram implantadas há cerca de 14 anos atrás, e não sofreram acréscimo em seu número, são insuficientes para atestar a qualidade do ar na região”.
Defende: “Somente um inventário feito por instituição internacional e isenta, considerando que estamos falando de duas multinacionais, será a única forma de avaliar os verdadeiros impactos negativos dessas duas grandes empresas, que comprovadamente contaminam o ar e prejudicam a sadia qualidade de vida dos moradores de Vitória”. Cita uma organização internacional, TÜV Rheinland que, a seu ver, tem competência para realizar o estudo.
Em “… relação à rede de Monitoramento de Poeira Sedimentável: Esta não apresenta nenhuma garantia de inviolabilidade de suas amostras. Mais um exemplo claro desta situação foi por nós constatada nas estações de monitoramento de poeira na Ilha do Boi, Hotel SENAC e Clube Ítalo.
Na estação do hotel Senac a empresa Vale tem um jarro de coleta de amostras e segundo informações da gerência do Hotel a empresa que faz o acompanhamento e a ECOSOFT e que a mesma marca visitas via e-mails, tem registros das entradas, e de que os técnicos da ECOSOFT têm acesso direto ao ponto dos frascos sem nenhum acompanhante, ou seja, tem também acesso ao local onde estão os frascos do Iema. …”.
Ao juiz o perito da Amana diz que “a própria ré (Vale) em sua página na internet deixa bem claro que polui”. O perito é taxativo: “… Fundamentados em todas as citações acima, podemos fazer afirmação de que ré Vale é poluidora do ecossistema do seu entorno, causou danos ambientais, e como determina a legislação é uma criminosa ambiental que deverá estar sujeita aos rigores da Lei. … Mesmo com a suspeição dos dados, estes registram que na Ilha do Boi, conforme estudo da Ufes, na composição da poeira da Ilha do Boi há de 50 a 80% de poeira de pelotas de minério, coque e carvão”.
Sobre danos ambientais ao solo o perito afirma que “é fato público e notório que toneladas e toneladas de material particulado se sedimentam diariamente no solo da região da grande Vitória, sujando ruas, terrenos particulares, casas e etc. Em função desta sujeira que se acumula nas residências, empresas, órgãos públicos e etc., milhares e milhares de litros de água tratada são utilizados diariamente para remover esta sujeira, água que é insumo indispensável à sobrevivência do ser humano, da fauna e flora e etc …”.
Também confirma o perito os danos “ambientais a água da região da grande Vitória”. Lembra que “a praia de Camburi recebeu no período de 1969 a 1984 o efluente final do Complexo de Pelotização da Vale na Ponta de Tubarão contendo partículas de minério de ferro provenientes das Usinas de 1 a 4. A partir do ano de 1984 a Vale direcionou seus efluentes aos Tanques de recuperação, sendo o excedente encaminhado ao Sistema de Recuperação de Águas Industriais.
De 1984 a 2001 somente o extravasamento dos efluentes de drenagem das usinas atingiam a Praia de Camburi. A partir do ano de 2001 estes extravasamentos eram direcionados à bacia de sedimentação e reservação. Em 2003, a Tecnohidro mapeou a área norte da Praia de Camburi, e identificou que a área afetada por minério de ferro corresponde a 110 mil metros quadrados”.
Cita o perito que os efluentes lançados pela Vale produziram sedimentos marinhos do pacote do passivo ambiental que “… são tóxicos para espécies representativas da água e dos sedimentos”, e que “destaca-se que a baixa ocorrência de organismos pode estar relacionada a presença dos contaminantes depositados no local, evidencia essa observada no estudo da Aplysia (2005), e desta forma a permanência destas substâncias tóxicas neste ambiente, podem contribuir para a baixa diversidade de espécies”.
Na região já “existe a contaminação dos peixes, crustáceos e moluscos da Baía de Vitória e consequentemente bioacumulação, biomagnificação e desestruturação das comunidades, na Baía do Espírito Santo e de Vitória”.
E cita “o relatório técnico 378/2014 de avaliação do nível de contaminação por metais da fauna bentônica e da ictiofauna presentes na região norte da praia de Camburi e adjacências”. A Aplysia, empresa contratada pela Vale, indicou “que existe a presença e biodisponibilidade dos metais pesados aos moluscos e peixes estudados.”
“Arsênio e mercúrio foram encontrados na coluna d'água, sedimento e água intersticial no estuário da baía de Vitória, influenciado diretamente a condição de saúde dos peixes do ambiente”. Podem câncer. “… Os tipos de câncer associados à exposição crônica são o câncer de pele, pulmão (inalação), próstata, bexiga, rim e fígado”, aponta o perito Eraylton Moreschi, entre vários outros quesitos respondidos à Justiça Federal.