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Permissividade que mata: ES e Brasil não seguem padrões de poluição do ar da OMS

STF determinou ao Conama tornar padrões mais rígidos. No ES, PL nesse sentido está parado na Ales há 2 anos

Dorivan Marinho/SCO-STF

A permissividade da legislação de controle da qualidade do ar é uma perigosa realidade no Espírito Santo e no Brasil e, apesar das constantes denúncias da sociedade civil e de iniciativas jurídicas de aperfeiçoamento, continuam estagnadas, em padrões de poluição muito acima do que recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS) em sua última atualização, em setembro de 2021. 

À época, a OMS disse estimar que, a cada ano, a exposição à poluição do ar cause sete milhões de mortes prematuras e resulte na perda de milhões de anos de vida saudáveis. Em crianças, acentua a entidade, isso pode incluir redução do crescimento e função pulmonar, infecções respiratórias e agravamento da asma. Em adultos, a cardiopatia isquêmica e o acidente vascular cerebral são as causas mais comuns de morte prematura atribuíveis à poluição atmosférica, e também surgem evidências de outros efeitos, como diabetes e doenças neurodegenerativas.

Nesta quinta-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um importante passo para mudar esse cenário em âmbito nacional, ao determinar que o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) elabore uma nova Resolução sobre o assunto, em substituição à de número 491/2018, num prazo de 24 meses. A resolução atual continuará em vigor até que a nova norma seja publicada.

Repercutindo a decisão do Supremo, a ONG Juntos SOS ES Ambiental lembrou, em suas redes sociais, a necessidade de atualizar também o regramento legal no Estado, pedindo que o presidente da Assembleia Legislativa (Ales), Erick Musso (Republicanos) dê continuidade à tramitação do Projeto de Lei nº 328/2020, que “estabelece Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no âmbito do Estado de Espírito Santo e dá outras providências”

O PL é de autoria de Dary Pagung (PSB) e foi protocolado em junho de 2020, por ocasião das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente. Até agosto do mesmo ano, recebeu 52 emendas de diversos parlamentares, mais da metade delas feitas pelo deputado Sergio Majeski (PSDB), em conjunto com a Juntos SOS. Em março deste ano, Majeski inseriu uma Emenda Substitutiva. No entanto, nada ainda de apreciação pela Casa. 

Poluidoras sem controle

A ONG lembrou ainda que, além da permissibilidade da legislação, há ainda negligência do governo do Estado e do Ministério Público Estadual (MPES) em cobrar medidas efetivas de redução dos contaminantes emitidos pelas duas maiores poluidoras do Estado: a Vale e a ArcelorMittal, instaladas no complexo industrial e portuário de Tubarão, entre Vitória e Serra. 

Ao invés de rigor na fiscalização e licenciamento ambiental, os entes públicos contentam-se com os Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) nº 35 e 36, assinados com as empresas em 2018, mas que não estabelecem referências numéricas que permitam a avaliação real de redução da emissão de poluentes. 

“Estamos com quase três anos e oito meses das assinaturas e das obras dos TCAS 035 VALE e 036 ArcelorMittal, e no mês de maio, mês de baixa incidência de Pó Preto, ainda registramos muito pó preto! Infelizmente os TCAS não estipularam métricas quantitativas de partículas sedimentável para serem aval do atendimento ou não das obras dos TCAS. Tudo será considerado como atendido MP?”, perguntou a entidade em suas redes sociais. 

Logo após a proposição do PL 328/2020, a Juntos SOS apresentou dados de um estudo próprio feito sobre os relatórios divulgados pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) a partir dos dados da Rede Automática de Monitoramento da Qualidade do Ar (RAMQAr) composta por nove estações de monitoramento distribuídas na região metropolitana, nos municípios de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica. 

Em sua análise, a ONG verificou que houve aumento da poluição por material particulado havia aumentado entre 2018 e 2019, primeiro ano de vigência dos TCAs com as poluidoras, havendo casos em que o MP10, um dos poluentes mais perigosos para a saúde, segundo a OMS, registrou o triplo do volume.

Em dezembro passado, a ArcelorMittal anunciou um investimento de US$ 2 bilhões na diversificação de sua produção de aços laminados, antes mesmo de ingressar com pedido de licenciamento ambiental ao Iema

Dispositivos genéricos

A decisão do STF se deu em função do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6148, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em junho de 2019. “Embora utilize como referência os valores guia de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005, a resolução não dispõe de forma eficaz e adequada sobre os padrões de qualidade do ar, prevendo valores de padrões iniciais muito permissivos, deixando de fixar prazos peremptórios para o atingimento das sucessivas etapas de padrões de qualidade de ar e apresentando procedimento decisório vago”, argumentou, à época, o então vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia; 

Na sessão desta quinta-feira, porém, o atual procurador-geral, Augusto Aras, salientou que a ADI foi ajuizada na gestão anterior à sua e defendeu que não há inconstitucionalidades na resolução. Segundo ele, a edição foi precedida de amplo debate e traz uma política progressiva de proteção ambiental, contemplando recomendações da OMS.
Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, considerou que a norma não se coaduna com o dever constitucional de proteção eficiente ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225), à saúde (artigo 196) e à informação (artigo 5º, inciso XIV).

Assim, ela votou pela inconstitucionalidade da ação, sem pronúncia de nulidade, ou seja, a norma continua em vigor, mas determinando que o Conama edite norma, em um ano, com capacidade protetiva do meio ambiente em relação aos prazos e às providências de fiscalização e controle sobre o padrão de qualidade do ar.

A relatora reconheceu que a resolução trouxe avanços, usando índices baseados na orientação da OMS em 2005. Porém, ressaltou que a própria organização internacional já atualizou esses valores e que a norma não tem rigor nos prazos para que as unidades da federação cumpram as regras contidas nela. Também não prevê providências para incentivar os entes federativos a alcançarem as metas nem punição para quem não as cumprir. “Isso mostra o descaso do poder público com a poluição atmosférica”, apontou.

Segundo a ministra Cármen Lúcia, a resolução traz etapas para que os estados e o Distrito Federal cheguem no padrão final de qualidade do ar estipulado pela OMS. Contudo, caso não seja possível a migração para o padrão subsequente, permite que prevaleça o padrão já adotado. “Ou seja, neste caso, nos manteríamos nas mesmas condições que são, do ponto de vista sanitário, consideradas nocivas à saúde”, frisou.

Para o representante do Instituto Saúde Sustentabilidade, Hélio Wicher Neto, a norma tem impacto negativo na qualidade do ar no Brasil. A seu ver, a resolução é “uma autorização legal para emitir poluentes”.

Falando pelo Instituto Alana, Angela Moura Barbarulo lembrou que, de acordo com dados recentes da OMS, a poluição mata sete milhões de pessoas por ano no mundo, ou seja, 800 mortes a cada hora, e que, em 2019, mais de 90% da população mundial vivia em regiões onde a poluição ultrapassava os níveis estabelecidos pela organização em 2005 com relação à exposição prolongada a partículas finas.

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