Na Câmara, Karla Coser propõe Política e Fundo da Pesca. Pedidos de ajuda ao Estado e União estão em elaboração
O drama dos pescadores artesanais de Vitória chega a quase um mês e meio sem qualquer anúncio de diálogo por parte da Prefeitura de Vitória. Na manhã desta segunda-feira (17), um vídeo compartilhado nas redes sociais dos trabalhadores do mar afirma o desencanto com a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) e uma mobilização em direção a outras esferas, em busca de uma solução.
“Quarenta e três dias hoje. Todo mundo parado. Só as autoridades que podem dar uma resposta, mas até agora ninguém resolveu nada. Pelo municipal, prefeitura e vereadores, a gente não está conseguindo. Também está sendo restringido pelas emissoras de televisão. A gente vai emitir um documento para o governo do Estado e as esferas estaduais e federais”, relata o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes dos Santos, o Lambisgoia.
A decisão de expandir a luta para além dos limites da Capital aconteceu em reunião da categoria na última sexta-feira (14), após o impacto do posicionamento do prefeito durante sua prestação de contas na Câmara Municipal. Na ocasião, Pazolini se negou a fazer qualquer discussão aprofundada sobre o assunto, limitando-se a dizer que a solução para a demanda dos pescadores é a aprovação do PL de André Brandino (PSC), que propõe revogar a Lei municipal 9077/2017, quando a pesca artesanal foi proibida de súbito na cidade, criminalizando a profissão, que é tradicional na Capital e parte fundamental da identidade cultural capixaba.
Sancionada pelo ex-prefeito Luciano Rezende (Cidadania), a lei tem sido utilizada por Pazolini, ao lado de duas portarias do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para legitimar uma verdadeira perseguição aos pescadores artesanais. A decisão foi deflagrada no dia 6 de junho, por meio de uma operação conjunta de fiscalização, envolvendo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam), Capitania dos Portos, Polícias Ambiental e Federal e Ibama, que apreendeu apetrechos de pesca de pelo menos sete barcos camaroeiros.
Durante a prestação de contas, os pescadores também relataram a forma agressiva com que foram tratados no plenário pelos correligionários do prefeito. “A gente não vai atrapalhar trabalhador, não vai protestar, brigar, nada. Vai correr dentro dos nossos direitos, da lei”, reforça Lambisgoia. “A população está vendo, já está faltando o pescado. A gente quer trabalhar, dentro da lei”.
A estratégia de luta da categoria tem sido pacífica, inclusive durante sua ação mais contundente, que foi a decisão de não participar da procissão marítima que marca a tradicional Festa de São Pedro. No dia 2 de junho, os barcos dos trabalhadores não foram para o mar, em protesto à perseguição imposta pela prefeitura, que têm deixado muitas famílias em situação de vulnerabilidade . Até vaiado o prefeito Pazolini foi durante o evento, quando passou em frente a um dos píeres onde os trabalhadores se concentravam e conversavam com a população, explicando a medida radical de protesto.
Política e Fundo Municipal da Pesca
A decisão de ampliar a esfera da luta anda em paralelo à tramitação de dois projetos de lei elaborados pela vereadora Karla Coser (PT) e protocolados com assinaturas de coautoria de outros cinco parlamentares: André Moreira (Psol), Anderson Goggi (PP), Vinícius Simões (Cidadania), Dalto Neves (PDT), Luiz Paulo Amorim (SDD).
Os PLs propõem criar a “Política Municipal de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca Artesanal” e seu respectivo Fundo Municipal. O pressuposto básico é a importância da pesca para a cidade e o Estado. “A cadeia produtiva da pesca constitui-se importante segmento econômico, sendo uma das principais atividades da economia em 14 municípios litorâneos, ocupando o 10º lugar na escala nacional, responsável por 7% do PIB agropecuário do Espírito Santo. Cerca de 16 mil pescadores e 60 mil famílias vivem da pesca, representados por 68 associações de pescadores”, pontua a matéria.
A Política objetiva “promover o desenvolvimento sustentável, como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade garantindo assim o uso sustentável dos recursos pesqueiros”.
Tem como instrumentos de implementação: “a gestão compartilhada; a certificação de produtos de manejo comunitário da pesca artesanal; a certificação de produtos sustentáveis; o ordenamento pesqueiro; a educação básica, profissionalizante e ambiental; o sistema de informação e estatística pesqueira; o zoneamento pesqueiro; os incentivos por serviços ambientais; as unidades de conservação; os acordos locais; a pesquisa e inovação; o monitoramento pesqueiro; e o desenvolvimento tecnológico”.
O PL também estabelece a responsabilidade do município em fazer o “zoneamento de pesca, com vistas ao seu ordenamento e sustentabilidade, dentro da abrangência geográfica de sua competência” e com a participação das entidades representativas da classe, nesse ponto, apontando para um caminho que tem sido trilhado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) no processo de criação da APA da Foz do Rio Doce, ao promover audiências públicas e amplo debate com os pescadores.
O Fundo Municipal, por sua vez, destina-se a financiar “ações que visem ao uso racional e sustentável de recursos naturais”, entre elas, “capacitação, melhoria da infraestrutura pesqueira, monitoramento e fiscalização de recursos pesqueiros, repovoamento dos mares e mangues com espécies nativas [e] desenvolvimento de pesquisas científicas para dinamizar as atividades”.
Ambas propostas foram discutidas com os pescadores a partir da mobilização feitas por eles junto à Câmara no dia 21 de junho, quando foi decidida pela realização de uma audiência pública sobre o assunto no dia quatro de julho.
‘Pescador não é bandido’
No debate, com plenário e galeria lotados, representantes dos pescadores e do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca) defenderam uma normativa legal que permita a implementação da pesca assistida, segundo parecer técnico já apresentado pelo Comitê, de forma a verificar, na prática, a viabilidade ambiental, social e econômica da estratégia.
Autorizada a pesca assistida – em que o pescador vigia a rede durante cerca de meia hora, soltando qualquer animal que possa se afogar, como tartarugas marinhas e golfinhos, ao invés de deixar a rede por horas sozinha, como ocorre na técnica da rede de espera -, os pescadores que estão em maior dificuldade financeira hoje, sem ter uma renda que lhes garanta o sustento da família, não precisarão se arriscar em pescas noturnas, se escondendo da fiscalização, colocando em risco sua integridade e a vida dos animais que ameaçados de extinção. “Pescador não é bandido”, afirmam esses trabalhadores desde a promulgação da Lei 9077/2017.
Na ocasião, o vereador André Brandino (PSC) também anunciou o protocolo de um PL para revogar a Lei municipal 9077/2017. O PL, no entanto, é visto como uma “armadilha” pelos pescadores, pois busca uma medida simplória para uma questão complexa, já que a revogação ou alteração da lei é parte da solução, mas, sozinha, não estabelece regras para a pesca de rede que estejam em sintonia com a conservação ambiental dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía das Tartarugas.