A reclamação é contra a omissão dos órgãos de Vigilância Sanitária e Saúde, que se negam a realizar estudos sobre a segurança sanitária dos peixes que são vendidos no Estado, oriundos das regiões contaminadas pela lama de rejeitos de mineração da Samarco/Vale-BHP, a saber, toda a bacia hidrográfica do Rio Doce no Espírito Santo, além de todo o litoral capixaba, com maior concentração de contaminantes ao redor da Foz, em Regência, Linhares.
Perguntado sobre que ações foram tomadas e quais devem ser adotadas nesse sentido, a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Saúde, que atende também a Vigilância Sanitária Estadual, não se manifestou até o fechamento desta matéria.
O que se sabe, no entanto, na conversa com pescadores e moradores ao longo de todo o rio e litoral atingido, é que são feitas diversas coletas de água e pescado para análise, porém, nenhum órgão do Estado jamais retorna com algum resultado. “Eles cruzaram os braços”, denuncia Nego da Pesca, que também representa os pescadores nos conselhos estadual e nacional de segurança alimentar e nutricional.
Todo o pescado está contaminado
O que se tem até o momento são estudos ambientais, feitos por várias universidades públicas, que mostram o comportamento da contaminação das águas e dos organismos: nos primeiros momentos mais aguda, incluindo muitos metais pesados, e, nos últimos meses, uma contaminação crônica, com elevadíssimos níveis de metais essenciais, principalmente ferro, manganês e alumínio, e que continuam se acumulando nesses ecossistemas.
Os possíveis efeitos tóxicos dessa contaminação estão sendo investigados pelos pesquisadores e incluem “danos oxidativos às proteínas, lipídios e ao material genético (DNA) associados, além de uma situação de estresse oxidativo. As consequências podem ser alterações nas funções fisiológicas, alterações morfológicas, carcinogênese (indução do câncer) e até mesmo a morte”, explicou o oceanólogo Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), em uma de suas palestras em Vitória sobre o assunto.
Em outubro de 2016, pescadores de Maria Ortiz, em Colatina, denunciaram deformações em peixes da região, possivelmente devido à lama da Samarco/Vale-BHP. “Deviam pesquisar um pouco mais e abrir a pesquisa para população que foi atingida”, opinou, na época, a pescadora Adriellen Almeida Nascimento.
Os estudos sobre os impactos sobre a saúde humana, no entanto, ainda não foram feitos. São de responsabilidade das secretarias de saúde e das vigilâncias sanitárias, que até agora estão completamente ausentes.
A Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), por meio do médico Carlos Minayo, é quem iniciou um estudo, que deverá ser apresentado no final de agosto, durante um encontro da comissão criada durante o Seminário sobre os Impactos do Crime da Samarco às Comunidades Pesqueiras, realizado em junho em Povoação,Linhares, pela Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Ibama não fiscaliza
Por medida de precaução, ao menos deveria ser cumprida a determinação judicial de fiscalização sobre a proibição de pesca nas áreas determinadas pela Justiça. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi obrigado a fazê-lo utilizando recursos da Fundação Renova, no entanto, não o faz.
“Não tem fiscalização e tem pescador que continua pescando, e esse peixe e esse camarão contaminado está chegando em Vitória. E as pessoas estão comendo sem saber dos riscos”, alerta Eliane Balke, pescadora em Campo Grande, São Mateus.
Na verdade, a área de proibição de pesca já deveria ter sido ampliada, pois a decisão judicial de proibir a região entre Barra do Riacho, em Aracruz, e Degredo, em Linhares, foi tomada em fevereiro de 2016. E, depois disso, vários estudos comprovaram a expansão da contaminação, que atingiu desde a cidade do Rio de Janeiro até o Banco de Abrolhos, no sul da Bahia, com mais intensidade entre Barra Nova e Barra do Riacho.
Nego da Pesca conta que a comissão está elaborando uma carta a ser enviada para a Quarta Câmara do Ministério Público Federal, em Brasília, e que também seguirá para os órgãos ambientais, de Saúde e Vigilância Sanitária, detalhando a situação dos pescadores e do pescado, exigindo providências. “Queremos recuperar o Rio Doce”, diz.