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Pescadores exigem participar de estudos sobre espécies ameaçadas

Nem liberar tudo, nem proibir tudo. O aumento dos estoques pesqueiros, a melhoria na qualidade de vida do pescador e a conservação da biodiversidade marinha precisam ser construídos coletivamente, com participação dos pescadores artesanais e dos órgãos ambientais e ligados ao ordenamento pesqueiro (hoje, ligados ao ministério e secretaria de Agricultura).

É para essa direção que aponta o documento enviado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) pelo governo do Estado e a bancada capixaba no Congresso, solicitando a retirada de 41 espécies da Portaria 445/2014 – que reconhece a lista de 475 espécies de peixes ameaçados de extinção elaborada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e proíbe a pesca e comercialização das mesmas em todo o país por um período de dez anos.

As 41 espécies, segundo os estudos iniciais feitos pela Secretaria Estadual de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), são fundamentais para a manutenção da pesca artesanal do Espírito Santo, correspondendo a 40% do volume pescado na costa capixaba.

O documento reivindica ainda que seja elaborada “uma estatística pesqueira ininterrupta e ampla, para que se possa tomar as decisões com fundamentos técnicos e planejamento”.

De fato, a última estatística pesqueira foi elaborada em 2011 e, historicamente, elas nunca informam os nomes científicos das espécies, segundo informa o oceanógrafo especialista em Pesca e analista ambiental do ICMBio em Vitória, Nilamon de Oliveira Leite Junior.

“O Governo brasileiro não destina verba para pesquisa. O navio Soloncy [Soloncy Moura, utilizado recentemente em algumas expedições sobre a lama da Samarco/Vale/BHP] fica parado no porto, enferrujando, por falta de recurso para pesquisa”, denuncia o analista ambiental.

Segundo Nilamon, essa última estatística informa que, das 12 mil toneladas pescadas no estado, 6,5 mil, ou seja, mais da metade, são de três espécies: dourado, camarão sete barbas e atum, nenhuma delas ameaçada de extinção.

Outras categorias de pescado também relevantes, logo após essas três primeiras, são bonito, pargo, corvina e pescadinha, essa última, no entanto, sem informar se inclui as espécies constantes na Portaria 445. A única espécie de vermelho com relevância econômica que consta na Portaria, informa, é a caranha (Lutjanus cyanopterus, na foto de capa). 

Como selecionar?

Mesmo com dados diferentes da Seag sobre as espécies comercialmente mais importantes, o ICMBio faz uma advertência em uníssono com os pescadores: ao pescar esses peixes não ameaçados, as espécies da lista da Portaria também são capturadas, mesmo não sendo essa a intenção dos pescadores. As artes de pesca não são seletivas, explica o especialista, e capturam as espécies desejadas pelos pescadores e outras também.

“E o que a gente faz quando pega uma espécie ameaçada? A gente já encontra ela morta. Vai jogar fora? Se trouxer pra terra, a fiscalização apreende nosso material todo. Mas se ela já morreu, então tá ameaçando a espécie do mesmo jeito”, questiona Álvaro Martins da Silva, presidente da Colônia de Pesca Z-5 da Praia do Suá, em Vitória.

Alvinho, como é conhecido, insiste que uma das soluções seria declarar defeso geral, para todas as espécies, por um período de quatro meses aproximadamente, com devido pagamento de auxílio aos pescadores artesanais. E fiscalizar as traineiras, enormes navios vindos de outros estados, que pescam em alto-mar toneladas e toneladas de peixes, sem qualquer restrição ou cuidado.  

Ainda no tocante à ordenação da pesca artesanal, Nilamon também levanta algumas primeiras alternativas. “É preciso estudar caso a caso”, pondera.

Locais de pesca e não-pesca

Sobre os badejos e garoupas, por exemplo, o analista do ICMBio aponta que o ideal seria não ter pesca dirigida a eles, que vivem entre recifes, podendo, no entanto, haver liberação de algumas áreas de ocorrência e proibição da pesca em outras, permitindo que alguns locais permitam a reprodução dessas espécies e o aumento do seu estoque natural, evitando a extinção.

Já para os tubarões, uma medida simples e eficiente é a retirada do cabo de aço que geralmente é colocado ao final do espinhel – uma arte de pesca que consiste em uma sequência de anzóis, instalada em alto-mar. Retirando o cabo de aço, boa parte dos tubarões consegue se soltar do espinhel que continuaria a capturar atuns e dourados, outros peixes comerciais que são alvo dessa arte de pesca.

Nilamon explica que badejos, garoupas e tubarões alcançam a idade reprodutiva apenas por volta dos 30 anos, mas são pescados antes disso, por isso seus estoques estão sendo tão reduzidos, a ponto de estarem ameaçados de extinção. Se não forem protegidos agora, afirma, irão desaparecer.

Da lista do governo estadual, por exemplo, constam duas espécies de budião que são endêmicas da Ilha de Trindade, ou seja, só ocorrem naquela região e em nenhum outro lugar. Não são importantes economicamente, portanto, podem ter a pesca proibida, sem causar grandes problemas aos pescadores.

Atividades industriais precisam de fiscalização

São primeiros ensaios de busca conjunta de alternativas. Nesse sentido, a Assembleia Legislativa realiza uma audiência pública contra a proibição da pesca no Estado na próxima terça-feira (2), reunindo os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Seag, pescadores e entidades ligadas ao setor pesqueiro.

Há, no entanto, outros inimigos da biodiversidade marinha, dos estoques pesqueiros e da sobrevivência da pesca artesanal no litoral brasileiro, que vão muito além da atividade pesqueira em si. Sísmica, portos, extração de petróleo e gás são algumas das atividades industriais que – associadas à poluição generalizada, por esgotos domésticos e industriais, derramamentos de óleo e liberação de água de lastros de navios, além dos resíduos sólidos – impactam profundamente o equilíbrio o ambiente marinho. E precisam ser ordenados e fiscalizados, como bem enfatizam os pescadores em seus depoimentos e comunicados compartilhados nas redes sociais. 

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