Pesquisa indicou altos níveis de arsênio e mercúrio devido ao crime da Samarco/Vale-BHP

Após nove anos do crime da Samarco/Vale-BHP, o nível de metais pesados presentes nos pescados preocupa, inclusive mais do que nos primeiros anos após o rompimento da barragem quando o assunto é peixe e camarão do mar. O alerta é feito por pescadores do Estado, reforçado por dados do professor e pesquisador Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), apresentados durante a Semana Legislativa de Proteção ao Rio Doce. Os índices seguem elevados, como registrado ainda no início da pesquisa, em 2016.
Para o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindipesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, conhecido como Lambisgoia, a sensação é de que os pescadores estão se contaminando, contaminando suas famílias e a população que consome os peixes. “Nosso local de trabalho é onde crescemos, nascemos e criamos a nossa família, e agora estão tirando nosso direito de viver da pesca”, criticou.
A pesquisa, realizada em 12 campanhas, analisou três partes dos peixes: a guelra (por estar em contato direto com a água), o fígado (responsável pelo metabolismo) e o músculo (que é consumido pela espécie humana). Os resultados indicaram que, nos primeiros anos da pesquisa, peixe e camarão de água doce apresentaram concentrações mais altas de metais pesados, como o mercúrio. No entanto, ao longo do tempo, os níveis começaram a diminuir, embora permanecessem muito elevados se comparados aos níveis anteriores ao rompimento da barragem.
Por outro lado, os dados mais recentes sobre o pescado marinho são alarmantes. Nos últimos estudos, camarões mostraram níveis “altíssimos” de arsênio e alta concentração de mercúrio. Os peixes continuaram com níveis preocupantes de arsênio, e o mercúrio permaneceu elevado. Além disso, nos mangues, os caranguejos também apresentaram um aumento no nível de mercúrio nas últimas campanhas.
O professor também alertou os pescadores que o crescimento da contaminação dos camarões marinhos foi significativo e atribuiu a toxidade a um acúmulo da concentração ao longo do tempo no sedimento do rio. Ele explicou que a associação do camarão é intensa com esse sedimento, que atualmente é o principal responsável pela contaminação.
Em novembro de 2023, uma nota técnica publicada no início do ano pela Aecom do Brasil, perito judicial do caso Samarco/Vale-BHP, revelou que alimentos como pescados, frutas e vegetais provenientes da Bacia do Rio Doce apresentavam níveis alarmantes de elementos nocivos, como bário, chumbo e metilmercúrio. Apesar dos relatórios recomendarem ampla divulgação das informações, a Fundação Renova, criada para gerir a reparação do crime até a repactuação ser assinada, tentou impedir as pesquisas e omitir informações sobre o nexo causal entre o rompimento da barragem como causa para boa parte das contaminações verificadas após a chegada dos rejeitos.
Mesmo cientes da gravidade da contaminação, os responsáveis nas empresas criminosas pela repactuação do acordo de reparação buscaram agilizar o processo para transferir a responsabilidade para o governo, afirma o representante dos pescadores. “Eles sabiam que o nível do pescado estava contaminado e fizeram a repactuação rápido para tirar das costas deles e passar para o governo. Mas a cada quatro anos a gestão pode mudar, e quem garante que os compromissos serão cumpridos? Foi um acordo negociado sem a participação dos atingidos”, voltou a denunciar.
Lambisgoia também questionou a mortalidade dos pescadores nos últimos anos e defendeu a necessidade de um levantamento sobre as condições de saúde da categoria. Anunciou, ainda, que o sindicato pretende realizar exames de toxinas em pescadores de diferentes regiões do Estado, incluindo Vitória e Linhares e Barra do Riacho, no norte do Estado, para verificar os impactos diretos da contaminação na saúde dos trabalhadores.
Ele explicou que muitos pescadores e outros grupos estão excluídos do processo de indenização devido às limitações de reconhecimento como atingido ou porque o acordo judicial nega esse direito a quem já acessou indenizações anteriores, como o Novel, sistema indenizatório simplificado criado em 2020. O Novel visava pagar indenizações individuais aos atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) e foi encerrado em 2023 por falta de amparo legal, conforme decisão judicial.
Com a extinção da Fundação Renova após a repactuação, o desafio de garantir a reparação integral recai agora sobre novas estruturas administrativas e políticas. Entretanto, Lambisgoia afirma que enquanto os recursos são destinados a outras finalidades, os atingidos continuam sem soluções concretas para seus problemas mais urgentes.