E os danos vão muito além dos prejuízos econômicos diretos. As feridas nas dimensões social, afetiva e cultural são profundas e se avolumam como numa bola de neve, destruindo a coesão social dentro das comunidades e a saúde das pessoas.
Identificar pelo menos uma parte dessas consequências mais abrangentes do crime foi o objetivo do estudo Rompimento da barragem do Fundão (SAMARCO/VALE/BHP BILLITON) e os efeitos do desastre na foz do Rio Doce, distritos de Regência e Povoação, Linhares (ES), realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Assim como outros realizados ao longo da Bacia do Rio Doce após o crime, este também foi gerenciado pela ONG ambientalista Greenpeace em parceria com o coletivo Rio de Gente.
Para o sociólogo Hauley Vallim, um dos coordenadores do estudo, a Samarco/Vale-BHP leva em conta apenas a dimensão econômica dos danos e de forma restrita. “A responsável pela tragédia é que está definindo o que é dano e quem deve ser reparado, restringindo esse conceito a quem perdeu diretamente sua fonte de renda ou teve a estrutura da sua casa comprometida, mas no contato com os atingidos, identificamos que os impactos são mais profundos e abrangentes”, afirma.
A investigação contou com análises quantitativas e qualitativas, levando em conta a alteração das atividades rotineiras dos atingidos, como o convívio laboral, familiar e social e os modos de lazer. “A pesquisa fala da relação fundamental das pessoas com o meio ambiente, sua condição afetiva, de lazer e identidade, e isso precisa ser reconhecido como impacto, não só a dimensão econômica, inclusive para outras comunidades afetadas que não foram alvo de estudo”, completa Vallim.
Entre os danos expostos na pesquisa estão prejuízos locais na agricultura, comércio/ turismo e no lazer comunitário; aumento nos gastos domésticos e perda da autonomia financeira ou dependência da Samarco; ampliação dos conflitos entre vizinhos, amigos e familiares; desemprego e endividamento; abalo emocional e males de saúde.
Para comunidades em que 98% da população baseava sua alimentação fortemente em peixes e mariscos – e que 66% pescavam o próprio alimento –, o impacto da lama para a pesca local é significativo. “As tradicionais espécies de guaibira, manjuba, robalo e pescadinha garantiam durante o verão uma renda relevante para as famílias de pescadores atravessarem o ano. Pois o verão que se seguiu ao desastre foi igualmente desastroso. Mesmo o pescado capturado antes da chegada da lama não teve saída ou foi vendido a preço muito baixo. Da mesma forma, até hoje os peixes das lagoas não contaminadas em Linhares não recuperaram seu valor de venda”, relataram os pesquisadores.
Diante da situação trágica, os Ministério Público Federal do Espírito Santo (MPF/ES) e Ministério Público do Trabalho (MPT) exigiram da Samarco um auxílio emergencial imediato para todos os afetados pelo desastre. Mas apenas alguns moradores passaram a receber um cartão mensal no valor de uma cesta básica, mais um salário mínimo e 20% por dependente. A falta de clareza na concessão do benefício gerou desconfiança, conflitos e insegurança entre as comunidades.
“O estudo deixa evidente o quanto os atingidos da foz do Rio Doce são muitas vezes desconsiderados pela empresa Samarco e sua Fundação Renova, o que demonstra as limitações da empresa para tratar de maneira justa o desastre causado por ela própria”, afirma Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace.