Bando explorava madeira para mercado milionário de arcos de violino. Mata Atlântica perdeu mais de 21 mil hectares este ano
O mercado internacional milionário de arcos de violino é o foco dos negócios de uma associação criminosa com ramificação internacional que foi reprimida pela Polícia Federal e pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio da Operação Ibirapitanga II, deflagrada na manhã desta terça-feira (8).
O bando vinha atuando no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e Alagoas, com desmate ilegal de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção, em especial o pau-brasil. A espécie é considerada uma das mais apropriadas para a produção dos arcos e outros acessórios de instrumentos musicais de corda. Em geral, eram exportados toretes ou varas de madeira, para posterior produção dos arcos.
São cumpridos 37 mandados de busca e apreensão expedidos pela Vara Federal Criminal de Linhares, no norte do Estado, 31 deles no Espírito Santo, nos seguintes municípios: Domingos Martins (2) e Santa Teresa (1), na região serrana, e Linhares (2), Joao Neiva (5) e Aracruz (21), no norte. No Rio de Janeiro, foi cumprido mais um, em São Gonçalo; na Bahia foram cinco, em Camacan; e em Alagoas, mais dois, em Coruripe.
A grande quantidade de mandados a serem cumpridos levou à reunião de policiais federais lotados na Delegacia de Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente (DELEMAPH), de outros 50 policiais do Rio de Janeiro, Bahia e Alagoas, além de 32 servidores do Ibama. Entre os delitos listados, estão crime contra a flora e a administração ambiental, e outros ambientais.
Além do cumprimento das ordens judiciais, a operação teve objetivo de “obter novos elementos de prova para desmantelar por completo o grupo criminoso”, destacou a PF.
Investigações anteriores
Quase extinta nos primeiros anos da chegada dos colonizadores europeus, que visavam a extração de pigmento vermelho de seu tronco, para utilização na indústria de tingimento (os mantos dos monarcas utilizavam muito pigmento de pau-brasil), o pau-brasil é chamado, em tupi-guarani, de Ibirapitanga, junção de “ybirá” (árvore) e “pitanga” (vermelho). Daí o nome da operação.
Nessa fase II, foi dada continuidade às investigações iniciadas pelo Ibama no âmbito da Operação “Dó ré mi”, que resultaram em apreensões de mais de 42 mil varetas de pau-brasil, além de mais de 150 toretes. “No ano passado, quando da deflagração da primeira fase, foram apreendidas outras 32 mil varetas e 85 toretes”, informou a PF.
Já naquele momento, foram descobertos indícios que apontavam para a existência de uma associação criminosa envolvendo extratores, transportadores, intermediários, atravessadores, arqueiros e empresas de produção e exportação de acessórios de instrumentos musicais de corda.
Os criminosos extraíam o pau-brasil clandestinamente de Unidades de Conservação Federais, especialmente do Parque Nacional do Pau-Brasil, em Porto Seguro, sul da Bahia, em seu beneficiamento. Parte da madeira era transformada em arcos de violino e contrabaixo e parte em varetas (produto não finalizado). A venda era feita basicamente para o exterior, “sem qualquer controle das autoridades brasileiras, mediante a burla nos canais de fiscalização da Receita e do Ibama”, assinala a PF.
Lucros milionários
No Brasil, informa a nota, as varetas são adquiridas por valores que giram entre R$ 20,00 e 40,00, ao passo que os arcos podem ser comercializados no exterior por até U$ 2,6 mil ou R$ 14,6 mil.
A PF e o Ibama explicam que, tendo como referência somente as 74 mil unidades de varetas/arcos já apreendidas no curso da investigação até a deflagração da primeira fase e considerando um valor final de mercado médio de US$ 1 mil por cada arco de violino comercializado no exterior, estima-se que os valores finais poderiam alcançar cerca de R$ 370 milhões.
“Trata-se de uma avaliação módica, já que esses instrumentos podem alcançar valores de mercado muito maiores como os verificados em algumas lojas americanas que negociam o arco de violino feito de Pau Brasil por até US$ 2,6 mil, ou seja, mais de R$ 14 mil”, ressalvam.
Perícia e parceria
Apoiando as investigações, a Perícia Criminal da PF utilizou um novo procedimento para determinar a procedência da madeira apreendida ao longo das ações da polícia. Trata-se da técnica conhecida como análise de isótopos estáveis.
De posse de amostras da madeira apreendidas na primeira fase, foi possível aos peritos criminais determinarem a origem da madeira ilegalmente extraída, como sendo o Parque Nacional Pau-Brasil em Porto Seguro, Unidade de Conservação Federal onde a retirada das árvores é terminantemente proibida.
Buscando o maior alcance possível, a PF no Espírito Santo estabeleceu parceria com a U.S. Fish and Wildlife Service, agência do Governo dos Estados Unidos dedicada à repressão dos crimes envolvendo a pesca, a vida selvagem e os habitats naturais.
Como os arcos produzidos com Pau-Brasil ilegalmente extraído são destinados ao exterior, em grande parte, aos Estados Unidos, a agência foi acionada, na primeira fase da operação, para apoiar as ações da PF naquele país, visando verificar a legalidade das importações e a existência de ramificações do esquema criminoso em território norte-americano.
Os investigados poderão responder pela prática de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), contrabando (art. 334-A do Código Penal), crimes contra a flora (Art.40, § 2o, combinado com Art. 53, II, “C” da lei 9605/98), por outros crimes ambientais (Art. 60 da lei 9605/98) e contra a administração ambiental (Art. 69 da lei 9605/98), com penas combinadas que podem ultrapassar 15 anos de prisão.
Por parte do produto do crime ter sido enviado ao exterior e por se tratar de espécie em extinção, a pena poderá ser agravada.
Bioma mais ameaçado do país
A Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado do País, sendo considerado um dos 34 hostpots do mundo, ou seja, os ecossistemas ao mesmo tempo mais ricos em biodiversidade e mais desmatados do planeta.
São 17 estados sob domínio da Mata Atlântica, incluindo o Espírito Santo, um dos que estão totalmente inseridos nele, concentrando cerca de 70% da população brasileira, que dependem diretamente dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, como produção de água e solo, purificação do ar e regulação do clima.
Apesar da importância e fragilidade, a Mata Atlântica continua sendo derrubada. No primeiro semestre deste ano, foram desmatados 21 mil hectares, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD).
Conforme informou a Fundação SOS Mata Atlântica em setembro, o montante equivale à destruição de 117 campos de futebol por dia, com emissão de mais de 10,2 milhões de toneladas de CO² equivalentes – medida utilizada para calcular as emissões de gases de efeito estufa (GEEs).
O Espírito Santo aparece em nono lugar no ranking desse primeiro semestre de 2022, conforme mostra o gráfico abaixo: