Proposta que beneficia ruralistas e grandes empresários passará pela Comissão de Meio Ambiente, que tem Contarato como titular
O requerimento para a realização de audiências foi aprovado nessa quarta-feira (2), como iniciativa do vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), mas as datas ainda serão marcadas. Para Veneziano, “a otimização dos processos de licenciamento ambiental é necessária, mas não pode se tornar motivo de descumprimento de normas ambientais ou relaxamento na fiscalização”.
Já o presidente da comissão, senador Jaques Wagner (PT-BA), disse ter pedido ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que o projeto seja discutido pela CMA antes de ir para o Plenário. “Em tempos de pandemia, essa mudança nas regras ambientais nem deveria estar sendo discutida pelo Senado”, criticou, acrescentando: “é impossível querer aprovar a toque de caixa”.
O projeto chegou ao Senado no dia 15 de maio e promove sérias mudanças no processo de licenciamento ambiental do País, afetando diversas comunidades e áreas, mas, contraditoriamente, não realizou debate público antes da votação na Câmara dos Deputados, onde foi aprovado por 300 votos favoráveis contra 122 contrários.
Do Espírito Santo, apoiaram a proposta Amaro Neto (Republicanos), Lauriete (PSC), Norma Ayub (DEM), Neucimar Fraga (PSD), Da Vitória (Cidadania), Soraya Manato (PSL) e Evair de Melo (PP). Somente Helder Salomão (PT) e Felipe Rigoni (sem partido) se posicionaram contrários. Já Ted Conti (PSB) não votou.
Se o texto for alterado no Senado, terá que voltar à Câmara. Caso contrário, vai à sanção presidencial. Entidades se mobilizam há quase um mês para reverter a situação e impedir tamanho retrocesso na área ambiental. O Espírito Santo é representado na Casa por Fabiano Contarato (Rede), titular da Comissão de Meio Ambiente, e Rose de Freitas (MDB) e Marcos do Val (Podemos).
Mais de nove redes e organizações, e também ex-ministros de Meio Ambiente, divulgaram notas e manifestos alertando para os danos irreversíveis da aprovação da proposta, que restringe, enfraquece ou até mesmo extingue partes importantes dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país. Em síntese, torna o licenciamento convencional não regra, mas exceção.
Entre as atividades liberadas, estão as responsáveis hoje por promover graves prejuízos ambientais e sociais, como a silvicultura, agricultura e pecuária, além de mais 13 tipos, como obras de redes de distribuição de energia e de manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes, como dragagens, segundo enumera o Instituto Socioambiental (ISA).
Desta forma, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de licenciamento autodeclaratório via internet, passa a ser generalizada para grande parte dos setores econômicos. Estados e municípios também ficam autorizados a adotar procedimentos próprios para atrair investimentos e empresas, sem restrições.
O texto permite ainda a renovação automática da licença ambiental a partir de declaração on-line do empreendedor. Se o requerimento for pedido com antecedência mínima de 120 dias do fim da original, o prazo de validade será automaticamente prorrogado.
Para entidades e pesquisadores, a proposta poderá produzir recordes de desmatamento no Brasil, ao eliminar regras que impedem a destruição da floresta, em geral estimulada por grandes obras de infraestrutura na Amazônia, como estradas e hidrelétricas.
Novos crimes
Especialistas também temem ocorrências de novos grandes desastres e crimes socioambientais, como os de Mariana (MG), da Samarco/Vale-BHP, em 2015, que atingiu o Espírito Santo, e Brumadinho (MG), da Vale, em 2019, ambos crimes ainda impunes.
Comunidades tradicionais
O projeto aprovado na Câmara dos Deputados representa ameaça ainda aos territórios indígenas e quilombolas do norte do Espírito Santo e outras regiões do País.
Levantamento do Instituto Socioambiental aponta que, de acordo com a proposta, 297 Terras Indígenas ou 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai) seriam desconsideradas para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de empreendimentos econômicos. Isso porque o texto prevê o licenciamento apenas para territórios já homologados, isto é, com demarcação já concluída, ou com restrição de uso para grupos indígenas isolados.
“Por igual, limita a avaliação de impactos e as medidas preventivas aos Territórios Quilombolas titulados, suprimindo 87% desses territórios do mapa, para fins de licenciamento”, ressalta manifesto assinado por 28 entidades, entre elas a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoime).
“O objetivo é impor severos impactos às Terras Indígenas, assim como aos Territórios Quilombolas, Unidades de Conservação e áreas de proteção, bem como ao patrimônio histórico e cultural”, ressalta o documento.
As entidades consideram “inadmissível que a emissão de licenças para autorizar empreendimentos com significativo impacto em Terras Indígenas e Quilombolas seja realizada sem qualquer avaliação de impactos e adoção de medidas de prevenção de danos aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além da explícita violação ao seu direito de consulta livre, prévia e informada, fazendo de seus direitos, da Constituição da República Federativa do Brasil e de tratados internacionais assinados pelo Brasil, letra morta”, protestam.
UCs
Impactos diretos e indiretos a áreas protegidas também são ignorados pela proposta. O PL 3.729 diz que, quando o empreendimento afetar unidade de conservação (UC) específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento não precisará mais da autorização do órgão responsável por sua administração – no caso federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e, no Espírito Santo, do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).