Estudo da USP aponta elevado consumo de água dos monocultivos. No ES, eles crescem quatro vezes mais que a floresta
“As plantações florestais de rápido crescimento podem consumir quase o mesmo volume de água que a chuva traz para algumas bacias nas fases de pico de crescimento. Portanto, se as plantações de eucalipto não forem bem planejadas, alguns dos problemas mais importantes apresentados pelas mudanças climáticas, que são as secas, poderão ser amplificados”.
O alerta é do professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) Pedro Brancalion, em matéria publicada nessa quinta-feira (3) no portal de notícias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O professor integra um time de pesquisadores brasileiros e franceses que atua em um estudo sobre as vantagens de aumentar o número de espécies utilizadas nos plantios comerciais de árvores do Brasil e outros países, como França e Suécia. Os cientistas partem do pressuposto de que, quanto mais diversificado, mais resiliente é o ambiente em relação às mudanças climáticas.
“A maioria dos clones de eucalipto em uso hoje no Brasil é ótima para crescimento rápido, desde que haja disponibilidade de água suficiente. Em eventos de seca severa, cada vez mais frequentes com as mudanças do clima, os eucaliptos e outras espécies comerciais podem secar e morrer, bem como reduzir a oferta de água para as pessoas. Por isso é preciso buscar meios de tornar as plantações florestais mais resilientes à seca e econômicas no uso da água”, afirmou Brancalion, durante palestra no evento “Climate change and biodiversity scientific cooperation day”, realizado em 20 de outubro, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), pela Fapesp e os consulados gerais da França e da Alemanha em São Paulo.
“A expectativa é que quanto mais espécies uma floresta [plantio comercial de árvores] tiver, melhor será seu funcionamento e sua resiliência às mudanças climáticas, pois usará de forma mais eficiente recursos ambientais como a água”, explicou, na ocasião.
Conforme registrou a Agência Fapesp, um dos objetivos do projeto de pesquisa é “testar essa teoria ecológica e ampliar a base de conhecimento para promover plantações florestais mistas”. Assim, Brancalion e outros pesquisadores da Esalq-USP e do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, conduzem um experimento em larga escala inédito no Brasil, em uma área de seis hectares da Estação Experimental de Ciências Florestais da Esalq-USP em Itatinga, no interior paulista.
O projeto experimenta 150 diferentes formatos de silvicultura, comparando as performances conforme o número de espécies utilizado, desde uma única (monocultivo) até seis diferentes espécies, entre exóticas e nativas da Mata Atlântica e do Cerrado.
Conforme publicação da Agência Fapesp, o projeto integra uma rede de experimentos voltados a entender os impactos da diversidade de árvores no funcionamento de ecossistemas, chamada TreeDivNet. “A rede abrange outros experimentos estabelecidos na Áustria, Suécia, Bélgica, Alemanha e França. Além disso, conta com a participação não só de universidades e instituições de pesquisa, como também de coalizações do setor florestal”.
Ainda segundo a Agência, no Brasil, há cerca de 10 milhões de hectares de plantações comerciais de madeira, dos quais aproximadamente 80% são compostos por eucalipto destinado majoritariamente à produção de papel e celulose. Mais da metade dessas plantações de eucalipto, assinala, usam um único clone (plantas com a mesma composição genética).
Um dos conteúdos auxiliares ao projeto, disponível no portal da Fapesp – Plantações florestais mistas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, MixForChange – ressalta ainda que “um crescente corpo de evidências sugere que plantações florestais mistas, isto é, plantações onde várias espécies de árvores são misturadas, podem ser mais eficientes no sequestro de Carbono”.
Outro conteúdo auxiliar – Perspectivas dos tomadores de decisão sobre plantações mistas de árvores no cenário de mudanças climáticas – afirma que, “apesar das evidências científicas sobre as vantagens das plantações de árvores mistas, as monoculturas convencionais ainda prevalecem em todo o mundo” e que “a expansão das plantações mistas depende da mudança na forma como vários tomadores de decisão, como proprietários de terras, empresas florestais e governos, tomam decisões”. Nesse sentido, o estudo pretende “compreender quais são as principais restrições e oportunidades para expandir plantações mistas no Sudeste do Brasil, França e Suécia”.
Apesar de propor apenas uma mudança pequena no perfil dos desertos verdes que se expandem velozmente na maior parte dos biomas brasileiros – inclusive na Mata Atlântica, o mais ameaçado do país e um dos mais reduzidos do mundo, segundo levantamento do MapBiomas – ao pretender introduzir meia dúzia de espécies aos monocultivos exóticos, o trabalho abre algumas janelas de discussão importantes.
Um dos principais certamente é derrubar o mito que insiste em ser defendido pelas gigantes do setor de silvicultura – representado no Espírito Santo pela líder mundial desse mercado, Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) – de que o eucalipto não é inimigo dos recursos hídricos e não seca o solo onde se instala.
Quilombos são melhor alternativa socioambiental
O hidrocídio promovido pelos monocultivos de eucalipto no norte do Estado é relatado com riqueza de detalhes pelas comunidades quilombolas do Sapê do Norte, localizadas nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.
Resistindo há mais de meio século em seu território ancestral, já reconhecido pela Fundação Palmares, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça, as comunidades empreendem retomadas de seu território e diversas iniciativas de recuperação das nascentes, lagoas e córregos, secos às centenas pelo deserto verde de eucaliptais.
Qualquer vistoria técnica honesta no território pode evidenciar que, em se tratando de escolher qual a melhor ocupação do solo na região, as agroflorestas e roças agroecológicos erguias pelas comunidades quilombolas ganham de goleada sobre os monocultivos comerciais da Suzano. Do ponto de vista humano, igualmente mais vantajoso, já que os plantios quilombolas garantem segurança alimentar e evitam o êxodo rural de populações socialmente vulneráveis que, quando impedidas de se manterem em seu território, vão inchar as periferias das cidades do norte e da região metropolitana do Estado.
Há ainda o agravante legal do conflito fundiário em questão. Conforme denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública, boa parte das terras ocupadas pela Suzano foi adquirida pela então Aracruz e Fibria de forma ilegal, por meio de grilagem. O processo já teve primeira decisão favorável aos quilombolas, em outubro de 2021, e deve seguir para o Tribunal de Justiça para julgamento de possível recurso por parte da empresa.
Quatro vezes mais deserto que Mata Atlântica
Enquanto isso, na esfera administrativa, os sucessivos governos estaduais não se posicionam efetivamente em favor das comunidades nem da biodiversidade, dos recursos hídricos e do clima, e seguem licenciando os plantios de eucalipto, que se proliferam continuamente.
Já o reflorestamento de matas nativas caminha em passos muito mais lentos, mesmo sendo puxado pelo Programa Reflorestar, considerado referência em reflorestamento nativo no Brasil.
Conforme o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, publicado em 2018 pelo governo do Estado, num período de oito anos, entre 2007 e 2015, o Espírito Santo teve 45 mil hectares de monocultivos de eucalipto, sendo o uso do solo que mais cresce no Estado.
Em um período próximo, de sete anos, entre 2013 e 2020, as matas nativas ganharam 10 mil hectares, sendo mais da metade delas formada por Sistemas Agroflorestais (SAFs). Uma comparação grosseira indica, portanto, o deserto crescendo mais de quatro vezes mais rápido que a Mata Atlântica no Espírito Santo.