Perini faz questão de dizer ter consciência de que a Vale e a ArcelorMittal não são as únicas geradas de poluição atmosférica, que na Grande Vitória é conhecida como pó preto. Aos inúmeros poluentes industriais gerados na Ponta de Tubarão – diversos em qualidade, tamanho e gravidade –, somam-se as emissões veiculares, da construção civil e mesmo as queimas de lixo e cigarros. Mas, “embora a gente tenha todas essas variáveis, que a gente não pode esquecê-las, você tem um modelo central, que é esse parque industrial dentro da área urbana!”, enfatiza.
A absoluta falta de visão de sustentabilidade dos governantes da década de 1960, que permitiram o enorme erro da invasão industrial na Ponta de Tubarão, somada ao comodismo dos empreendedores internacionais e à total falta de informação e capacidade de reivindicação da população resultou nesse monstruoso equívoco. O que fazer agora? Retirar as duas gigantes parece pouco provável, tamanho seu poderio econômico e político.
Enclausuramento
A silagem, o enclausuramento de todos os processos, parece ser o mais sensato, na opinião do médico, citando o que já acontece, por exemplo, com a unidade da ArcelorMittal em Luxemburgo e também com unidades nos Estados Unidos e Coreia. “Em Tóquio, no Japão, tem uma usina dentro da cidade. O pessoal da CST já esteve lá e diz que eles usam gansos brancos pra controlar as emissões. O ganso tem que estar branco o dia inteiro”, ilustra.
Para o médico, questões como quanto custa o enclausuramento dos processos em Tubarão ou qual o percentual do lucro bilionários dessas corporações multinacionais deverá ser aplicado para isso, não importam. O argumento da impossibilidade financeira, segundo o alergista, não pode mais ser aceito pela população. Perini cita uma reunião com moradores de Vitória em que os técnicos da Vale anunciaram, majestosos, que iriam investir um milhão de reais por mês com controle de poluição naquele ano. “Eu falei: rapaz, eu tô sensibilizado com duas coisas: você é o primeiro cidadão da Vale que admite que a Vale polui. Nunca vi ninguém da Vale dizer que polui. E o segundo é que eu fiquei tão tocado que eu vou contribuir com o mesmo valor, proporcional ao meu orçamento. Tá aqui: um centavo!”, e gargalha o médico, tentando suavizar o drama.
“É preciso cobrar sim”, encoraja o médico. “O que aconteceu foi que todos esses processos vieram pra cá, exportados do primeiro mundo, mas com padrões de terceiro. As indústrias são fabricadas lá fora e são colocadas aqui dentro sem a preocupação de como que isso vai impactar”, reclama. “Porque, nesses países, as indústrias são muito setorizadas, as pessoas não moram onde têm indústrias. Então o problema industrial não existe pra esses povos. Existe pra nós. Aqui é que mistura tudo. Afinal, aqui é o terceiro mundo, as exigências são outras”.
''O que é saúde pra você?''
E os empresários, seguem impunes em sua letargia, com a certeza de que nós, sulamericanos, africanos, asiáticos, devemos “dar graças a Deus porque recebemos uma indústria do primeiro mundo, vamos ter emprego. Isso é hipócrita!”, protesta. “Porque na realidade as pessoas não querem só isso. Elas querem viver!”, brada.
Um dos conceitos que se confunde muito, adverte o médico, é que saúde é ausência de doença. “Não é”, contesta. “Saúde é ausência de doença, mas também é bem-estar físico e emocional, bem-estar financeiro, habitação adequada, segurança, conforto físico e emocional”, lista.
“Portanto quando você chega na sua casa e encontra a sua casa suja, seu filho doente, a sua casa contaminada por poluição, isso tudo afeta a sua saúde mesmo que você não dê um espirro! É muito importante entender”, reafirma. “Quando alguém disser que pó preto não causa dano à saúde, você pergunte: o que que o senhor entende por saúde? É essa a pergunta”, sugere.