Edegar Formentini explica que falta de políticas públicas dessa natureza ainda provocam êxodo rural no ES
A retomada de programas sociais para o campo, pelo governo federal, só atingirá todo o seu potencial de fortalecimento da agricultura familiar – e consequentemente da segurança alimentar no campo e na cidade e das economias dos pequenos municípios, essencialmente agrícolas – se for acompanhada de investimentos robustos em extensão rural em âmbito estadual.
O alerta vem do engenheiro agrônomo Edegar Formentini, servidor aposentado do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e diretor suplente da Associação dos Servidores da autarquia, a Assin. “A Extensão Rural tem um papel chave para que esses programas sejam universalizados e atinjam os agricultores que mais necessitam. O Governo Federal usa a contratação de empresas para complementar esse serviço, porém o carro chefe tem sido as instituições estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural. No Espírito Santo, a elaboração da maioria dos projetos de comercialização tem sido coordenada pelos técnicos do Incaper”.
Entre os programas federais, Edegar cita o Pronaf (crédito agrícola com subsídios; o PAA (compra direta dos agricultores familiares para fornecimento de alimentos às populações carentes e órgãos governamentais; e PNAE (compra direta dos agricultores familiares para abastecimento da alimentação escolar); além de habitação rural (construção de casas de moradia para os agricultores familiares com recursos a fundo perdido); e programas de aquisição de terra com financiamentos subsidiados entre outras políticas. Ações, ressalta, que foram “criminosamente, desestruturados pelos governos Temer e Bolsonaro e agora são retomadas pelo governo de Lula [PT]”.
No Espírito Santo, o diretor da Assin alerta para uma tendência que pode inviabilizar a plenitude de resultados dessas políticas federais. “Temos uma grande preocupação, que o Incaper, nesse início do segundo governo Casagrande [PSB], está concentrando o planejamento de suas ações em Assistência Técnica. Pelo menos é o que se percebe na equipe formada para elaborar esse planejamento: grandes especialistas em Assistência Técnica e quase ninguém especialista em Extensão Rural. Outra preocupação é como serão treinados os novos servidores que irão ser contratados a partir do concurso público realizado. Serão treinados só em Assistência Técnica?”
Assistência Técnica e Extensão Rural, muitas vezes unidas pela sigla Ater, são ações complementares, ressalta o experiente agrônomo capixaba. “É preciso deixar muito claro que em qualquer serviço de ATER que se preze, a Extensão Rural precede a Assistência Técnica”, afirma, explicando que a primeira “faz a articulação entre as instituições públicas, privadas e dos agricultores familiares que atuam na área; apoio à organização dos agricultores; utilização de metodologias participativas; diagnósticos participativos das comunidades e dos municípios e das organizações dos agricultores; etc.”, enquanto a segunda é dedicada a “ensinar o que plantar e como plantar e onde comercializar”.
Assim, a preocupação com investimento em Extensão Rural se justifica pela necessidade de não abandonar os agricultores mais vulneráveis economicamente, principalmente em municípios onde não há tradição de apoio robusto das gestões municipais, como na região serrana, ou do norte do Estado, onde os movimentos sociais conseguem articular apoios e ações colaborativas que preenchem parte da lacuna deixada pelo poder público estadual e municipal.
“Tem muita diferença entre as regiões. Em Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa e Venda Nova, o agricultor chegou num nível que ele quer e consegue ficar na roça, produzindo, com estrutura. Em outros municípios, se não tiver esse apoio, ele não vai. A agricultura orgânica de Santa Maria de Jetibá só aconteceu porque teve apoio muito grande do poder público municipal e estadual. Nos municípios do sul, se não tiver apoio, o agricultor é obrigado a ir embora”, compara.
E assim, esquecidos e empobrecidos, esses agricultores são forçados ao êxodo rural e aprofundar seu empobrecimento nas periferias das cidades. “Eles vendem propriedades para fazendeiros e vão trabalhar fora da agricultura. No sul do estado, são absorvidos no mármore e granito”, expõe. Apenas em Atílio Vivacqua, exemplifica, investimentos em extensão rural “poderiam gerar dois mil empregos em agricultura familiar”. Imagine uma política pública em âmbito estadual, quanta prosperidade no campo e na cidade poderia gerar!
“Nenhum agricultor é obrigado a ficar na roça, mas se der condições ele fica. Precisa desse apoio governamental, com programas que já existem”, reforça. “A Agricultura Familiar tem papeis econômico e social indispensáveis para a sociedade rural e urbana brasileira. Fornece mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa de cada cidadão desse país; emprega o maior número de trabalhadores no campo (67%), com uma expressiva participação no PIB nacional (9%)”, argumenta.
A observação da atual movimentação dentro da Seag e do Incaper, no entanto, acompanham uma tendência antiga, pontua Edegar. “O principal programa de apoio da Secretaria da Agricultura do Espírito Santo (Seag), o Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf), atingiu nos últimos cinco anos menos de cinco mil dos aproximadamente 80 mil agricultores familiares do Estado. É preciso que se tenha em mente que quanto menos esclarecido e mais empobrecido que é o agricultor, mais ele precisa da Extensão Rural e menos da Assistência Técnica”.
A Extensão, reforça, é fundamental para esse público mais vulnerável, fazendo a articulação com a prefeitura, ajudando a criar uma estrutura organizacional, como cooperativa ou associação, informando sobre as políticas públicas existentes. “O processo de trabalho tem que ser participativo, debatido com a sua comunidade, não é individual. Tem que entender os meandros daquela comunidade, as expectativas e necessidades. A agricultura depende muito de uma boa organização, principalmente para a comercialização. Aí sim, feito todo esse trabalho, a comunidade ou associação ou cooperativa tendo decidido os caminhos que vai tomar, aí entra a assistência técnica para plantar. As duas coisas são necessárias, mas cada um na sua hora e com o seu público”, ensina.