Fotos: Leonardo Sá/Porã
Os moradores da Grande Vitória e do sul capixaba são vítimas da poluição do ar produzida pela Vale, ArcelorMittal Tubarão e Cariacica e Samarco. São vitimados por doenças, que produzem inclusive mortes, além de prejuízos ao patrimônio privado e aos cofres públicos. Medidas para evitar a continuidade da vitimização foram cobradas da CPI do Pó Preto da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (17), em audiência pública.
A próxima audiência pública será em Vila Velha, na próxima segunda-feira (22), às 19 horas, no auditório da Igreja Católica de Itapoã.
A audiência em Vitória foi a segunda realizada pela CPI do Pó Preto: a primeira foi em Anchieta. A desta quarta-feira e a outra foram definidas como produtivas pelos participantes, tanto da CPI, como da comunidade. Mas o público em Vitória foi ínfimo. Nas galerias, nove pessoas. No plenário, principalmente os que se manifestaram no microfone. Iniciada às 13 horas, a audiência acabou às 15h57.
A história da conivência dos órgãos públicos com as poluidoras foi em parte recaptulada. Na verdade, começou quando a ditadura militar decidiu implantar as usinas da Vale no Planalto de Carapina. A primeira usina da Vale em Tubarão foi inaugurada em 1969. Depois veio a ArcelorMittal Tubarão (então CST). O início de operação de sua primeira usina foi em novembro de 1983, como Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST).
Os ambientalistas lembram que o caos ambiental causado pela poluição do ar, o pó preto, chegou aos atuais níveis a partir da decisão do governador Paulo Hartung (PMDB) nos seus dois primeiros mandatos (entre 2003 e 2010) de autorizar a construção da 8ª usina de pelotização da Vale no Planalto de Carapina. Soma-se a operação das três siderúrgicas da ArcelorMittal Tubarão, além de mais uma usina desta empresa, a unidade Cariacica.
As duas principais poluidoras da Grande Vitória emitem 59 tipos de poluentes, sendo 28 altamente nocivos à saúde. Entre eles, os derivados do enxofre (principalmente da CST, que não trata suas emissões).
E as famosas partículas finas de minério, as chamadas PM10 e PM2.5, sedimentáveis, que vão contaminar os pulmões (estas mais na conta da Vale). As doenças que as poluidoras provocam são graves, e vão desde alergias a cânceres. A poluição causa elevada mortalidade, ainda não quantificada no Espírito Santo.
Ao recaptular parte da história da poluição do ar e a conivência dos órgãos públicos com a poluição, Rogério Fraga (foto à dir.), presidente da Associação dos Amigos do Parque da Fonte Grande, levantou conclusões da uma outra CPI da Poluição, concluída em 20 de agosto de 1996.
À CPI, Ennio Candotti, um físico ítalo-brasileiro, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e que foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por quatro mandatos, já fazia alertas.
Apontava que as medições feitas de modo independente e as oficiais, com equipamentos lado a lado, davam diferença de 100%. Que as empresas consideravam defensáveis fazer e divulgar como oficiais suas próprias medições de poluentes do ar. Um contrasenso, como já apontava o cientista. Ele já defendia que as medições teriam que ser contínuas e independentes, e não mensais, como faziam as empresas.
Também lembrou participação de médicos e seus alertas sobre a gravidade da poluição. O físico também sugeria o enclausuramento das pilhas de minério e de carvão, como forma de controlar a poluição.
No relatório da CPI daquela época, a sociedade civil organizada na chamada Coeg, afirmava não ter participado da criação nem expansão então CST e Vale.
A contaminação pelo benzeno, causando a leucopenia, entre outras doenças, foi confirmada em moradores do entorno das usinas à época. A contaminação ocorre nos moradores num raio de três quilômetros, da mesma maneira que acomete os trabalhadores nas poluidoras.
Dauri Correia da Silva, representando a Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (Famopes), citou a necessidade de a CPI do Pó Preto convocar todos os prefeitos da Grande Vitória, sem distinção, a se explicar na comissão sobre a falta de ação do poder publico municipal contra a poluição do ar.
E, de certa forma, justificou a ausência da comunidade na audiência. Lembrou que os moradores das proximidades da ArcelorMittal Cariacica, entre os quais os da Grande Bela Aurora e Jardim América, se consideram alijados das discussões. E sem informações sobre a CPI. Ele também citou que nos anos 80, a leucopenia foi constatada nos moradores próximos das usinas da Vale e ArcelorMittal.
José Carlos de Siqueira Juinor, presidente da Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), lembrou quando, na década de 80, os moradores de Paul, em Vila Velha, conseguiram expulsar a Vale, que poluía a região com o carvão, transportado pelo porto. Exigiu que a comunidade se organize para cobrar providências que espera serem indicadas pela CPI do Pó Preto. Afirmou que as pessoas têm de deixar de ser consumidoras (da poluição), para serem cidadãos.
O advogado e ex-deputado estadual e federal Nelson Aguiar, recorreu à história para se manifestar contra o pó preto. Lembrou os mortos já no inicio da colonização portuguesa, face a cultura religiosa da época, e as medidas despropositadas, absurdas do poder público, adotadas hoje. Que se omite no combate à poluição. Diferentemente de outros países, que têm governos e não aceitam arbitrariedades, como tentada pela ArcelorMittal na França.
Lá, o empresário indiano, Lakshmi Niwas Mittal, presidente (CEO) da ArcelorMittal, teve que se curvar diante das exigências de controle ambiental por parte do governo francês. Ou teria suas usinas desapropriadas.
Vitimados
José Marques Porto (foto à esq.) foi o representante escolhido para falar em nome da ONG Juntos SOS ES Ambiental.
Primeiro sugeriu em nome das vítimas e da ONG a criação de uma Comissão Permanente da Poluição do AR na GV – Ales no seu relatório final. Sua finalidade será a de “pesquisar, estudar, analisar e propor soluções para a mitigação da poluição do ar…”
Seu objetivo será o de “atender os diretos da coletividade contidos no artigo 225 da Lei Magna da República, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seu bem difuso de uso comum, entre todos o mais importante, ou seja, o ar”.
Cobrou que a comissão exija “que as poluidoras reduzam imediatamente a poluição ambiental a patamares que não impliquem mais em poluição dos prédios situados na Região Metropolitana da Grande Vitória, e de modo que os seus habitantes não mais sejam prejudicados em suas saúdes ou confortos, sob pena de interdição das atividades das poluidoras”.
E que o “Iema e a Seama cessem sua negligência e exerçam seu poder de polícia, tomando as medidas necessárias, no âmbito de fiscalização ambiental, bem como revogando autorizações no que possibilitaram a poluição nos níveis atuais praticadas, e de modo que os prédios situados na Região Metropolitana não sejam mais poluídos nem os habitantes prejudicados em suas saúdes e conforto”.
Também exigiu que a Vale, Samarco e ArcelorMittal indenizem o SUS por todos os tratamentos gerados pelo pó preto, a ser rateado proporcionalmente pelas poluidoras. E também pagamento por “danos morais aos habitantes que sofreram ou tiveram o agravamento de doenças, ou desconforto, em virtude do pó preto”, entre outras indenizações.
Questionou se as poluidoras ArcelorMittal, Vale e Samarco são deuses, inatingíveis. “Todos aqui somos vítimas da poluição do ar, por gases e materiais particulados e em especial do pó preto, poluentes estes que no dia a dia, roubam a nossa saúde, a qualidade de vida, a água tratada, o nosso ar, e o nosso dinheiro”.
Os representantes das empresas afrontaram as vítimas, analisa Porto, com suas afirmações na CPI do Pó Preto.
E mais: são moradores de “um Estado que privilegia as corporações e que praticam violações à saúde pública, ao meio ambiente, ao patrimônio público e privado com bilionários créditos fiscais, e quando as vítimas necessitam de atendimento médico em função das doenças causadas pela poluição, são tratados como animais ou indivíduos que estão sendo oferecidos aos seus deuses em sacrifício”.
Dedicou um capítulo especial ao Ministério Público Estadual. “Somos vítimas de um MPES que se fundamentou em atos viciados e nulos de pleno direito ao assinar o TCA [Termo de Compromisso Ambiental] da Vale, ferindo o direito da coletividade contido no Art. 225 da Lei Magna da República, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seu bem difuso de uso comum, entre todos o mais importante, ou seja, o ar”.
E segue o raciocínio: “Somos vítimas do não encaminhamento de notícias de violações ambientais e outros pedidos no MPES, desrespeitando a Resolução nº 006/2014 – publicada em 08.08.2014 e republicada em 20.08.2014, que trata e disciplina a tramitação dos autos extrajudiciais no âmbito do MPES na área dos interesses ou direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis, e o compromisso de ajustamento de conduta; Lei nº 8.625, de 12/02/1993 e a Lei Complementar 95/97″.
Somos vítimas, continuou, “de condicionantes contidas no TCA da Vale, firmado entre o MPES, Iema, representação de oito Associações de Moradores e da a empresa, e que suportaram a liberação da LO [Licença de Operação] 32261845 da 8ª Usina de Politização Vale (CVRD), que não teve sua comprovação documental de atendimento apresentadas nesta CPI e muito menos por documentação técnica e científica acreditada por empresas isentas e de acreditação mundial”.
E ainda, vítimas da “relação antiética, desonesta e sem transparência praticada entre os órgãos públicos, as poluidoras, prestadoras de serviços e setores da sociedade no trato da questão ambiental e da poluição no Espírito Santo”.
E também “vítimas do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) e dos Conselhos Regionais de Meio Ambiente (Conremas), de formação tripartite, onde as representações dos órgãos públicos, do setor produtivos e ONGs “chapa branca” se unem em desfavor do meio ambiente e dos interesses do cidadão, aprovando e deliberando licenças ambientais em descordo com a Constituição Estadual nos seus Art. 186 e 187, e outras legislações; aprovando decreto de forma antiética, imoral e usurpadora, mitigando punições impostas às poluidoras, e etc”.
Várias outras ações que vitimizam a comunidade são destacadas. Uma delas: “Somos vítimas da falta de competências do MPES, Iema, Seama, das Secretarias Municipais de Meio Ambiente, dos órgãos federais e dos gestores ambientais e das poluidoras no trato dos assuntos da poluição que sistematicamente roubam a nossa vida no seu sentido mais amplo e especificamente na gestão da poluição do pó preto”.
A segunda: “Somos vítimas da falta de segurança jurídica do Decreto 3463-R/2013, que definiu os padrões de qualidade do ar do sistema de gestão ambiental e da poluição no Espírito Santo”.
Exigiu, no final, entre outras providências, que a CPI do Pó Preto exija “que as poluidoras reduzam imediatamente a poluição ambiental a patamares que não impliquem mais em poluição dos prédios situados na Região Metropolitana da Grande Vitória, e de modo que os seus habitantes não mais sejam prejudicados em suas saúdes ou confortos, sob pena de interdição das atividades das poluidoras”.
E que o “Iema e a Seama cessem sua negligência e exerçam seu poder de polícia, tomando as medidas necessárias, no âmbito de fiscalização ambiental, bem como revogando autorizações no que possibilitaram a poluição nos níveis atuais praticadas, e de modo que os prédios situados na região metropolitana não sejam mais poluídos nem os habitantes prejudicados”.