Criada em 1995 por ambientalistas, ideia da Estrada Parque Modelo do Caparaó ainda busca espaço para virar realidade
Eram os primeiros dias da gestão de Vitor Buaiz (PT) à frente do Palácio Anchieta, naquele janeiro de 1995, quando o saudoso jornalista e ambientalista Constantino Korovaeff levou uma carta ao recém-empossado governador, com uma proposta até então inédita no país e que, no seu entender, estava bem alinhada às necessidades de integração comunitária e proteção ambiental e paisagística da região do Caparaó. Necessidades essas que, sendo atendidas, construiriam as bases para o chamado “desenvolvimento sustentável”, termo que começava a ganhar visibilidade naqueles primeiros anos pós Rio 92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Eco 92, um divisor de águas na história do movimento ambientalista mundial.
Constantino era um dos fundadores da Associação Pró-Melhoramento Ambiental da Região do Caparaó Capixaba (Amar Caparaó), primeira ONG ambientalista nas redondezas, criada como uma forma de agradecer ao Caparaó pela generosidade com que começava a receber pessoas vindas dos mais distintos lugares do Brasil e do mundo. Ele mesmo, natural de São Paulo e vindo do Rio de Janeiro. Outros de Vitória, Belo Horizonte, Ceará, Maranhão, Goiás, Itália, Espanha, Suíça…a fauna humana que se somava aos nativos do lugar e à biodiversidade da floresta era remanescente do Encontro Nacional de Comunidades Alternativas (Enca) ocorrido em 1991 no Patrimônio da Penha, vilarejo rural de Divino de São Lourenço, hoje um dos mais procuradores destinos turísticos do Caparaó Capixaba.
“A ideia da Amar havia sido lançada do Enca para agradecer a acolhida das pessoas da região aos participantes. Estava para acontecer a Eco 92”, lembra a escritora Mirian Cavalcante, viúva de Constantino e também uma das fundadoras da ONG, ressaltando uma intuição comum que brotava no coração e nas mentes daqueles entusiasmados ambientalistas, encantados com a singularidade cultural e ecológica da Serra Sagrada, sentimento que mais tarde ficaria notabilizado na máxima “pensar globalmente, agir localmente”.
A carta, prossegue Mirian, falava também do “Fórum Internacional Permanente do Caparaó”. O nome pomposo, diverte-se, configurava-se, na prática, na ideia de se ter um local aconchegante na região do Limo Verde, a cerca de 10 km da Penha, que poderia servir de residência temporária para ambientalistas, sociólogos, cientistas, educadores e pesquisadores que quisessem a tranquilidade e a beleza daquelas montanhas para produzir suas pesquisas, teses e estudos sobre fauna e flora, proteção e educação ambiental.
Coincidência ou não, a ideia do fórum, conta, foi prontamente assimilada pela socióloga e ambientalista Dalva Ringuier, servidora estadual na pasta de meio ambiente, e transformado no Fórum Intermunicipal Itinerante do Caparaó. “Cada mês a reunião era em um município capixaba do entorno. Foi muito bom porque aproximou, as pessoas passaram a se conhecer, debatiam-se as questões de cada município e da região como um todo. E isso durou os anos do governo Vitor Buaiz. No final da gestão dele, foi transformado no Consórcio Caparaó, para não ser desbaratado. O Consórcio passou a ter personalidade jurídica, podendo continuar independente dos governos seguintes”, relata Mirian.
Também período do fórum, o ideal da Estrada Parque foi sendo divulgado pela ONG em diversas atividades. Mirian destaca o projeto Amar Criança nas escolas, desenvolvido por meio de convênio com o governo do Estado. “Nós fazíamos cinco visitas por ano letivo nas escolas. Em 1998, um dos temas foi a Estrada Parque Modelo. Tinha teatro de bonecos, com roteiro escrito pela própria equipe do projeto, vídeos, dança, música…as crianças fizeram desenhos sobre a Estrada Parque, temos os registros disso”.
O projeto trabalhado nas atividades de educação ambiental, ressalta, descrevia a Estrada Parque como uma via de integração e promoção de qualidade de vida para os moradores, que, de quebra, ainda podia fazer o deleite dos visitantes que começavam a descobrir aquela terra. O turismo, nesses primórdios, motivou o projeto de governo Cama e Café, onde moradores recebiam treinamento para receber os turistas em suas próprias casas, oferecendo um bom local para pernoite, seguido de um simples e generoso desjejum pela manhã. A iniciativa ganhou outros endereços depois, tamanho sucesso no piloto caparoense.
‘Não é um asfalto em torno do parque’
“Uma estrada parque modelo não é um asfalto em torno do parque. Pode ser muitas coisas, menos isso”, assevera Mirian. O calçamento da estrada sugerido desde o início deveria ser de algum material mais sustentável, que não impermeabilize o solo. Hoje, atualiza ela, o bloquete holandês cumpre bem esse papel. E, mais importante, a estrada deve ter duas pistas laterais, uma para pedestres e bicicletas, e outra para charretes e cavalos.
Outros elementos importantes seriam quiosques para venda de artesanatos e outros produtos, “sem franquias”, afirma, salientando a necessidade de promover a comercialização dos produtores locais. Também jardins de flores e canteiros de ervas medicinais, muitas árvores da Mata Atlântica e, “a cereja do bolo”, destaca: “um ônibus tipo jardineira, aberto dos lados, colorido, circulando entre as comunidades”.
A ideia original, reporta, era que o transporte intercomunitário seria gratuito para moradores e pago pelos turistas. “Hoje eu não diria gratuito, mas com desconto para moradores. Isso é uma demanda forte até hoje, porque não há transporte público que interligue as comunidades. Eu na Penha não consigo ir para Ibitirama ou Pedra Menina, se não for de carro particular”, posiciona.
Ah, também os belvederes não podem ser esquecidos, complementa. Pontos abrigados para descanso e contemplação da paisagem em pontos da estrada que, sublinha, deveriam ser tombados. “Tombamento de cartões postais”, diz, trazendo o termo registrado na carta-proposta entregue no Palácio Anchieta há 28 anos. São ângulos da estrada que oferecem uma vista privilegiada e que não poderiam sofrer alterações como cortes de árvores antigas ou construções que pudessem obstruir o “cartão postal natural”. Para isso, os governos devem conceder benefícios aos proprietários dos terrenos, com desconto no imposto predial/territorial (IPTU/ITR) ou algum outro incentivo.
Projeto retomado
“Estrada parque é tudo menos um asfalto em volta do parque, é integração das pessoas”, reforça Mirian, enunciando uma frase dita na reunião realizada no último dia 16 aos recém-integrados ao ideal da Estrada Parque que o governo de Renato Casagrande (PSB), incentivado pelo Consórcio Caparaó, tem timidamente movimentado.
O convite partiu da diretora-executiva do Consórcio, Dalva Ringuier, que sabe a importância de honrar esse histórico amoroso semeado e cultivado pela Amar Caparaó e seus seguidores há quase três décadas.
A reunião, segundo registra o governo do Estado, teve a participação de representantes do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), das secretarias de Turismo (Setur), Desenvolvimento (Sedes) e da Casa Civil (SCV), além de prefeitos e secretários municipais de Turismo da região do Caparaó capixaba e do município de Alto Caparaó, em Minas Gerais, e do Parque Nacional do Caparaó.
Outras reuniões estão previstas de acontecer, na esteira de um anúncio feito em junho passado, de que um trecho de 12 km da estrada, ligando Pedra Roxa, em Ibitirama, à BR-262, seria calçado de uma forma diferenciada, com vias mais espaçosas, na tentativa de aproximação ao projeto de Estrada Parque.
O quanto será possível aproximar o padrão atual de estradas rurais do projeto idealizado de Estrada Parque Modelo, depende da capacidade de diálogo, coragem e visão de futuro dos que já chegaram e dos que se somarem ao esforço.
Iniciativa piloto
Uma boa referência é o Projeto Estrada Parque da Área de Proteção Ambiental do Rio Tietê e Cabreúva-Jundiaí, ou “Estrada Parque de Itu”, criado em 1996 sob coordenação da ONG paulista SOS Mata Atlântica. Compreendendo uma extensão de 48,9 quilômetros na Rodovia dos Romeiros (SP301), beirando o Rio Tietê, o projeto é considerado pioneiro no Brasil, “ao adotar um plano de gestão em uma unidade de conservação, baseado no desenvolvimento de parcerias e no envolvimento das comunidades locais”, afirma a entidade.
“A integração de lazer, turismo e desenvolvimento socioeconômico com a preservação de recursos naturais também renderam ao projeto, em seu primeiro ano de existência, o segundo lugar do Prêmio Senac de Turismo Ambiental”, destaca.
Ao longo dos anos, acrescenta a SOS, “as atividades na região vêm contribuindo para a consolidação dos mecanismos de atuação, através do fomento, engajamento e a participação de diferentes setores, como o DER, Comdema, a Associação de Defesa da Estrada Parque – que reúne os proprietários e comerciantes locais, usuários e comunidades dos municípios de sua influência na gestão integrada e participativa de recursos naturais -, além de vir servindo de modelo para a normatização do conceito de Estrada Parque no país”.