Inviabilização da pesca e da Romaria das Neves, a segunda maior do Estado, foram temas de seminário realizado no sul do Estado
A população local está pouco informada sobre a magnitude dos impactos previstos caso o Porto Central se instale no sul do Espírito Santo. A constatação vem dos militantes da Campanha Nem Um Poço a Mais, que realizou seu VII Seminário Nacional nesse final de semana, nos municípios de Piúma e Presidente Kennedy, no litoral sul. Com cerca de 70 participantes de várias comunidades costeiras capixabas e de outros estados brasileiros, além de Argentina e Angola.
“Nos surpreendemos como muitos não sabiam desse projeto. Ao conversar com as pessoas, principalmente com os romeiros, manifestaram grande indignação, porque se o projeto se instalar, a Romaria das Neves ficará inviável”, relata Daniela Meireles, educadora da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase), uma das entidades integrantes da Campanha Nem Um Poço a Mais.
A Romaria das Neves é a segunda maior mobilização religiosa do Espírito Santo, atrás apenas das romarias de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha, e acontece todo dia 5 de agosto em Presidente Kennedy, tendo como ponto central o Santuário das Neves, templo com mais de 300 anos, tombado como patrimônio histórico do Estado.
Em meio à celebração deste ano, coordenada pelo bispo de Cachoeiro de Itapemirim, Dom Luiz Fernando Lisboa, os militantes da campanha distribuíam material informativo e expunham cartazes de alerta sobre as ameaças que o projeto do Porto Central traz a reboque das velhas promessas de emprego e progresso. “Prestamos nosso apoio aos romeiros e mostramos nossa indignação, pois o projeto que querem instalar ali é algo totalmente impróprio àqueles que têm fé na igreja e ao patrimônio histórico e religioso”, reforçou a educadora.
O desconhecimento a respeito da tragédia iminente também chamou atenção do coordenador da Fase no Espírito Santo, Marcelo Calazans. “Ficou nítida a falta de informação da população. E, apesar de termos apoio da Igreja, o lobby feito por deputados e prefeitura local é grande e acaba por silenciar esse apoio. Mesmo assim, conseguimos trazer cartazes e mobilizar sobre o tema”, afirmou.
Para além do Porto Central, o Espírito Santo está na mira da indústria petroleira com projetos de mais de duas dezenas de outros empreendimentos de grande porte, de norte a sul do litoral. “É uma economia ainda em franca expansão, a exploração de petróleo. Seja em poços em terra, onde a Petrobras não atua mais, e empresas menores, que fazem ainda mais estrago nos territórios que exploram. Seja no mar, como a gente vê, com a perspectiva de mais um leilão de pré-sal este ano”, pontua.
A percepção, salienta, é de que o ativo mais cobiçado pelas empresas é a terra onde os empreendimentos anunciam querer se instalar. O Porto do Açu, no litoral norte do Rio de Janeiro, a apenas 50 km do Porto Central, é um exemplo didático.
“O Porto do Açu é muito subutilizado. Ele desapropriou uma área muito maior do que realmente tem usado. O pesquisador Marcos Pedlowski, da Uenf, [Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro] levantou essa hipótese, de que o interesse dos portos e outros empreendimentos petroleiros é muito mais pela terra, é o ativo de maior interesse. Fazem desapropriações, destroem casas e territórios, são casos flagrantes de destruição da história das pessoas. Na região do Porto do Açu, as ruínas que o território se tornou é uma realidade gritante, triste”, conta Daniela.
Outro fato que chamou atenção dos participantes do VII Seminário foi a intensidade das intimidações sofridas pelas lideranças e militantes que denunciam os riscos que esses empreendimentos representam para suas comunidades. “Foram feitos muitos relatos de ameaças de diversas empresas que estão nessa cadeia do petróleo e gás. E não há por parte do Estado interesse em acolher essas denúncias. A proteção tem sido feita, sobretudo, pela sociedade civil e movimentos de direitos humanos”.