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‘Povos tradicionais são prioridade e precisam de apoio para inscrição no CAR’

Análise da principal ferramenta do Código Florestal aponta que o Estado prioriza grandes imóveis sob licenciamento ou fiscalização

Aquipoa

Povos e Comunidades Tradicionais (PCT), como quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e camponeses, são prioridade no processo de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Os governos estaduais precisam apoiá-los para que consigam se inscrever. Na análise dos imóveis já inscritos, a prioridade dos estados deve ser aqueles que apresentam maiores impactos ambientais. 

Essas são três das principais orientações destacadas pelo Observatório do Código Florestal durante a semana de atividades que marcam os dez anos do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), completados no último dia 25 de maio. A nova Lei Florestal brasileira tem no Cadastro Ambiental Rural (CAR) a principal ferramenta para implementação dos Programas de Regularização Ambiental (PRA). 

O Observatório do Código Florestal é formado por 39 instituições e se dedica a monitorar a implementação da lei e, nessa semana de atividades, lançou, junto com outras entidades – Fundação SOS Mata Atlântica, Imaflora e Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação, do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (GeoLab-Esalq/USP) – a Plataforma do Código Florestal na Mata Atlântica, com dados inéditos sobre a implementação da nova Lei Florestal. 

Cabe aos governos estaduais analisar os mais de seis milhões de imóveis rurais já registrados no CAR, para confirmar a veracidade das informações autodeclaradas e, a partir disso, identificar os ativos e passivos ambientais, indicando as áreas para regularização, conforme determina a legislação. A regulamentação, a implantação e o monitoramento dos PRAs também são competências dos estados e do Distrito Federal.

Em entrevista ao Século Diário, a secretária-executiva do Observatório, Roberta del Giudice, explica que os dados mostram que o Espírito Santo segue alguns padrões nacionais que, por sua vez, destoam do que o Observatório apregoa como prioridade. 

“O Espírito Santo precisa apoiar os Povos e Comunidades Tradicionais [PCTs], para que eles possam cadastrar seus territórios”, sublinha a secretária-executiva, destacando dois principais motivos: o uso do solo mais sustentável e a falta de recursos financeiros e tecnológicos para fazer a inscrição no CAR. 

“Esse apoio dos estados é muito importante que seja fornecido. Porque a forma de utilização do solo feito por esses PCTs é diferente, degrada menos e é voltado para produção de alimentos. Tem que ter esse foco”, explica. 

Além disso, “os maiores vazios do CAR” são justamente junto a essas comunidades. “Quem é grande ou médio proprietário rural, ou pequeno, mas com mais recursos, já conseguiu se inscrever. As comunidades tradicionais precisam de auxílio por não terem internet e outros recursos necessários”. 

Tripé de apoio a PCTs

Por isso, é preciso destinar recursos específicos para essa inscrição, que por sua vez, também precisa ser feita de forma um pouco diferente, assim como a análise dos dados. “A gente viu um progresso muito grande com PCTs na Bahia, que juntou esforços do instituto de terras estadual com órgãos de geração de renda. Programas Bahia Sustentável e Bahia Solidária”, conta Roberta Giudice.

O modelo baiano tem três pilares, destaca: “terras, meio ambiente e geração de emprego e renda”. Conseguiu registrar diversos territórios tradicionais e precisa ser replicado, afirma. “Não adianta colocar o Idaf [o equivalente ao instituto de terras da Bahia] para fazer o CAR em todos os territórios tradicionais, sem políticas públicas. Tem que ter boa relação entre os órgãos”, orienta.

Outro padrão nacional adotado pelo Espírito Santo e que precisa de ajuste é o da priorização da análise dos imóveis já cadastrados. “A gente sempre pergunta se os estados fazem alguma priorização e gostaríamos que fizesse priorização dos maiores impactos ambientais. Mas poucos estados fazem assim. O Espírito Santo não é diferente, tem priorizado os imóveis que precisam de licenciamento ambiental ou que passam por alguma ação de fiscalização”, expõe. A mudança é necessária. “Da mesma forma que o Estado deve dedicar esforços para fiscalizar os grandes, deve dedicar também para apoiar a produção sustentável nos territórios tradicionais”, salienta. 

O Observatório orienta ainda uma inscrição específica para as propriedades da agricultura familiar, com tamanhos até quatro módulos fiscais. Assim como na maioria dos estados, o Espírito Santo não identifica essas propriedades familiares no seu sistema. “A inscrição dos quatro módulos já foi financiada pelo Fundo Amazônia via BNDES. O Espírito Santo vai fazer uma nova contratação para o seu sistema, precisaria incluir essa especificação”. 

Transparência

Sobre a transparência e rapidez na prestação de informações, o Estado se destaca positivamente por responder aos questionamentos dentro do prazo estabelecido pela Lei de Acesso à Informação (LAI) – levou em média 21 dias para responder às perguntas das entidades envolvidas no levantamento – que é de 20 dias corridos, podendo ser acrescido de mais dez, se justificado. 

O Estado também possui um sistema próprio para inscrição no CAR – o Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (SIMLAM), hospedado no Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) – o que agiliza o processo, quando comparado com o sistema federal, mas o acesso ainda é muito burocrático. 

“O SIMLAM tem modo de consulta um pouco melhor que o federal, mas tem que se inscrever com CNPF/CPF (…) o cidadão comum não consegue fazer essa consulta. Precisa de mais transparência dos dados ambientais. Precisava disponibilizar de uma forma mais ativa e transparente para qualquer cidadão e facilitar a geração de informação para cientistas, sociedade civil e mercado”, pontua. 

“O Espírito Santo tem potencial de liderar essa implementação do CAR. Tem um sistema bom e setores que querem se regularizar para exportar seus produtos, principalmente café e silvicultura”, avalia a gestora do Observatório.

90 mil imóveis cadastrados no ES

Hoje, no Simlam capixaba, segundo o levantamento do Observatório, SOS Mata Atlântica e Imaflora, constam inscritos no CAR 90,1 mil imóveis. “É o número que resta depois de feita uma limpeza da base”, explica Roberta, referindo-se à retirada das sobreposições a espaços como unidades de conservação e terras indígenas. 

Desses, 68,4 mil possuem déficit florestal. Em hectares, tratam-se de 189,3 mil em um universo total de 2,97 milhões de hectares. O equivalente a 4,27% do déficit de vegetação de todo o Bioma. 

Os percentuais são bem díspares: enquanto em número de imóveis, 75% são irregulares, em tamanho de área apenas 6,3% do total é deficitária floresta. 

O déficit refere-se a desmatamentos realizados em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), no entre 2008 e 2020. Dos 189,3 mil imóveis com déficit, 117 mil (62%) carecem de APP e 72 mil (38%), de RL. 

O estudo comparou também os mapas de uso do solo do MapBiomas Coleção 5 dos anos de 2008 e 2020, identificando áreas que eram floresta e foram desmatadas e áreas que eram de uso antrópico e viraram floresta. Os resultados obtidos foram cruzados com os dados dos municípios e chegou-se ao total, em hectares, de Regeneração (21,6 mil ha) e de Desmatamento (27,4 mil ha).

Contexto nacional

Os dados sobre o CAR são fruto do estudo “Da inscrição à validação do CAR: onde chegamos e para onde vamos”, feito pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coliderado pelo professor Raoni Rajão. 

Em âmbito nacional, nestes dez anos de Código Florestal, apenas 7% dos cadastros realizados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já começaram a ser analisados. Atualmente, existem aproximadamente seis milhões de imóveis cadastrados. A análise concluída com sucesso ocorreu com apenas 0,4%, do total, o equivalente a 29 mil.

Conforme explica Raoni Rajão, a análise dos dados é a própria validação dos mesmos. E essa validação é o que geralmente dá início à implantação, efetivamente, do Código Florestal, por meio de ações como restauração, regeneração natural ou compensação de Reserva Legal. O cumprimento de cada uma dessas etapas fica à mercê da velocidade de resposta dos estados, sublinha o professor. “Existe uma diferença grande entre os estados que avançaram e os que estão mais atrasados com relação a seus dados e isso já mostra que o sistema funciona de forma extremamente irregular”.

CAR 2.0

O coordenador recomenda o ValidaCAR como forma de acelerar esses processos. A proposta é do Observatório do Código Florestal e deu origem à iniciativa CAR 2.0, já em implementação pelos governos do Pará e de Minas Gerais. O CAR 2.0 combina robôs com uma base de imagens de satélites de alta resolução para analisar de forma 100% automática os cadastros enviados pelos produtores. Com a análise automática, a abordagem proposta evita exigir a correção dos dados cartográficos declarados pelos produtores nos imóveis, cujos dados já indicam a ausência de déficits.

Para os demais cadastros, com déficits ambientais ou sobreposições e em territórios quilombolas e outras áreas sensíveis, o CAR 2.0 propõe uma análise manual criteriosa priorizada com base em critérios ambientais, sociais e econômicos. “Esses processos economizam recursos humanos, destinando-os ao que realmente importa: dar atenção aos imóveis que precisam de monitoramento para cumprirem a lei”.

A análise dos cadastros pode priorizar o maior impacto ambiental, a partir da verificação de dados dos imóveis localizados em grandes áreas degradadas. A implantação da lei nessas regiões estimulará uma nova economia baseada na restauração, produção de mudas, sementes, gerando renda e estocando carbono.

Agilidade de resposta

Outro estudo lançado nesta semana do Código Florestal + 10 foi “O acesso à informação sobre a implementação do Código Florestal pelos governos estaduais”, feito pelo Observatório do Código Florestal (OCF), Instituto Centro de Vida (ICV), o Imaflora, a ARTIGO 19 e o Instituto Socioambiental (ISA). 

O levantamento analisou um conjunto de pedidos de informação realizados ao longo de três anos, para entender se é possível acompanhar a ação dos governos estaduais para implantação do Código Florestal por meio de mecanismos de acesso à informação estabelecidos pela LAI. Uma das conclusões é que mais de um quarto dos pedidos de informação enviados aos estados da federação sobre a implantação do Código Florestal foram respondidos fora do prazo ou não tiveram resposta, o que viola a Lei de Acesso à Informação (LAI).

Implementação e monitoramento

O acesso à informação é um direito reconhecido por diferentes instrumentos jurídicos e garantido na Constituição Federal de 1988, sendo base para outros dispositivos legais que asseguram a transparência na administração pública. Dessa forma, os órgãos ambientais são responsáveis por franquear o acesso às informações públicas de interesse social. 

A baixa transparência compromete a implementação do Código Florestal, dificultando também seu monitoramento. “Isso atrasa a implantação efetiva da lei e a formulação de soluções que ajudem a acelerar até mesmo a regulação de imóveis rurais no país”, explica Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório.

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