Cidades inteiras sem água potável no norte, fechamento de parque natural nas montanhas, perdas de 70% na agricultura familiar em praticamente todo o Estado, ameaça de racionamento de água na Capital, rios poluídos e assoreados, matas ciliares retiradas, nascentes desprotegidas … Soluções? Não! Ao invés disso, mais autorizações para plantios de monoculturas (desertos verdes), mais benefícios ao agronegócio, mais negligência com os pequenos agricultores.
A crise hídrica do Espírito Santo é resultado de um processo histórico de descaso com a floresta. É fato que as populações autóctones já promoviam sua cota de devastação quando os europeus aportaram aqui com suas botas e ganância. Mas a verdadeira guerra contra a Mata Atlântica foi deflagrada mesmo pelos europeus, especialmente os imigrantes italianos que, praticamente jogados à própria sorte, iludidos pelas promessas de uma vida melhor longe da guerra bélica na Europa, se viram obrigados a inventar estratégias de sobrevivência no mundo selvagem, em meio ao verdadeiro pavor que a floresta fechada, os mosquitos, os animais ferozes, as cobras e os índios – em defesa de seu território – lhes provocavam.
E assim, munidos de medo e ambição, imigrantes europeus foram devastando incansavelmente a floresta até meados do século XX, quando os grandes projetos industriais – especialmente as então Companhia Vale do Rio Doce e Aracruz Celulose – se encarregaram de continuar a inglória missão de exterminar a floresta e seus protetores (sim, protetores, mesmo com sua cota de devastação, intrínseca à condição humana), os índios e quilombolas.
Todo esse esforço conjunto, fruto de tanta ignorância disfarçada de progresso, alta tecnologia e, mais recentemente, desenvolvimento sustentável, resultou na redução da cobertura das nossas florestas primárias a níveis críticos. Na primeira década do século XXI, era de apenas um dígito, cerca de 8%. Até que novas ferramentas de monitoramento identificaram áreas em estágio avançado de recuperação, dobrando o índice oficial, hoje em torno de 15%.
O processo é histórico, vem de décadas, isso é fato. Mas quem está sofrendo os efeitos trágicos somos nós, geração atual, século XXI, ano de 2016. O que fazer? As alternativas são muitas e várias pessoas e organizações da sociedade civil, ao redor do mundo, têm feito muito. No Espírito Santo também há iniciativas interessantes de recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos florestais. O que precisa acontecer é a replicação dessas iniciativas, seu fortalecimento e potencialização.
Os governos, porém, proporcionalmente, fazem muito pouco. É impressionante a falta de visão. O reflorestamento não é bandeira de nenhum candidato a vereador ou prefeito no pleito de 2016, nem do governo estadual, que embora tente mostrar o contrário, tem ações muito tímidas – ou até inexistentes.
Discurso x prática
A novela de descaso com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que se estende há quase um ano, é uma das provas da postura omissa e elitista do governo Paulo Hartung, quando o assunto é proteção ambiental e apoio aos movimentos sociais.
Um dos nove pontos da pauta de reivindicações da Jornada Unificada Campo-Cidade Por Nenhum Direito a Menos é a realização do Programa Reflorestar nas pequenas propriedades familiares. Os agricultores estão abrindo suas propriedades e oferecendo sua mão-de-obra, conhecimentos e cuidados em prol da recuperação ambiental do meio rural, mas o governo ignora.
“O secretário de Agricultura [Octaciano Neto] disse que não tem dinheiro pra fazer o Reflorestar nas nossas propriedades”, lamenta o agricultor familiar José Izidoro Rodrigues, diretor de Política Agrícola e Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Espírito Santo (Fetaes). “Nós camponeses é que temos condições de cuidar das arvores até que elas possam sobreviver na natureza”, afirma.
Recentemente, o governo divulgou matéria sobre as expectativas, para os anos de 2016 e 2017, de beneficiar 1.700 produtores rurais. Na página do programa no site do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), no entanto, não consta a divulgação de nenhum contrato celebrado entre o governo e os produtores rurais em 2015 e 2016, mas apenas em 2013 e 2014, ainda governo de Renato Casagrande (PSB).
No Planejamento Estratégico 2015-2018, o governo estadual anunciou como meta principal do Reflorestar aumentar em 80 mil hectares a cobertura de Mata Atlântica no Estado, até o ano de 2018. “A mesma meta também foi estabelecida como contribuição do Estado ao aderir o Desafio 20×20, proposto na Conferência das Partes (COP 20), ocorrida no Peru em 2014, por países da América Latina e Caribe (LAC) para restaurar e/ou evitar o desmatamento em 20 milhões de hectares até 2020”, informa o site. Mas, até agora, a atual gestão tem mesmo ficado só no discurso e no marketing.