Parecem paralelepípedos de lama em plena lavoura. Depois que os refeitos de mineração da Samarco/Vale-BHP chegaram nas terras dos agricultores e agricultores-pescadores das margens do Rio Doce, ao redor da sua foz, o solo ficou coberto por uma crosta tão dura, que nem o mato nativo consegue crescer. Não só toda a vegetação que existia até então morreu, como praticamente nada voltou a nascer. Até o pasto ficou estagnado, obrigando os pecuaristas a comprarem ração para o gado.
Há quem tenha se arriscado a plantar, mas em vão. Além do mais, nenhuma análise de solo foi feita e as suspeitas, obviamente, é de que as plantas que conseguirem vingar daqui por diante, durante sabe-se lá quanto tempo, provavelmente estarão com algum nível de contaminação. Se no mar e no rio já está constatada a alta toxidade da água e dos peixes, situação semelhante pode ser deduzida para a terra “pavimentada” com a lama.
Cacau, milho, feijão, banana, hortaliças… como compensar os prejuízos causados pela ausência dos plantios que proviam a subsistência e, por vezes, pequenas comercializações, servindo de complemento importante ao sustento das famílias?
Esse foi o tema da reunião realizada pela primeira vez nessa quarta-feira (11) entre a Samarco/Vale-BHP e representantes das associações de agricultores e pecuaristas da Foz do Rio Doce, Marilândia, Colatina e Baixo Guandu.
Após horas de exaustivos depoimentos dos atingidos, uma das promessas da empresa foi a de que os seus consultores contratados irão a campo, nas comunidades, checar as informações para então calcular os valores das indenizações. Em paralelo, os atendimentos individuais devem começar a partir de setembro, quando o escritório da Fundação Renova começará a funcionar no centro de Linhares.
Nada, porém, para agora. As promessas da empresa são somente para 2017.
Desarticular, cansar, enfraquecer
Um adendo aqui é para um alerta que tem sido feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) contra a estratégia de individualização dos atendimentos, que objetiva desarticular as comunidades, criando rivalidades e enfraquecendo as lutas.
Na mesma quarta-feira em que a Samarco exauria as energias dos agricultores atingidos no Espírito Santo, na outra ponta da tragédia, na cidade de Mariana/MG, o MBA realizava um encontro do seu Mutirão de Trabalho de Base, reunindo vítimas do crime da multinacional residentes em Ponte do Gama, Paracatu, Pedras e Bento Rodrigues, e a atingida pela Barragem de Belo Monte, no Pará, Edzângela Alves. “A empresa só enrola com as reuniões que sempre ficam na mesma pauta, pois não trazem respostas aos atingidos. Este processo é típico para desmobilizar e cansar o povo”, contou Edzângela, segundo registro feito no site da campanha Tragédia Anunciada, do MAB.
Edzângela alerta para a forma que as empresas lidam com os atingidos. Por exemplo, “as consultorias que fazem intermináveis entrevistas e cadastros que ninguém tem acesso, nem mesmo o Ministério Público”. Alguma semelhança com o que vem acontecendo ao longo do Rio Doce? “A barragem de rejeitos não é muito diferente da hidroelétrica. São os mesmos impactos e o mesmo tratamento das empresas com os atingidos. Até mesmo porque são as mesmas empresas. A Vale é uma das donas de Belo Monte e é proprietária da Samarco”, lembra a atingida.
Trabalhando como nunca
Voltando à foz do Rio Doce, os agricultores e agricultores-pescadores lamentam que mal tiveram condições de apresentar seus projetos de sustentabilidade para a região. Desde o rompimento da barragem, eles têm se reunido, debatido e elaborado propostas de trabalhos alternativos à pesca. “Nós estamos trabalhando mais do que antes [do crime]”, relata Simião Barbosa dos Santos, presidente da Associação dos Agricultores, Pescadores e Assemelhados de Povoação (AAPAP), entidade que reúne mais de 50 pessoas na localidade. Afinal, além das tentativas de trabalho na terra e outras fontes de sustento diário, é preciso se reunir, elaborar projetos, trabalhar em conjunto.
“O pescador, a vontade dele é de pescar”, enfatiza Simião. Mas, na impossibilidade, já que “a pesca, não se sabe quando vai voltar”, uma alternativa que se mostra é a piscicultura. A Lagoa Monsarás, porém, que seria a área mais apropriada, também foi contaminada pela lama durante a enchente do início de janeiro. A solução encontrada é a utilização de outras lagoas próximas, que ainda estão preservadas, bem como as terras ao redor. A AAPAP tem uma pequena terra que pode ser utilizada, mas precisa se somar a uma outra maior.
A proposta é que a empresa custeie a compra de uma terra anexa para viabilizar os projetos de agricultura e piscicultura. “Podemos fornecer para o governo, para as escolas, vender aqui na região a um preço mais em conta, e também trocar por serviços com quem quiser vir trabalhar com a gente”, anuncia Simião.
Em paralelo à luta por seus direitos junto à Samarco/Vale/BHP, a Associação também está buscando outras fontes. O projeto exposto parcialmente nessa quarta à empresa, por exemplo, foi aprovado por um edital da Fundação Banco do Brasil e a fase agora é de levantamento dos documentos exigidos.