Alguns documentos do naturalista capixaba Augusto Ruschi foram queimados no grande incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no último domingo (2). Diante da tragédia que comoveu a nação, com itens raros e de extrema importância para a história e a cultural brasileiras, realmente esses pequenos testemunhos do capixaba mais ilustre não mereceram o devido lugar no noticiário, apenas algumas citações.
Mas a razão para o silêncio sobre o assunto, na verdade, é o fato de que o verdadeiro “incêndio” que afeta o Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, criado por Ruschi em 1949, em Santa Teresa (região serrana), é de ordem burocrática e camuflado de legalidade, fruto da falta de visão de um grupo de pesquisadores atuantes no Espírito Santo, que há mais de quatro se dedicam a apagar o brilho de uma das principais heranças vivas do Patrono da Ecologia do Brasil.
O alerta vem sendo feito pelo professor Doutor Piero Angeli Ruschi, filho caçula do naturalista, que, ao retornar a Santa Teresa após concluir uma etapa de seu doutorado no exterior, se deparou com a situação grotesca, em que pesquisadores que atuaram durante décadas no Museu Mello Leitão e na Sociedade dos Amigos do MBML (Sambio) engendraram a extinção do único museu de história natural do Espírito Santo e a alienação de todo o seu patrimônio em favor do recém-criado Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), por meio da Lei nº 12.954, de cinco de fevereiro de 2014.
No mesmo ano, Piero foi chamado para uma reunião da Sambio, com a presença do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), onde se pretendia aprovar a transferência de todas as coleções científicas e laboratórios do Mello Leitão para uma área em Aparecidinha, na zona rural de Santa Teresa, já na divisa com Santa Maria de Jetibá.
Ao expor o absurdo da intenção, feita pela diretoria do Museu e da ONG que deveria proteger a instituição, os representantes do MCTIC encerraram a discussão e suspenderam a proposta. Chamado de “moleque” pelo então presidente da Sambio, Arlindo Serpa Filho, Piero passou a ser perseguido pelos algozes do Mello Leitão. “Depois disso nunca mais foi chamado pra nenhuma reunião da Sambio e tive negado meu vínculo de pesquisador voluntário”, conta.
O pedido de renovação foi feito em 2015, e negado verbalmente pelo então diretor, Hélio de Queiroz Boudet Fernandes, atual curador do Herbário do INMA. Um novo pedido foi feito por escrito em 2017, mas continua sem resposta.
Também continua estagnado o processo aberto por Piero no Ministério Público Estadual, denunciando o golpe de morte lançado sobre uma das instituições científicas mais antigas e respeitadas do Estado, obra do mais notável dos capixabas, o “único que nunca será apagado da história”, na visão do saudoso cronista Rubem Braga.
No Rio de Janeiro, peças protegidas em um local fora do prédio principal, poupadas então pelas chamas, oferecem alento para a reconstrução de um novo Museu Nacional.
No Espírito Santo, o golpe contra a memória de Augusto Ruschi e a história natural do Espírito Santo prossegue, a serviço da vaidade exacerbada de alguns e da cegueira conveniente de outros, que afirmam ser necessário “desmistificar Augusto Ruschi”.
As armas são as leis mal escritas e as notícias confusas na mídia corporativa, em que o INMA é chamado de “Instituto criado por Ruschi em 1949” e onde o nome do Museu Mello Leitão, apesar de extinto, continua sendo invocado quando conveniente, mostrando, na verdade, que a história e a importância científica e cultural do Mello Leitão, a despeito de todos os ataques, se impõem sobre a mediocridade (des)humana.