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Produção tradicional de arroz orgânico blinda comunidade de alta do preço

“Planto arroz com meu pai desde que troquei o primeiro dente. Muita satisfação”, sorri Vanilson, em Nova Venécia

Eduardo Lucindo Rodrigues da Cunha

No distrito de Guararema, zona rural de Nova Venécia, já próximo ao limite com Boa Esperança, no noroeste do Espírito Santo, dezenas de famílias e seus clientes estão blindados pela crise da alta do arroz deflagrada durante a pandemia de Covid-19, graças a uma tradição: o plantio de arroz orgânico de várzea, em pleno semiárido capixaba. 

O excedente da alimentação das famílias é vendido na loja da Associação Veneciana de Agroecologia Universo Orgânico, que congrega vários outros itens alimentares agroecológicos e orgânicos, certificada pelo Organismo de Controle Social (OCS) local, que checa periodicamente as conformidades, garantindo que a produção é legitimamente orgânica. 


Vida, saúde, coragem, criatividade e segurança alimentar pulsando em meio à monotonia da paisagem em desertificação pelas monoculturas de eucaliptos e pastagens. 

“A nossa família nunca parou de plantar arroz, mesmo quando o preço era menor. Nossa preocupação sempre foi com alimentação saudável”, declara Vanilson Rodrigues da Silva, membro da Universo Orgânico e um dos mais experientes no ofício, a terceira geração da sua família a manter a tradição.
Eduardo Lucindo Rodrigues da Cunha

“Pode mexer com gado, com pimenta-do-reino, com café … mas chegou na hora de comer, só procura alimento. Me preocupo muito com alimento, porque eu não como café, não como pimenta. Tô começando com cacau, experimentando … mas o primeiro é o arroz, primeiro é o alimento. E tem que ser saudável. Compro no mercado o mínimo possível, porque sei que muita gente quer saber só do dinheiro”, aduz, com a sinceridade, a simplicidade e a sensibilidade típicas do campesinato. 

“Eu comecei a plantar arroz quando comecei a trocar dente, com sete anos. Na roça, antigamente, os filhos começavam a trabalhar muito cedo. Hoje estuda primeiro. Na minha época trabalhava e o estudo vinha depois”, relata, com o característico bom humor.

Hoje, seu plantio é feito no terreno dos irmãos e de um amigo, pois com o crescimento da família, as terras foram sendo divididos e Vanilson ficou sem a várzea, mas a compartilha em nada inviabiliza sua produção. “Tem gente que duvida que eu planto arroz, coloco toda semana pra vender e as pessoas duvidam”, gargalha. “Aí eu falo pra ir aqui visitar o sítio”, diverte-se.

Na loja da Universo Orgânico, de segunda a sábado, o arroz do Sítio Rochedo está sendo vendido a R$ 7,50 o quilo do polido e a R$ 10,00 o quilo do integral – preços melhores que os de grandes mercados.

A semente com que Vanilson trabalha atualmente é a esconde-cacho, uma variedade crioula melhorada ao longo de gerações. “Essa aqui agora consegui com meus vizinhos em Boa Esperança, que também trabalham com orgânico”, conta.

Eduardo Lucindo Rodrigues da Cunha

Além do arroz e do cacau, Vanilson tem açaí, mandioca, milho, feijão, fruteiras, moita de cupuaçu … A alegria em produzir alimentos saudáveis durante toda a vida e com isso blindar sua família, sua comunidade e seus clientes de ameaças, como agrotóxicos, escassez e preços altos, é enorme. “Satisfação muito grande, fazendo uma coisa que dá certo. As pessoas também ficam satisfeitas, muita gente elogia”, diz.

Tecnologia

O sucesso com a agroecologia também tem atraído mais tecnologia para a Universo Orgânico. Uma parceria entre o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e o Banco do Nordeste está viabilizando a construção de um software para gestão da comercialização e rastreamento da produção orgânica e agroecológica da Associação, com expectativa de ser replicável para outras associações e cooperativas que comercializam produtos oriundos da Agroecologia.

Segundo divulgado pelo Ifes, houve um aumento substancial do fluxo de produtos e vendas nos últimos meses e o software terá que contemplar o desafio de aliar, além da gestão de entradas e saídas de produtos e fluxo de caixa, a rastreabilidade dos produtos e a alimentação de um banco de informações das propriedades agroecológicas, com vistas a facilitar o processo de certificação da produção e acesso dos consumidores às informações sobre as unidades produtivas, além de desenvolver um aplicativo para facilitar as compras e entregas dos produtos em domicílio (delivery).

Menos êxodo rural

Toda essa abundância e modernidade tem conseguido manter muitos jovens no ofício da agricultura, em meio ao êxodo rural que ainda predomina na maior parte do Estado e do país, em função da falta de políticas públicas essenciais no campo, que reduzem as oportunidades de crescimento profissional. 

“Aqui na região tem uma juventude voltada pra isso, que vê uma janela uma claridade na agricultura”, observa o agroecologista. “Tenho dois filhos empregados e uma filha em casa estudando”, conta. Um dos que está empregado trabalha em pedreira e deixou a roça exatamente por contaminação por agrotóxicos. “Eu trabalhava no terreno do meu pai, e usava muito veneno, meu menino começou a se intoxicar e saiu. Mas já está voltando. Construiu uma casa no terreno dele e tem vontade de voltar, já plantou uma moita de café”, comemora, esperançoso.


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