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Produtos das abelhas sem ferrão do ES começam a ter poder terapêutico revelado

Surgida de um caso de amor, parceria da Ame-ES e UVV estudou pólen, própolis e mel da uruçu capixaba

Adailton Gonçalves Pinheiro/Ame-ES

As propriedades terapêuticas dos produtos alimentícios e medicinais das abelhas sem ferrão nativas da Mata Atlântica capixaba começam a ser reveladas cientificamente e apontam para uma fonte importante para uso na terapia complementar natural.

Os dados são resultados de uma parceria entre a Associação dos Meliponicultores do Espírito Santo (Ame-ES) e a Universidade de Vila Velha (UVV), nascida de um caso de amor. Casada com um meliponicultor associado à Ame-ES, o farmacêutico Adelmo Rabelo Bergamini, a então doutoranda em Farmácia Ariane Pinheiro Cruz Bergamini decidiu dedicar sua pesquisa às pequenas polinizadoras que encantavam o marido e, de imediato, viu-se, também, apaixonada pelas abelhas. “Um caso de amor mesmo”, admite.

A ideia inicial era pesquisar cinco espécies nativas do Estado, envolvendo pólen, mel e própolis. Mas as dificuldades da pandemia e de outras ordens a fizeram reduzir o escopo do trabalho e focar na caracterização química e nas propriedades dos compostos bioativos da própolis da uruçu capixaba (Melipona capixaba), espécie endêmica das montanhas do Espírito Santo, ou seja, só ocorrem nessa região e em nenhuma outra do mundo, e ameaçada de extinção.

Os demais produtos, mel e pólen, foram abraçados por duas colegas em suas respectivas pesquisas de Mestrado, também na UVV, respectivamente Larissa Santos Fiorot e a Iana Pessoa. Sob orientação dos professores Marcio Fronza e Denise Coutinho Endringer, a parceria conta ainda com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que financiam as bolsas de estudo, e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), por meio da colaboração do professor Vanderson Romão.

Ariane conta que o Brasil é um dos países que mais pesquisam abelhas sem ferrão, mas os estudos sobre propriedades terapêuticas ainda são em menor número. As espécies que ocorrem no Espírito Santo, considerando as floradas e condições ambientais onde elas vivem, só agora começam a ser estudadas. Das 144 espécies sem ferrão identificadas no Brasil, 39 ocorrem aqui, incluindo a endêmica e ameaçada uruçu capixaba.

Os estudos ainda estão in vitro, ressalva Ariane. “Ainda não passaram para o estágio in vivo, para avaliar a toxidade e outros parâmetros importantes para a produção de medicamentos para seres humanos, mas já indicam produtos naturais promissores para serem usados em tratamentos de práticas complementares”, afirma.

A doutora em Farmácia explica que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já regulamenta alguns produtos das abelhas com ferrão, oriundas da Europa e da África, a chamada Apiterapia, em tratamentos complementares de atividade anti-inflamatória. “Trazendo trabalhos científicos das nossas abelhas nativas, sem ferrão, vamos conseguir favorecer a padronização dos produtos delas também, garantindo uma segurança para o consumidor também em relação a elas”.

A importância de estudos regionais se deve à variação da composição dos produtos gerados pelas abelhas, de acordo com as condições em que vivem. “A flora do local interfere na composição dos produtos. O clima também”. E, mesmo dentro de um mesmo estado, variações importantes ocorrem, ao sabor das altitudes, diversidade da floresta que as alimenta, pluviosidade e sazonalidade. Cada conjunto de variantes resulta em própolis, poléns e méis com características diferentes.

De modo geral, resume Ariane, esses produtos apresentaram importantes atividades antioxidante, anti-inflamatória e antifúgica. “Estudos de outros estados demonstraram atividade antibacteriana também”, aponta, indicando um dos próximos estudos que o grupo deve realizar, espera-se, com a participação de ainda mais cientistas e entidades. “Vamos submeter o trabalho para publicação em revistas cientificas”, acrescenta, apontando um futuro com muitas possibilidades de enriquecimento científico em prol da saúde humane e da proteção desses animais, tão frágeis e tão poderosos.

Regulamentação

Em paralelo aos esforços para embasar cientificamente o trabalho dos meliponicultores capixabas, a Ame-ES também busca a regulamentação da atividade de criação de abelhas sem ferrão no Espírito Santo, visto que, por enquanto, as limitações impostas pela legislação aos pequenos criadores, que formam a maioria absoluta.

“A Ame-ES está há três anos buscando a regulamentação ou pelo menos o plano de manejo da uruçu capixaba. A nossa visão é que a criação dela, bem regulamentada, racional, pode ajudar na proteção da espécie, que está em risco de extinção. O meliponicultor tem consciência de que precisa deixar um percentual dos enxames que cria para a enxameação natural. A gente entende que assim pode contribuir para reduzir o risco que ela sofre”, argumenta o presidente da entidade, Adailton Gonçalves Pinheiro.

Duiane Clement/Ame-ES

A regulamentação está sob responsabilidade do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que finalizou em janeiro uma consulta pública sobre a minuta de uma Instrução Normativa (IN). “O Iema disponibilizou os questionamentos feitos durante a consulta pública, mas ainda não retornou qual a posição do órgão sobre eles”, relata Adailton.

O debate ocorre no âmbito da Câmara Técnica de Apicultura e Meliponicultura do Espírito Santo, onde a presença de algumas cadeiras se mostra contraditória na visão da Ame-ES, o que pode, inclusive, ser responsável por retardar o avanço do processo de normatização.

“Algumas instituições que fazem parte da Câmara técnica não têm envolvimento direto com abelhas. O que na hora de tomada de decisões, atravanca, porque são interesses diferentes! Como setores antagônicos com interesses tão conflitantes podem estar juntos nessa câmara? Uma empresa que faz pesquisa de transgenia de eucalipto inclusive, para ter menos florações para crescer e engrossar mais rápido o caule do eucalipto”, enfatiza, referindo-se à Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), conhecida consumidora de agrotóxicos, inclusive lançados em pulverização aérea.

“Não existe estudos sobre o que pode acontecer com as abelhas a partir desse tipo de eucalipto transgênico, que deve ser plantado em largas extensões. A máxima da biologia e das leis ambientais diz que é preciso respeitar o princípio da precaução. Então, enquanto não se tem um estudo que garanta que é boa ou ruim, essa e outras variedades transgênicas não poderiam ser plantadas como estão sendo”, pondera.

Meliponicultor na região do Caparaó capixaba, onde as propriedades terapêuticas do pólen da Melipona capixaba alcançaram os maiores índices, semelhantes aos das abelhas sem ferrão da Amazônia, João Luiz Teixeira reforça a urgência da regulamentação dialogada da atividade, que leve em consideração as especificidades e necessidades dos pequenos criadores, que vêm, sozinhos, realizando esse trabalho, ainda marginalizado pelo governo do Estado.

“As pesquisas com a UVV dão um alento para a gente. Mostra é uma abelha que produz um pólen medicinal, que também é um superalimento, como já se sabe. Mas por outro lado, a gente não pode produzir para vender, não pode fazer esse produto chegar até as pessoas, porque o estado proíbe a criação zootécnica. A gente pode ter um trabalho que faça esse produto chegar no mercado, inclusive com certificado de origem, imagina um selo do Caparaó! E a renda dessa atividade, parte dela, ser revertida para a própria espécie, produzindo enxames fortes, que repovoariam a natureza, reduzindo o risco e quem sabe até retirando a espécie do risco da extinção futuramente!”, argumenta.

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